Acórdão nº 103/07.0PALSB.L1 -9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 103/07.0 PALSB, da Comarca de Lisboa - Instância Local - Secção Criminal – J6, foi o arguido AA, nascido a xx de xx de 1988 e melhor id. nos autos, atualmente recluso em cumprimento de pena de prisão à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional Central de Lisboa, notificado do despacho judicial de fls. 743, de 16 de agosto de 2016, que indeferiu o requerimento que apresentou no sentido de serem suspensas as diligências com vista ao cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, enviado ao Reino Unido (que levou à sua presente reclusão), tendo em consideração a circunstância que alegou de estar socialmente reinserido e estar com emprego estável, como cozinheiro, na Inglaterra, e ter um filho de poucos anos ao seu cuidado, com o fundamento de que transitou em julgado a decisão que pôs termo à suspensão da pena de prisão e determinou o seu cumprimento, veio, inconformado com a mencionada decisão, da mesma interpor recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1. O arguido não esteve presente no julgamento, nem foi pessoalmente notificado para o mesmo.

  1. O despacho recorrido enferma de erro grave, ao indeferir o requerimento de 2016-07-19, de fls., com o fundamento que o despacho que pôs termo à suspensão da pena e determinou a prisão do arguido tinha transitado em julgado.

  2. Na verdade, transitado em julgado a sentença de condenação o arguido deixa de estar subordinado ao TIR, que não pode, por isso, ter violado.

  3. Acresce que, a decisão de pôr termo à suspensão da pena, tem de lhe ser pessoalmente notificada, e só depois de tal notificação é que poderá tal decisão transitar em julgado, se não for impugnada.

  4. O cumprimento do mandado de detenção europeu é ilegal, como ilegal é a sua prisão, uma vez que o arguido não foi pessoalmente notificado para o julgamento.

  5. Em qualquer caso, o despacho recorrido ao decidir como decidiu fez uma interpretação e aplicação do art°113°, n°1, alíneas b), c) e d), do n° 9, bem como do art° 214°, n° 1, alínea e), ambos do CPPenal que a inconstitucionaliza por violação do art° 32° da CRP.

  6. O despacho recorrido violou, quer as disposições legais anteriormente citadas, como bem ainda o art° 32° da CRP.

  7. A eventual prisão do arguido, em cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, é ilegal, por violação do art° 12°-A do Lei n° 65/2003, de 28 de Agosto, e a respectiva Directiva.

    Termos em que deverá proceder o presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, com todas as legais consequências, como é de Direito e de Justiça." (fim de transcrição).

  8. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 822.

  9. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1- O recorrente/arguido foi regular e pessoalmente notificado para julgamento conforme resulta de fls.185 e 186, não tendo ocorrido qualquer vício ou irregularidade.

    2- A sentença condenatória foi notificada ao recorrente, o mesmo não interpôs recurso, conformando-se com a decisão, pelo que esta transitou em julgado.

    3- A pena aplicada de 18 meses de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova foi revogada nos termos do disposto no art.56.º/1 al. a) do CP.

    4- O recorrente/arguido foi dela notificado e não intentou recurso pelo que se conformou com a decisão.

    5- Para cumprimento da pena efetiva de prisão foi emitido Mandado de Detenção Europeu, que veio a ser cumprido no Reino Unido, local onde o recorrente se encontrava a residir.

    6- O recorrente/arguido não reagiu ao cumprimento do MDE perante as autoridades do Reino Unido, entidade judiciária que cumpriu o mandado de detenção europeu, tal como podia e devia, querendo.

    7- Em face do exposto não se mostra violado o art.113.º e 214.º do CPP, não há qualquer interpretação inconstitucional dos mesmos, nem há qualquer violação do art.12.º-A da Lei n°65/2003, de 28 de Agosto.

    Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.

    Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  10. Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu “Visto” e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido (cfr. fls. 899).

  11. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

  12. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

  13. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

    As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes: - Se o recorrente foi, ou não, notificado para o julgamento; - Se transitada em julgado a sentença de condenação o arguido deixou de estar subordinado ao TIR, que não pode, por isso, ter violado; - Se a decisão de pôr termo à suspensão da pena tinha de lhe ser pessoalmente notificada; - Se o despacho recorrido ao decidir como decidiu fez uma interpretação e aplicação do art. 113.°, n.°s 1, alíneas b), c) e d), e 9, bem como do art. 214.°, n.º 1, alínea e), ambos do CPP que é inconstitucional por violação do art. 32.° da CRP; - Se o mandado de detenção europeu é ilegal por violação do art. 12.º-A do Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, e da respetiva Diretiva.

  14. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, proferida em 16 de agosto de 2016 e constante a fls. 743, que é do seguinte teor: “Fls.571 a 576: Indefere-se o requerido, por falta de fundamento legal, sendo certo que, a decisão judicial que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado já transitou em julgado, daí que, não seja passível de qualquer alteração. Notifique. (…)” (fim de transcrição).

    Faz-se aqui um parêntesis para assinalar que, compulsados os autos, verifica este tribunal ad quem que, em 09.01.2015, o tribunal a quo, na sequência da decisão de revogação da suspensão da execução da pena e para cumprimento de 18 meses de prisão, determinou a emissão de Mandados de Detenção Europeu - cf. fls. 487, 488, 489 a 491, 498 a 504, 517 a 523, 553 a 559, 568.

  15. Sendo que o requerimento do arguido/condenado, apresentado em 19 de julho de 2016 e constante de fls. 571 a 590, 605 a 678, 680 a 723, sobre o qual incidiu tal decisão judicial e ora recorrida, foi do seguinte teor: 1. O requerente foi julgado e condenado por sentença de 30-06-2009, pelo crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade de estupefacientes (art° 21°, n°1., e art° 25°, alínea a), ambos do Dec-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro).

  16. Tinha o arguido, então, ao tempo da condenação, 20 anos de idade e os factos a que os autos se reportavam (prática de crime), terão ocorrido em 24-10-2007, altura em que o arguido tinha 19 anos de idade.

  17. Não vale a pena ocultar que os autos revelam que o requerente teve, infelizmente, uma adolescência de marginalidade delinquente, embora (sem desvalorizar) de criminalidade de menor gravidade.

  18. O requerente ficou órfão de Mãe aos 11 anos de idade, e quando, por força desse infortúnio, se esperava que tivesse o apoio do Pai, este abandonou-o, sem que jamais, até hoje, tenha sabido do seu paradeiro, e mesmo se ainda é vivo.

  19. Entregue à sua sorte com tão tenra idade, sem qualquer apoio, cedo se relacionou com más companhias e se envolveu na delinquência, incluindo o consumo de estupefacientes.

  20. O Tribunal, aliás, deu-se conta do quadro em que o arguido cresceu e das circunstâncias em que se integrou nas fileiras da delinquência juvenil, ao condená-lo numa pena de prisão de 18 meses, mas suspendendo esta pena por igual período.

  21. Estavam, pois, criadas as condições previstas na lei para, pedagogicamente, ser assegurada a recuperação e a reinserção social do arguido, ora requerente, o que implicava a sujeição, de harmonia com a sentença, ao chamado Regime de Prova, com Plano de Readaptação, a elaborar pela DGRS.

  22. Acontece que, ao longo de todo o processo, (antes e depois do julgamento), o arguido teve sempre a tendência de se ausentar, pois, por falta de informação e esclarecimento, e sem perceber que a audição do arguido, no âmbito do plano de reinserção social ser-lhe-ia benéfico, receava sempre ser preso.

  23. Foi, aliás, isso que o levou a não estar presente no julgamento, e a não comparecer, posteriormente, à audição do arguido, sendo que, nessa altura, (7-01-2013), já se encontrava na Inglaterra.

  24. Todavia, é necessária alguma cautela na avaliação da conduta do arguido, para que o Tribunal e as instituições envolvidas na difícil tarefa de recuperação de jovens delinquentes não sejam traídos nos seus objectivos e propósitos.

  25. Importa indagar se esta ausência do arguido corresponde a uma recusa de reponderação do estilo de vicia e conduta social, ou seja, a uma persistência na actividade delinquente, de prosseguimento de prática de crimes e de subtracção ao acatamento de valores e princípios que enformam a comunidade, numa vivência...

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