Acórdão nº 229/16.0T9OER-D.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

– A Exm.ª juíza do Juízo Central Criminal de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste proferiu o seguinte despacho em 20-06-2017 (transcrição de fls. 73 a 74 deste apenso de recurso em separado): “Através do requerimento de fls. 1664 a 1665 vem o arguido requerer a não transcrição da condenação para o certificado de registo criminal, designadamente para efeitos de emprego.

O D. Magistrado do Ministério Público promoveu o indeferimento nos termos do art.° 2o, n.° 4 da Lei n.° 103/2015, de 24.08.

Cumpre apreciar e decidir.

De harmonia com o disposto no art.° 13° da Lei n.° 37/2015, de 05.05: “Sem prejuízo do disposto na Lxirt.

0 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.°, no artigo 152.°-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.°s 5 e 6 do artigo 10.°”.

O arguido foi condenado em pena não privativa da liberdade.

Não resulta claramente do texto da Lei quais os critérios a atender na decisão de não transcrição, mas parece óbvio que se deverão ter em conta as exigências de prevenção geral e especial convocadas no caso em concreto, já que se refere a lei ao perigo de cometimento de novos crimes.

Nos presentes autos, o arguido admitiu parcialmente os factos objetivos e não regista outros antecedentes criminais.

Não obstante, o mesmo foi condenado pela prática de um crime de pornografia dc. menores, previsto e punido pelos artigos 176° n.°s 1, al. b), e 177°, n.° 6 do Cóci;o Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Trata-se, assim, de crime inserido no capítulo V do título 1 do livro II do Código Penal, integrando a ressalva do artigo acima citado.

Por outro lado, sopesando os factos provados e as características de personalidade do arguido, das quais se extrai alguma compulsão, designadamente da circunstância de ter procurado, descarregado e guardado, durante anos, milhares de ficheiros de pornografia de abuso sexual de crianças, entendemos que a gravidade dos factos não permite concluir que não existe perigo da prática de novos crimes.

Não estando afastado ou atenuado o perigo de cometimento de novos crimes, não é o arguido merecedor da não transcrição da condenação, que, de qualquer modo, sempre teria de constar do seu certificado de registo criminal, nos termos da Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro.

Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, por não estarem verificados os necessários pressupostos legais, indefiro a requerida não transcrição da condenação do arguido no certificado de registo criminal.

Notifique e remeta boletim ao registo criminal.

* Veio o arguido requerer, a fls. 1669 e 1670, que o tribunal reconsidere a perda dos objetos ou, em alternativa, que sejam devolvidos os dispositivos depois de eliminados os ficheiros ou, seja autorizada cópia dos restantes ficheiros.

O D. Magistrado do Ministério Público promoveu o indeferimento.

Compulsados os autos, o acórdão que antecede mostra-se transitado em julgado, estando esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria.

Em conformidade, indefere-se o requerido.” Inconformado, o arguido M.M.R. interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) : “I.

– O arguido foi condenado, pela prática de um crime de pornografia de menores, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

II.– O arguido não recorreu de tal decisão, mas fez dois pedidos: um primeiro pedido, que a condenação não fosse transcrita no seu registo criminal, para efeitos profissionais, uma vez que, tendo o arguido as funções profissionais que tem, como tal incurso em viagens regulares para vários destinos e sujeito a um apertado escrutínio nas variadas jurisdições em que exerce funções, um tal registo constituiria um enorme obstáculo à retoma da sua actividade profissional, impedindo-o mesmo de se deslocar para alguns países do mundo.

III.

– E um segundo pedido, pelo menos que o material digital (fotos de família, trabalhos de design seus, textos pessoais, entre outros documentos perfeitamente lícitos e inócuos do ponto de vista penal, mas relevantes pata si), ou seja o material digital que lhe fora apreendido no decurso da investigação lhe fosse devolvido (expurgado de todos os ficheiros que constituíam o objecto do crime por cuja prática fora condenado), porque continha vários ficheiros de cariz pessoal e de conteúdo perfeitamente legítimo de alto valor emocional; ou, em alternativa, lhe fosse dada autorização para copiar esses ficheiros para outros dispositivos, limpos, a fornecer por si.

IV.

– Contudo, o tribunal a quo indeferiu ambos os pedidos, indeferindo o primeiro, com fundamento de que o crime em causa se inseria na ressalva contida no primeiro segmento do artigo 13.° da Lei n.° 37/2015, de 5 de maio, e também porque “a gravidade dos factos não permite concluir que não existe perigo da prática de novos crimes.

V.

– Quanto ao segundo, indeferiu-o também, alegando que não podia ser concedido na medida em que se trata de matéria já decidida no acórdão condenatório, que transitou em julgado, pelo que se encontra “esgotado o poder jurisdicional.

VI.

– Contudo, o arguido não pode conformar-se com esta dupla decisão, desde logo porque os argumentos não são, por si, suficientes para fundamentar a recusa de um pedido que, crê-se, absolutamente legítimo e compreensível; e desde logo porque, quanto ao primeiro pedido, a Lei n.° 37/2015, no seu artigo 13.°, não veda de forma taxativa a pretensão do arguido, conforme referiu o tribunal.

VII.

– Nos termos da norma enunciada, os tribunais que condenem pessoa singular em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.°s 5 e 6 do artigo 10.°.

VIII.

– Não pode o arguido deixar de se mostrar surpreendido com o argumento de que existe um qualquer risco da prática de novos crimes, desde logo considerando a sua postura em julgamento e o favorável ambiente familiar do arguido, o reconhecimento pelo próprio do cometimento do erro e da sua gravidade (tudo conforme descrito no Relatório Social para Determinação da Sanção, elaborado pelo Técnico da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, JG) e ainda tendo em conta o relatório da psiquiatra e o acompanhamento psicológico de que beneficia.

IX.

– E até porque esse argumento contraria uma parte significativa do fundamento e do sentido da decisão condenatória, designadamente, o raciocínio formulado no capítulo 2.1.4 da decisão, intitulado “Suspensão da pena”.

X.

– Para além do referido, conclui o Relatório da Psiquiatra Dr.a FG: “esta reflexão não permite afirmar uma eventual vertente pedofílica neste doente. Um diagnóstico de perturbação pedofílica, tal como as classificações internacionais como ICD-10 ou DSM-5 o definem, não se verifica, pois apenas é possível no caso de comportamentos sexuais com crianças reais. Assim, o doente não refere nem faz alusão a comportamentos e atos sexuais com crianças reais e não é acusado disto. (...) A perturbação da personalidade existe, mas não corresponde a um tipo especifico das classificações internacionais, vincando no caso do doente por traços de maturidade não completa, de obsessionalidade, de comportamento evitante e inibido. Em particular, exclui-se uma perturbação antissocial da personalidade.

XI.

– Parece claro que hoje e com um juízo de prognose favorável não existe qualquer impulsividade no arguido, muito menos que represente um perigo de prática de novos crimes, desde logo porque desde 2009 que esta conduta foi sendo reduzida, sendo praticamente inexistente nos últimos 3 anos, nunca mais se tendo verificado nos anos subsequentes.

XII.

– Mais, ficou ainda demonstrado inequivocamente a não compulsão e o abandono voluntário desta prática por parte do arguido, sem qualquer tipo de dissuasão ou de coacção, muito antes mesmo de ter processo ou de ter sido sujeito a medidas de coacção.

XIII.

– Saliente-se também o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT