Acórdão nº 06P2938 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução25 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça O arguido AA veio interpor recurso da decisão do como autor material de um crime de maus tratos p. p. pelo art. 152 nº 2 do CP o condenou na pena de 2 anos de prisão efectiva.

O objecto de recurso situa-se na discordância em relação á não suspensão da execução da pena aplicada. Tal discordância sintetiza-se nas seguintes razões expressas nas conclusões da sua motivação de recurso: 1 - A pena de dois anos de prisão efectiva aplicada ao recorrente não é justa nem equitativa por violar o artigo 40° nº1 do Cód. Penal.

2 - A não suspensão da pena de prisão efectiva, viola o disposto do artigo 50 nº 1 do Cód. Penal.

3- Os factos ocorreram em período conturbado da vida do recorrente, situado entre 1998 e 2002, numa situação de pré-divórcio 4 - Mesmo as condenações que constam do registo criminal do recorrente se reportam a factos praticados dentro do mesmo período.

5 - O arguido é um modesto industrial de limpeza 6 - O arguido não pagou, até à data do Acórdão, nenhuma prestação à sua ex-mulher por dificuldades financeiras, mas depois do Acórdão já lhe entregou por conta da indemnização a quantia de 700,00 €.

7 - Depois da prática do crime, o arguido tem levado uma vida independente dedicada ao trabalho e não voltou a ter contactos com a sua ex-mulher, a não ser em reuniões de família, nomeadamente nas festas de Natal e Ano Novo.

8 - Desde a prática do crime até hoje decorreram mais de quatro anos, estando o arguido plenamente integrado na sociedade e no trabalho.

9-O recorrente reúne as condições objectivas para que lhe seja aplicada a suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao cumprimento dos deveres destinados a reparar o mal feito Respondeu o Ministério Público formulando o seguinte entendimento 1 ° Não pode deixar de salientar-se que no caso dos maus-tratos a cônjuge e no que tange ao crime de maus-tratos p. e p. pelo art. 152°, nº2 do CP está em causa a salvaguarda de um aspecto ético fundamental da vida a dois, que consiste no reconhecimento da exigência de respeito mútuo, desde logo, em sede de relacionamento directo, tanto a nível físico como psíquico e moral.

  1. Também não pode deixar de ponderar-se a triste realidade nacional e local (destacando-se, aliás, o concelho de Ourém, em sede de percentagem de casos de violência doméstica a nível distrital) de detecção cada vez mais frequente de casos de maus-tratos deste género, seja em gerações antigas ou novas, sendo muito fortes as exigências de prevenção geral, levando, na maior parte dos casos a verdadeiras destruições de personalidades e caracteres das vítimas.

  2. Ponderando o bem jurídico violado, a personalidade e a culpa do arguido vertida nos factos, bem como, as fortes exigências que se fazem sentir, tanto a nível de prevenção especial como geral tem de concluir-se que o caso em análise exige a aplicação de uma pena evidenciadora de elevada censura ao agente, ora recorrente.

  3. A pena aplicada ao arguido reflecte bem a ponderação dos diversos vectores referidos no art. 40°, nº 1 do CP pelo que este normativo não foi violado.

  4. Em sede de determinação concreta da pena aplicada ao arguido veja-se o grau de ilicitude dos factos e o seu modo de execução (socos, pontapés, colocar-se com os pés em cima da esposa e calcá-la na zona do ventre, peito e ombros, pretender enfiar as mãos pela boca da mesma, estar com os joelhos em cima do peito dela e mordê-Ia o que, na nossa perspectiva e salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário já ultrapassa, o ponto médio na escala de valoração respectiva.

  5. O arguido actuou com dolo directo.

  6. Manifestou absoluta indiferença às exigências de respeito e de estima que são inerentes ao relacionamento de um casal, bem como, ao sofrimento físico e psíquico infligido à, então, sua esposa, agindo com alguma crueldade e barbaridade.

  7. O arguido não demonstrou até à prolação do douto Acórdão recorrido qualquer espécie de arrependimento, só em sede de recurso e depois de conhecer o veredicto do Tribunal o vem alegar.

  8. Os factos apurados atestam sim, é que o arguido agiu num circunstancialismo de desarmonia conjugal no qual não soube destrinçar o que em termos de relacionamento se lhe impunha observar mesmo nessa situação e em face dessa imposição adoptar os comportamentos humana, moral e legalmente admissíveis e de recurso.

    11 ° A culpa com que o arguido agiu é, sem dúvida, muito intensa.

  9. Embora alegue dificuldades económicas, também só após a prolação do douto Acórdão recorrido o arguido fez um princípio de pagamento de 300 €, sendo que se havia comprometido a entregar no dia 24/06/05 o montante de 400 €, ficando ainda de entregar 17 prestações no valor unitário de 370 €, cada ma no mesmo dia dos meses seguintes.

  10. As circunstâncias salientadas pelo recorrente (que as outras condenações anteriores ocorreram no mesmo período dos factos, sendo que tais condenações tiveram lugar no período de conturbação da sua vida conjugal, ou seja, entre 1998 e 2002, que é uma pessoa social e profissionalmente integrada, que dá emprego a 4 ou 5 pessoas, que após a prática dos factos não mais voltou a ter contactos com a sua ex-mulher) não podem ser valorizadas como por si pretendido, decaindo, de modo substancial no contrapeso com as circunstâncias agravantes contra si apuradas.

  11. Os factos de terem decorrido mais de três anos sobre os factos e de o arguido ter deixado de ter contactos com a sua ex-mulher valem o que valem, pois o arguido não demonstrou qualquer auto-censura nem interiorização do desvalor o seu comportamento e nada garante que em face da personalidade demonstrada o arguido venha de futuro a comportar-se de modo relevante e aceitável para o ordenamento jurídico-penal.

  12. Afigura pois que os critérios fixados no art. 71 do CP para determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido foram inteiramente observados e respeitados, não se vislumbrando qualquer violação dos mesmos.

  13. A pena de dois anos de prisão aplicada ao arguido reflecte bem a sua culpa nos factos e assegura, com equilíbrio, as exigências da prevenção geral que são muito acentuadas e de prevenção especial, no sentido de se demover o arguido de violar direitos básicos inerentes à vida em sociedade e também para o incentivar, a adoptar comportamentos futuros tolerantes, solidários e respeitadores aos outros e, desde logo, aos que lhe são mais próximos do ponto de vista relacional.

  14. Nem a personalidade do arguido, nem as circunstâncias dos factos e bem assim, o seu comportamento posterior dão quaisquer garantias de que a simples censura daqueles e a ameaça da prisão assegurem, de modo adequado e suficiente os objectivos da punição.

  15. Constata-se a ausência de qualquer manifestação credível e sentida de arrependimento e, bem assim, a despreocupação do arguido em relação à reparação da vítima, à qual apenas começou a pagar a indemnização com ela acordada após ter conhecimento do teor do douto Acórdão recorrido e ante a iminência de ter de cumprir a pena efectiva de dois anos de prisão, sendo que, para além do referido na motivação de recurso nada mais foi alegado, a seu devido tempo, para justificar tal atraso de pagamento.

  16. O Tribunal Colectivo fundamentou, a "título específico" e invocando circunstâncias decisivas (a não assumpção dos factos, o não arrependimento, absoluta indiferença quanto à reparação acordada a favor da vítima até que soube que lhe foi aplicada prisão efectiva, a gravidade dos factos em análise e razões de prevenção geral e especial) a concreta não opção pela suspensão da execução da pena de prisão de 2 anos aplicada ao arguido.

  17. Não existindo condições para a sua aplicação não foi violado o disposto no art. art. 50°, n01 do CP ao não ser decretada a suspensão da execução da pena.

    21 ° A pena de dois anos de prisão efectiva em que o arguido foi condenado alcança as finalidades inerentes à necessária punição concreta do arguido, reflecte bem a culpa do mesmo, traduzindo a interpretação equilibrada e justa dos critérios legais subjacentes à concretização dessa pena e assegura as exigências de prevenção geral e especial pelo que deve ser mantida.

    A assistente BB igualmente produziu resposta em que invoca: 1ºNão assiste qualquer razão ao arguido, quando pugna pela suspensão da execução da pena de prisão, pois a escolha da pena terá de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos ínsitos no artigo 40.° n.1 do C. P.

  18. O arguido pautou a sua vida sempre pelo conflito familiar, conflito que, mesmo depois da separação, não terminou, pois, ao contrário do que alega, as condenações que constam no seu registo criminal, uma delas, a que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT