Acórdão nº 372/16.5JALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I – Relatório.

1.1. A arguida A...

, já com os demais sinais nos autos, foi submetida a julgamento no Tribunal a quo porquanto acusada pelo Ministério Público da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de homicídio, sob a forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 131.º; 22.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e c) e 23.º, todos eles do Código Penal.

Findo o contraditório, por acórdão do respectivo Tribunal, foi decidido condenar a dita arguida enquanto agente do assacado ilícito, na pena de quatro anos de prião efectiva. 1.2. Inconformada[1]com o segmento da decisão que entendeu não ser caso de aplicação de uma pena de substituição, a arguida interpôs o presente recurso para este Tribunal da Relação, de cuja motivação constam as seguintes conclusões:

  1. A determinação da medida da pena mostra-se fixada fora dos limites definidos na lei.

  2. Com efeito, o Tribunal a quo e no que concerne, violou a regra base Penal “O Critério de Escolha da Pena” consagrada no art.º 70.º do Código Penal.

  3. Definida a moldura penal abstracta haverá que encontrar o quantum concreto da pena a aplicar à arguida, aqui na segunda e última operação supra referida, pois que o tipo de ilícito apenas prevê a pena de prisão.

  4. Na determinação desse quantum concreto haverá que fazer apelo às necessidades de prevenção e à culpa da arguida, na sequência do comando contido no art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal.

  5. É afirmação habitual da doutrina, com seguimento jurisprudencial – v.g. dos mais recentes, os Acs. do STJ, de 24-01-2007 (06P4345), de 25-10-2006 (06P2938) e de 21-03-2007 (07P790) -, que a prevenção geral positiva ou de integração, com o intuito de tutela dos bens jurídicos é a finalidade primeira da aplicação de uma pena, não fazendo esquecer a prevenção especial ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade - art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal.

  6. Funcionando em “ambivalência” com as necessidades de prevenção, a culpa, a vertente pessoal do crime, o cunho da personalidade do agente tal como vertida no facto, funciona como um limite às exigências de prevenção geral.

  7. Assim, o limite máximo da pena fixar-se-á em função da dignidade humana do condenado, pela medida da culpa revelada que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham, enquanto o seu limite mínimo é delimitado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente aquela protecção dos bens jurídicos.

  8. Apuremos então quais os elementos de facto determinantes para a determinação da pena concreta, nos termos do art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  9. Desde logo se deve levar em conta a elevada ilicitude dos factos e a necessidade de tutela efetiva dos bens jurídicos protegidos que, aqui, se limitam aos patrimónios (!!!).

  10. Haverá que relembrar que a recorrente não agiu com dolo directo e que a sua culpa não é intensa.

  11. O mesmo não ocorre com a necessidade de prevenção de futuros crimes, já que as circunstâncias da prática dos mesmos exigem maior rigor e severidade, dada a actuação em grupo, É prática que, por imposição de defesa da sociedade, se impõe reprovar seriamente.

  12. São, pois, circunstâncias atinentes ao facto, sua forma de execução e à personalidade do agente, que determinarão que a pena proposta cumpra a “função contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”, na terminologia de Jakobs.

  13. Entende-se, pois, que se enquadra na culpa da recorrente a pena de quatro anos de prisão, mas porém suspensa por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, porque os factos o justificam face ao critério legal permissivo da suspensão designadamente a “prognose social favorável” pelas razões já apontadas.

    Terminou pedindo que no provimento do recurso, mantendo-se a sua condenação pela cominada pena de quatro anos de prisão, seja contudo a mesma suspensa na sua execução pelo correspondente período e mediante acompanhamento por regime de prova, isto de acordo com o art.º 53.º do Código Penal.

    1.3. Admitido o recurso, em resposta o Ministério Público sufragou do seu improvimento alicerçado nesta síntese de ideias: 1) A suspensão da execução da pena de prisão não é apenas facultativa, tratando-se antes de um poder-dever dependendo dos pressupostos formais e materiais estipulados na lei.

    2) É pressuposto formal da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a circunstância de, em concreto, não ser aplicável ao agente pena de prisão superior a 5 (cinco) anos.

    3) É pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a verificação de um prognóstico favorável pelo Tribunal relativamente ao comportamento da condenada, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para a afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente, as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição, previstas no art.º 40.º do Código Penal.

    4) A comunidade não compreenderia a opção do Tribunal ad quem se decidisse suspender na sua execução a pena de prisão a quem como a arguida,

  14. Pratica os factos provados: -- “Encostando as costas à gaveta onde estavam guardadas as facas e, com as mãos atrás das costas, retirou uma faca de cozinha, com cabo escuro, de lâmina serrilhada, com lâmina de 11 cm de comprimento e 22 centímetros de comprimento total”; mantém os braços cruzados à frente, segurando a faca na mão direita, mantendo-a escondida por baixo dos braços e costas para ele; riu-se e disse “como me estou a rir, mais depressa o faço!” e, de seguida, volta-se de frente para ele, mantendo a faca na sua mão direita, após o que apontou a faca e espetou-a no peito de B... , junto ao mamilo esquerdo, retirou-a e atirou-a para o chão”; b) Na sua postura em audiência, da qual não se extraiu nenhum juízo de auto-censura e sentido crítico acerca dos factos, facto que inevitavelmente contribuiu para se perceber a forma como não atribuiu relevo aos seus actos, elemento indiciário do tipo de personalidade em presença.

    5) A suspensão da execução de uma pena de prisão in casu desacreditaria as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.

    6) “Banalizar a suspensão da execução da pena de prisão nos casos crime de homicídio, ainda que tentado, redundaria num enfraquecimento da confiança da comunidade na validade da norma jurídica que a prática do crime veio pôr em crise, não podendo os Tribunais ignorar que a violência desajustada e desproporcionada, como foi o caso, é sempre motivo de grande alarme social e de justificado receio em relação à segurança dos cidadãos.” 7) A pena imposta à recorrente não poderá ser suspensa na sua execução por se considerar que a simples censura do facto e a ameaça de execução da pena de prisão acautelam de forma suficiente as finalidades de punição, afastando aquela do cometimento futuro de factos semelhantes.

    8) Decidindo pela forma em que o fez, o Tribunal a quo não violou o disposto nos art.ºs 50.º e 53.º, ambos do Código de Penal.

    1.4. Cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.

    Aqui, na vista a que o art.º 416.º do Código de Processo Penal se refere, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela confirmação integral da decisão recorrida.

    1.5. Notificada nos termos do art.º 417.º, n.º 2, do referido Código adjectivo, a defesa nada acrescentou.

    1.6. Não tendo sido requerida a realização de audiência, os autos vêm à conferência para decisão.

    * II – Fundamentação.

    2.1. Os factos que vêem dados como provados pela 1.ª instância, e respectiva motivação, são como seguem: 1- Entre Janeiro de 2016 e o dia 6 de Agosto de 2016, a arguida A... e B... residiram, como se fossem marido e mulher, na Rua (...) , Leiria.

    2- Durante esse período em que viveram juntos, por diversas vezes, ambos se envolveram em discussões e agressões recíprocas, sendo que um dos motivos dessas desavenças resultava do consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte da arguida A... .

    3- No dia 6 de Agosto de 2016, cerca da 1:00 hora, naquela residência, a arguida A... e B... envolveram-se numa discussão pelo facto de aquela ter estado a beber bebidas alcoólicas, comportamento que B... criticava.

    4- Nessas circunstâncias, B... disse à arguida A... que queria que ela saísse daquela casa e começou a juntar alguns objectos pessoais daquela.

    5- A arguida A... , não concordando com a decisão de B... , pois não tinha para onde ir, pegou numa tostadeira e atirou-a ao chão, partindo-a e dizendo: “Estás a ver? Isto já foi!”.

    6- Então, B... disse à arguida A... que pretendia sair de casa, ao que esta se colocou em frente da porta da cozinha, para o impedir de sair.

    7- Perante essa atitude, B... desferiu uma bofetada na cara da arguida A... e afastou-a da sua frente, saindo de casa.

    8- B... regressou a casa pouco depois, estando a arguida A... na varanda com F....

    9- B... foi para o quarto onde continuou a juntar os haveres da arguida A... , dizendo-lhe que não a queria mais naquela casa.

    10- Nesta confusão, a arguida A... ora ia para a cozinha, ora para o quarto, dizendo “Isto não vai ficar por aqui!” 11- A certa altura, a arguida A... parou na cozinha, encostou as costas à gaveta onde estavam guardadas as facas e, com as mãos atrás das costas, retirou uma faca de cozinha, com cabo escuro, de lâmina serrilhada, com lâmina de 11 cm de comprimento e 22 centímetros de comprimento total.

    12- Quando B... chegou à cozinha a arguida A... tinha os braços cruzados à frente, segurando a faca na mão direita.

    13- Perante isso, B... foi até à varanda e regressou à cozinha, ficando de pé, junto à arguida A... , quase encostado a esta, estando a mesma de costas para ele, virada para a sua irmã E... , que lhe...

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