Acórdão nº 540/13.1GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: 1.

Na Comarca de Leiria - Secção Criminal da Instância Local de Pombal - J1 -, após julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, por sentença datada de 11-06-2015, depositada no mesmo dia, o arguido A...

, casado, reformado, pedreiro, filho de (...) e de (...) , nascido em 09.09.1937, na freguesia de (...) , em Pombal, portador do bilhete de identidade n. (...) , residente na Rua (...) , Pombal, foi condenado nos seguintes termos (parte relevante): - Como autor material, sob a forma consumada, em concurso real, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.ºs l, alínea b), e 3, do Código Penal (doravante apenas designado de CP), na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos); - Como autor material, sob a forma consumada, e em concurso real, de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.ºs l e 2 do CP, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos); - Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás indicadas, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos); e - Na pena acessória de proibição de condução pelo período de 6 (seis) meses.

* 2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - O presente recurso tem como objecto toda a matéria do acórdão condenatório proferido nestes autos.

  1. - O arguido foi acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo art. 291.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código Penal, e por um crime de omissão de auxílio previsto e punível pelo art. 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  2. - Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado pela prática dos referidos crimes, na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de 6,50€, ou seja, na quantia global de 1950,00€.

  3. - Consideram-se incorrectamente julgados os factos dados como provados sob os pontos 4, 6, 10, 11 e 12, ou seja: “4 - Ao chegar ao cruzamento que dá acesso à referida rua, o arguido sem efectuar qualquer paragem, entrou inopinadamente na estrada não se certificando que circulavam veículos na via, aos quais devia prioridade de passagem, indo embater com a parte frontal do seu tractor no motociclo que ali circulava conduzido por B... .”; “6 - Apesar de estar ciente de que tinha causado o descrito embate, com consequente queda de B..., com perfeito conhecimento que desta poderiam ter resultado lesões físicas e a perda de consciência da ofendida e que esta necessitava de ajuda imediata, o arguido ao invés de imobilizar o seu veículo com vista a prestar-lhe os necessários socorros, transportando-o ao hospital mais próximo ou assegurando-se de que outrem os prestaria de imediato, prosseguiu a sua marcha, desinteressando-se das consequências da sua conduta, ausentando-se do local.”; “10 - Com as condutas descritas, o arguido colocou em perigo a integridade física e a vida de B... , o que ocorreu como consequência directa e adequada da sua condução imprevidente, descuidada e desrespeitadora das regras de circulação.”; “11 - O arguido agiu de forma livre, não observando as precauções exigidas pelas regras de circulação rodoviária, designadamente da prioridade e pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz de adoptar e que devia ter adoptado para impedir a verificação de um resultado que de igual forma podia e devia prever, mas que não previu, colocando em perigo a vida e integridade física de B... , bem como causando danos no motociclo daquela.”; “12 - Ao abandonar o local do acidente por si originado, bem sabendo que a ofendida precisava de ajuda para afastar o perigo para a sua vida e integridade física, o arguido omitiu conscientemente e de forma livre o auxílio e socorros devidos àquela, bem sabendo que estava obrigado a prestá-los, o que representou”.

  4. - Consideram-se incorrectamente julgados os factos dados como não provados, sob as alíneas b), c) e d), ou seja: “b) Nas circunstâncias descritas em 1) a 17) dos Factos Provados o arguido não tinha qualquer meio de solicitar socorro.”; “c) O arguido aguardou alguns minutos a fim de verificar se alguém transitava nas referidas vias e como não comparecia ninguém e para tentar solicitar socorro, dirigiu-se a casa de familiar que ficava situada nas proximidades e onde existia telefone fixo.”; “d) Ao chegar a tal habitação, ninguém estava, pelo que decidiu regressar ao local do acidente, sendo que ao chegar às proximidades do local, verificou que já estavam pessoas junto da assistente, e transtornado e enervado decidiu dirigir-se a casa.” 6.ª - O depoimento da testemunha C..., militar da GNR, impõe uma decisão diversa e oposta da recorrida.

  5. - As declarações prestadas pelo arguido A... impõem uma decisão diversa e oposta da recorrida.

  6. - O documento junto aos autos a fls. 356, emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia de Vila Cã, em resposta ao ofício do Tribunal, impõe uma decisão diversa e oposta da recorrida.

  7. - Por isso, a prova testemunhal e documental não foi apreciada segundo as regras da experiência.

  8. - Verificando-se, assim, erro notório na apreciação da prova produzida em sede de julgamento.

  9. - Na sua fundamentação da matéria de facto, o Tribunal omitiu a razão por que não deu credibilidade ao depoimento da testemunha C... , testemunha imparcial e sem interesse próprio na causa, tendo, contudo, dado credibilidade ao depoimento da assistente e ao depoimento da testemunha E... .

  10. - Na sua fundamentação da matéria de facto, o Tribunal omitiu a razão por que não deu credibilidade ao documento de fls. 356, declaração emitida pela Junta de Freguesia que atesta da inexistência de deliberação quanto à colocação de sinais de trânsito no entroncamento da Rua das Covas com a Rua da Cumieira, tendo, contudo, dado credibilidade ao documento que foi impugnado.

  11. - Na sua fundamentação da matéria de facto, o Tribunal omitiu a razão por que dá credibilidade às declarações do arguido quanto a certos factos e não lhe atribui igual validade quanto a outros.

  12. - Impunha-se que o Tribunal a quo tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógico-dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou e porquê, que conduziu a sua convicção no sentido de ter o arguido praticado os crimes de que vinha acusado.

  13. - Ao limitar-se a fazer uma súmula dos depoimentos prestados em audiência, referindo-se apenas a alguns documentos juntos aos autos, sem que tenha feito referência à credibilidade que cada um mereceu e às razões do respectivo merecimento, havendo total ausência de exame crítico das provas, o Tribunal violou o dever de fundamentação imposto pelos arts. 97/5 e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como o art. 205.º da Constituição da República, o que conduz à nulidade da sentença.

  14. - O P. da livre apreciação das provas, nos termos do art. 127.º do CPP, comporta excepções.

  15. - Não há lugar à livre apreciação da prova quando em causa estejam documentos autênticos ou autenticados.

  16. - O documento de fls. 338, que consta de declaração emitida pela Sr.ª Secretária da Junta de Freguesia de Vila Cã, na medida em que foi impugnado sem que a sua veracidade tenha sido provada, pelo contrário, foi contrariada pela declaração de fls. 356, emitida pela mesma Junta de Freguesia, não podia ter sido valorado pelo Tribunal, conforme disposto nos arts. 169.º e 170.º do Cód. Processo Penal e nos arts. 446.º e ss. do Cód. Proc. Civil, aplicáveis subsidiariamente, nos termos do art. 4.º do Cód. Proc. Penal.

  17. - O documento junto a fls. 356, composto por declaração emitida pela Junta de Freguesia de Vila Cã, subscrito pela respectiva Sr.ª Presidente, informando que não existe qualquer deliberação para colocação do referido sinal de STOP, é documento autêntico.

  18. - Este documento não foi impugnado, pelo que foi provada a inexistência de qualquer deliberação para colocação de sinais de trânsito no entroncamento da Rua das Covas com a Rua da Cumieira.

  19. - Face a tal prova, ainda que naquele entroncamento existisse qualquer sinal de trânsito, o mesmo sempre seria inválido e ineficaz, por falta de deliberação, pelo que não produziria qualquer efeito legal.

  20. - A validade da colocação do sinal de trânsito depende da prévia observância de formalismo legal, a que obriga o disposto no art. 6.º do Cód. da Estrada e no 3.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro (Regulamento de Sinalização de Trânsito).

  21. - As regras estradais que regem o entroncamento da Rua das Covas com a Rua da Cumieira são as regras gerais de circulação face a cruzamentos, entroncamentos e rotundas.

  22. - Conforme dispõe o art. 30.º, n.º 1, do Código da Estrada, “Nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”, ou seja, tem prioridade o veículo que se apresenta pela direita.

  23. - Era precisamente o veículo conduzido pelo arguido que se apresentava à direita pelo que, sempre seria a assistente quem devia cedência de passagem, pelo que, quem na verdade deu causa ao acidente de viação foi a assistente.

  24. - A correcta aplicação das regras de direito impõe decisão oposta à que foi tomada pelo Tribunal a quo.

  25. - O Tribunal, ao decidir da forma como decidiu, fez errada interpretação e aplicação do direito e violou o p. da legalidade, proferindo decisão manifestamente injusta e contrária ao direito, uma vez que o arguido não praticou qualquer um dos crimes que lhe são imputados.

Normas violadas: O Tribunal a quo fez incorrecta aplicação e interpretação, entre outros, dos artigos 291.º, 1.º b) e 3, do 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, dos artigos 97.º, n.º 5, 127.º, 169.º, 170.º, 374.º, n.º 2, 379.º, alínea e), e 410.º, do...

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