Acórdão nº 36/13.1PCPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2014

Data05 Novembro 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 36/13.1 PCPRT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 36/13.1 PCPRT, corria termos pela (entretanto extinta) 4.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, foi submetido a julgamento, por tribunal colectivo, a arguida B…, melhor identificada nos autos, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de consubstanciarem um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível pelos artigos 21.º e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 534 e segs.), datado de 11.07.2014 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, os juízes que compõem este Tribunal julgam parcialmente procedente a douta acusação pública formulada e, em consequência condenam, ao abrigo do art.º 83.º n.º 2, a arguida B… numa pena relativamente indeterminada entre um limite mínimo de 2 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 9 anos e 6 meses de prisão, com referência a uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º e 25.º, da Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A e I-B”.

Inconformada, almejando a redução para dois anos da pena de prisão e suspensão da respectiva execução, veio a arguida interpor recurso da decisão condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): I.

“A arguida B…, não se conforma com o douto acórdão de fls. … dos autos pelo qual foi condenada ao abrigo do disposto no artigo 83.º, n.º 2 numa pena relativamente indeterminada entre o limite mínimo de 2 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 9 anos e 6 meses de prisão, com referência a uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º e 25.º, da Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A e I-B.

II.

Sem prescindir, salvo o devido respeito e melhor opinião, que é muito e merecido, o Tribunal a quo não deu, no douto Acórdão posto em crise, cabal cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram e determinaram a concreta pena aplicada; III.

Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer devidamente todo o processo lógico mental de formação da convicção que lhe permitiu determinar e aplicar aquela concreta pena aplicada, o Acórdão aqui posto em crise não habilita nem possibilita ao tribunal superior - no caso este Tribunal da Relação do Porto - nem tão pouco ao recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal da razão de ciência da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório; IV.

Pelo exposto o douto Acórdão é nulo, nos termos e para os efeitos, das disposições conjugadas dos artigos 379°, n.º 1, alínea a) e 374°, n.º 2, todos do Código Processo Penal, o que aqui se suscita e invoca para os devidos e legais efeitos; V.

Sem prescindir, a arguida confessou os factos que vieram a ser dados como provados, manifestou e demonstrou arrependimento. Factos esses que deveriam ter sido dados como provados e não o foram, sendo certo que o próprio Tribunal a quo reconhece essa confissão e a essencialidade da mesma para a formação da sua convicção - cfr. douta motivação - e para dar como provada a factualidade assente quanto ao crime em julgamento. Acresce que, no que se refere ao arrependimento o Tribunal a quo, apesar de declarado e alegado pela arguida/recorrente de forma credível e sincero sem prescindir os antecedentes daquela, não deu o mesmo como provado, nem sequer como não provado; VI.

O que se configura ser uma omissão de pronúncia, porque a confissão e o arrependimento foram alegados, são juridicamente relevantes, e resultaram da prova produzida, nomeadamente das declarações da arguida, e no que se refere à confissão, do próprio texto do douto acórdão; VII.

Tendo a discussão da causa por objecto os factos alegados e constantes da acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, teria o Tribunal a quo que, no seu douto Acórdão, pronunciar-se sobre a confissão e sobre o arrependimento da arguida, dando como provado ou como não provada essa factualidade, porque relevante para a decisão da causa, designadamente para a determinação da medida da pena e correcta determinação do enquadramento jurídico da conduta do arguida, pelo que, o Tribunal a quo ao não dar cumprimento ao disposto no artigo 374°, n.º 2 omitindo pronúncia, do que resulta a nulidade do douto Acórdão nos termos do disposto no artigo 379°, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código Processo Penal, nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos - cfr. nesse sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de Novembro de 2011, prolatado no processo n.º 24/09.2PEGMR.G1; VIII.

Este vício afecta o acto decisório em si mesmo, bem como os actos que dele dependem e que podem ser afectados pela nulidade - artigo 122° n.º 1 do Código Processo Penal, o que tudo se suscita para devido e legal efeito; IX.

Pelo exposto, foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada, devendo, de acordo com a prova produzida, nomeadamente as declarações da arguida, ter sido dado como provado a confissão e o arrependimento desta, não só que o arguida confessou os factos apurados, mas também porque esta verbalizou e demonstrou arrependimento colaborando com a realização da justiça - cfr. nesse sentido declarações da arguida e depoimento testemunha C… que supra parcialmente se transcreveram e que aqui damos por reproduzidas para todos os efeitos legais; X.

A escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.° 70° do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade; XI.

É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, se em seu entender “fazer-se justiça”, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor; XII.

Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efectiva. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efectiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente “sensibilidade à privação da liberdade” possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional; XIII.

Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas — previstos no art.º 40°, n.º 1 do Código Penal: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (sublinhado nosso); XIV.

Estes fins — comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização - cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime”, Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dc 12.03.97 no processo n° 1057/96); XV.

Conforme já supra referimos e alegamos, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo não deu, também aqui, cabal cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a escolha e determinação da medida da pena. Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão no que a medida da pena respeita, limitando-se a referir e a considerar as circunstâncias legais que impunham a a arguida/recorrente, uma pena relativamente indeterminada, não tendo em momento algum referido ou valorado qualquer circunstância que depusesse a favor da arguida B…, nem sequer considerado as concretas necessidades de prevenção especial, nem fundamentado suficientemente a concreta opção pela concreta dosimetria da pena, esclarecendo a opção por aquela exacta medida da pena, o...

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