Acórdão nº 861.16.1YRLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | MANUEL MARQUES |
Data da Resolução | 10 de Abril de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.
OC, N AG e N Farmacêuticos, S.A, no âmbito do regime processual especial instituído pela Lei 62/2011, de 12/12, instauraram a presente acção arbitral necessária.
Foi instalado o tribunal arbitral para dirimir o litígio relativo aos medicamentos genéricos contendo as substâncias activas “Carbidopa, Entacapona e Levodopa”, cujos pedidos de autorização de introdução no mercado foram submetidos pela sociedade AS, SRO, em 10 de Julho de 2014, e que têm como medicamento de referência o “Stalevo”.
Consta da acta de instalação que a arbitragem tem por objecto o exercício dos direitos de propriedade industrial que emergem da Patente Europeia n.º 118… As demandantes apresentaram a p.i. (fls. 254 e segs.) onde demandaram a habilitada R Farmacêuticos, Lda (para esta foram transferidos pela AS SRO as AIMs.).
Na contestação a demandada suscitou a excepção da invalidade da reivindicação 16 da patente, por carência de actividade inventiva.
Na resposta, as demandantes suscitaram a questão da incompetência do tribunal arbitral para conhecer dessa questão.
No acórdão saneador prolatado dia 26 de Fevereiro de 2015, rectificado a 1/03/2016, o tribunal arbitral, por maioria, declarou-se competente para conhecer da validade ou invalidade da patente.
Inconformadas, as demandantes interpuseram recurso de apelação dessa decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:
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O presente recurso vem interposto do despacho datado de 26 de Fevereiro de 2015 (“Acórdão Saneador”) na parte em que o tribunal a quo – no caso, o Tribunal arbitral (“TA”) constituído nos termos e para os efeitos da arbitragem necessária ao abrigo doa Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (“Lei n.º 62/2011”) – declarou, relativamente à sua própria competência, ter competência para conhecer não apenas da vigência como da validade ou invalidade da EP …608 (doravante designada por “EP” 608” ou “Patente”) com reflexo e valor inter partes, pelo que consubstancia uma decisão intercalar ou interlocutória no processo arbitral.
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O artigo 3º, n.º 7, da lei nº 62/2011 não equipara para efeitos de sindicância em sede de recurso a “decisão arbitral” à “sentença final de mérito”.
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Assim, o Acórdão Saneador proferido no processo arbitral é recorrível, ao abrigo do disposto no artigo 3º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011.
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Caso assim não se entenda, ou seja, caso se entenda que tratando-se de decisão intercalar ou interlocutória no processo arbitral não lhe seria aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 3º da Lei 62/2011 – hipótese que apenas se configura por cautela de raciocínio, sem conceder -, impõe-se aferir a admissibilidade do recurso pelas regras aplicáveis à presente arbitragem, em cumprimento do n.º 8, da mesma disposição.
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Entre as partes, e como decorre do acordo na acta de instalação do TA e Regras Processuais, não ficou acordada a possibilidade de recurso de actos interlocutórios.
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Resulta do disposto no artigo 18º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (“LAV”) (aplicável ex vi do artigo 8º do Acto de Instalação do TA e Regras Processuais) que o TA pode decidir sobre a sua própria competência (n.º 1) quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa (n.º 8).
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Nos termos do n.º 9 da referida disposição, a decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente.
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A decisão recorrida na parte em que o TA declarou que tem competência para apreciar e decidir a validade ou invalidade da Patente é, assim, recorrível autonomamente, nos termos do art.º 18º, n.º 9 da LAV e do art. 644º, n.º 2, alínea i) do Código de Processo Civil (“CPC”).
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A análise da questão objecto de recurso exeige que se parta da análise do regime específico aplicável, decorrente da Lei 62(2011 e dos artigos 4º e 35º do Código da Propriedade Industrial (“CPI”) e da natureza dos direitos em questão e não da norma gela do artigo 91º do CPC que por aqueles é afastada.
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Nos termos do artigo 2º da Lei n.º 62/2011, o TA é apenas competente para conhecer dos litígios resultantes da invocação deo direito de propriedade industrial relativo aos medicamentos genéricos da Recorrida, já não tendo competência para discutir a invalidade do próprio direito.
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Os direitos de propriedade industrial são direitos absolutos, que gozam de eficácia erga omnes, impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito, que goza “das garantias estabelecidas para a propriedade em geral”, nos expressos termos do artigo 316º, do CPI, incluindo a específica protecção constitucional, como direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17º, da Constituição da República Portuguesa.
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Perante o litígio resultante da invocação do direito de propriedade industrial o TA não tem de, nem pode, apreciar a questão da validade do direito invocado, porque essa validade se presume, nos termos do artigo 4º do CPI.
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O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a acção de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35º n.ºs 1 e 2 do CPI.
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Tal significa que enquanto o Tribunal de Propriedade Intelectual (artigo 89º-A n.º 1 c) da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunais Judiciais, com a redacção dada pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho) não declarar nulo ou anular um título de propriedade industrial, nenhuma outra autoridade (outros tribunais judiciais e administrativos, tribunais arbitrais, administração pública, etc.) a pode declarar inválida, quer por via de reconvenção quer pela excepção, funcionando em toda a sua plenitude a presunção de validade decorrente do artigo 4º n.º 2, do CPI.
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Assim, pelas disposições conjugadas do artigo 2º da Lei 62/2011 e dos artigos 4º e 35º do CPI é forçoso concluir que a questão da invalidade de de uma patente é matéria não arbitrável, ainda que seja deduzida a título de excepção, como se defende.
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Deste modo, face ao regime específico que daí resulta, não tem qualquer cabimento a aplicação da solução legal que emerge do artigo 91º do CPC, diploma que, de resto, não é aplicável ao processo arbitral sub judice.
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Aceitar-se, como o Tribunal a quo propugna, a declaração, com meros efeitos inter partes, da invalidade da Patente ao abrigo do artigo 91º do CPC, conduziria à possibilidade de invalidação subjectivamente parcial da mesma Patente, a qual passaria assim a ser inválida apenas em relação à Recorrida, enquanto continuava a ser válida e oponível contra todos os outros interessados e ao risco, efectivo, de prolação de decisões contraditórias, considerando uns tribunais a sua invalidade e negando outros tal circunstância, assim se destruindo a natureza de direito absoluto do direito de patente, oponível erga omnes, sem que nada na lei autorize tal destruição.
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Finalmente, a não aplicação à questão em apreciação, do disposto no artigo 91º do CPC, não conduz a qualquer denegação e justiça na medida em que a Recorrida pode obter – e podia ter procurado obter desde que iniciou o procedimento para obter a autorização de introdução no mercado dos seus medicamentos genéricos – a pretensa justiça que almeja, não pela via da aplicação do disposto no artigo 91º do CPC, mas pela via do próprio artigo 35º do CPI.
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A decisão de competência proferida no Acórdão Saneador assenta numa errada intertpretação dos artigos 2º da lei n.º 62/2011e artigos 4º e 35º do CPI, aplicando de forma imprópria o Direito ao caso dos presentes autos.
Terminam pedindo a anulação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que declare o Tribunal Arbitral incompetente para apreciar a validade ou invalidade da Patente.
A demandada R Farmacêuticos, Lda., apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: i.
O presente recurso vem interposto do Acórdão Saneador proferido pelo Tribunal Arbitral nos autos de arbitragem acima identificados, no qual o mesmo se declarou competente para conhecer das questões relativas à invalidade da patente suscitadas pela Demandada, ora Recorrida, na sua contestação, a título de defesa por excepção.
ii. As Demandantes não se conformam com este entendimento e defendem que apenas os Tribunais de Propriedade Industrial são competentes para conhecer da validade da patente. Sem razão, pois o tribunal recorrido fez correta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis.
iii. Em primeira linha, atenta a publicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro de 2011 (“Lei n.º 62/2011”), quaisquer argumentos, ademais literais, retirados do disposto no artigo 35.º do Código da Propriedade Industrial (“CPI”) para defender a inadmissibilidade de, em sede arbitral, ser declarada a nulidade de direitos de propriedade industrial não podem deixar de ser interpretados de forma atualista.
iv. Acresce que, nos termos do art. 91º do CPC o tribunal competente para a ação é igualmente competente para conhecer, além do mais, das questões que o réu suscite como meio de defesa, princípio que seria também ele postergado se se entendesse que o tribunal arbitral imposto pela Lei nº 62/2011 não pode conhecer da invalidade da patente, enquanto exceção perentória invocada pelo demandado nestes processos, a determinar, verificando-se, a improcedência do pedido.
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Sendo que tal entendimento não colide com a regra instituída no já citado artigo 35º do CPI, que apenas reserva à competência do tribunal judicial a declaração, a título principal e com eficácia erga omnes, de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial.
vi. Como bem se refere no acórdão recorrido, os motivos que depõem no sentido...
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