Acórdão nº 436/98.5TBVRL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES SILVA
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 436/98.5TBVRL.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No âmbito destes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, após reabertura da audiência, nos termos do artigo 371.º-A do Código Processo Penal[1], foi proferida, em 04-04-2014, sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência, DECIDO: 1º Condenar o arguido B… pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p e p. pelos artigos 24.º, nºs 1 e 2 do RJIFNA aprovado pelo D.L. 20-A/90 de 15 de Janeiro, na redacção do D.L. 394/93 de 24/11 e 30.º n.º 2 do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de três anos, sob a condição de pagar a quantia de IVA em dívida no total de 12. 493.285$00 (doze milhões, quatrocentos e noventa e três mil, duzentos e oitenta e cinco escudos), no prazo de dois anos subsequentes ao trânsito da presente sentença, demonstrando-o nos autos.

  1. Condenar a arguida “C…, Lda.” (…) 3º Condenar cada um dos arguidos no pagamento de duas UCs de taxa de justiça, 1% desta taxa, ambos solidariamente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em metade da taxa ora aplicada.

  2. Ordenar a remessa de boletim ao registo criminal.

  3. Declarar, nos termos do art.º 287.º e) do Código de Processo Civil, a extinção, por inutilidade superveniente da lide, do pedido civil deduzido pelo Ministério Público».

*Inconformado com o decidido, o arguido B… interpôs recurso da sentença, rematando a motivação com as seguintes CONCLUSÕES: A. Deve o recorrente ver descriminalizadas as condutas referentes ao 3.º trimestre de 1995, 1.º, 2.º e 3.º trimestre de 1996 e por último 3.º trimestre de 1997; B. Aplicando-se o actual regime jurídico das infracções tributárias (RGIT) por ser o mais favorável; C. Pois, face à nova redacção do artigo 105.º n.º 4 do RGIT, regime imediatamente aplicado retroactivamente ao Recorrente, por ser mais favorável, D. De todo o modo, a pena a aplicar ao Arguido/Recorrente deve ser a pena de multa, face à nova redacção do artigo 43.º n.º 3 do Código Penal, o que decorre da aplicação da lei mais favorável, plasmado no artigo 29.º, n.º 4 da C. Republica Portuguesa.

  1. Reflexos da descriminalização de parte de condutas na obrigação de que lhe possa ser imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão, com redução, em conformidade da quantia de IVA a pagar.

  2. A decisão em crise fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º n.º 4, artigo 43, n.º 1 e n.º 3, 71.º do Código Penal, 105.º, n.º 1 e n.º 4 do RGIT, 29.º da C. Republica, para além de violar o estatuído na Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro.

Terminou pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que descriminalize as condutas enunciadas e lhe aplique pena de multa, ou caso assim se não entenda, a eventual pena de prisão deve ser suspensa sem condição.

*Na 1.ª instância o Ministério apresentou resposta ao recurso, na qual defendeu a procedência parcial do recurso, alegando «Tem razão na parte em que pretende que se impunha que a Mma. Juiz tivesse declarado expressamente descriminalizadas as condutas relativas ao 3º trimestre de 1995, ao 1º, 2º e 3º trimestres de 1996 e ao terceiro trimestre de 1997, o que não se vê que tenha sido feito em lugar algum.

A nosso ver, a circunstância de estar em causa uma continuação criminosa e os particulares reflexos que essa figura possui no processo de determinação da medida da pena (artigo 79º nº1 do Código Penal) não dispensam o Tribunal de apreciar e declarar expressamente tal descriminalização.

Em primeiro lugar porque, como bem refere o arguido, a fixação do exacto quantum da pena a aplicar por força dos factos (que são os mais graves) relativos ao 4º trimestre de 1997 não pode deixar de se ressentir da descriminalização dos comportamentos relativos aos supra mencionados períodos: as necessidades de prevenção e, em parte, o próprio grau de culpa associados ao crime relativo ao 4º período de 1997 não podem deixar de ser apreciados diferentemente consoante atrás desse facto ou à sua frente o arguido tenha também cometido outros ilícitos da mesma natureza pelos quais se ache também acusado e pelos quais cumpra proceder criminalmente.

E em segundo lugar porque, como também refere o arguido nas suas alegações, não se compreende que na determinação do montante da condição de suspensão de execução da pena de prisão o Tribunal continue a proceder como se nenhuma conduta tivesse sido descriminalizada, fixando-o no mesmo quantitativo (12.493.285$00) que já havia sido fixado aquando da 1ª sentença produzida sobre o caso: embora a descriminalização não faça (obviamente) desaparecer a dívida tributária, julgamos que não se mostra adequado condicionar a execução de uma pena criminal ao cumprimento de uma obrigação que, perante a devida declaração de descriminalização, acabaria por se revelar como sendo algo exterior e alheio – embora não absolutamente estranho – à matéria criminosa que fundamenta a própria pena.

Já quanto à pretensão de que a sua condenação devesse ser apenas e só em pena de multa, estamos em crer que o ora recorrente não tem razão nas suas alegações.

Em primeiro lugar porque, embora, como se disse, a Mma. Juiz devesse ter declarado expressamente a descriminalização das condutas acima referidas, isso não apaga tais condutas do mundo do direito nem significa que o Tribunal passe a estar impedido de as apreciar não já como fundamento da incriminação mas ao menos como circunstância que depõe contra o ora recorrente e que é relevante para a determinação da medida da pena – artigo 71º nº2 do Código Penal.

E em segundo lugar porque os antecedentes criminais do ora recorrente – onde se contam duas outras condenações por abuso de confiança fiscal, além de uma condenação por emissão de cheque sem provisão (fls.268) – não consentem outra conclusão senão a de que tal pena se revela necessária a acautelar a exigências de prevenção especial que vêm sendo postas pelas suas reiteradas condutas na mesma matéria».

*Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, no qual subscreveu a posição assumida na resposta.

*Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

*Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*II. FUNDAMENTAÇÃO: A.

Na decisão recorrida foram fixados os seguintes FACTOS PROVADOS:

  1. O primeiro arguido é sócio gerente da segunda arguida, pessoa colectiva, C…, que se dedica à actividade de construção civil.

  2. A sociedade arguida iniciou a sua actividade em 10 de Novembro de 1995.

  3. A sociedade arguida é sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal trimestral, registado em sede de IRC na Repartição de Finanças de Vila Real.

  4. No entanto, desde o início da sua actividade, o arguido não enviou em nome da arguida qualquer declaração periódica de IVA, conforme estava legalmente obrigado, apesar de ter liquidado tal imposto aos seus clientes nos montantes que assim se discriminam: e) O IVA liquidado no montante de 12.493.285$00, não foi entregue pelos arguidos nos cofres do Estado, não tendo sido sequer remetidas as declarações periódicas exigidas por lei.

  5. O IVA liquidado foi pago pelos clientes, conforme facturas juntas a folhas 8 a 111 e discriminadas a fls. 132 e 133.

  6. Os arguidos, ao receberem tais montantes relativos ao IVA, sabiam que estavam obrigados a declará-los e a entregá-los ao Estado, a quem pertenciam, actuando para além da sua função de depositários de tal imposto e fazendo-o seu contra a vontade do Estado.

  7. O arguido agiu, em representação da sociedade arguida, de forma livre e conscientemente, com intenção de obter para si uma vantagem patrimonial que sabia que não lhes era devida, não ignorando que as suas condutas eram punidas por lei.

  8. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 249699100248.1, estão a ser executadas as quantias de IVA em dívida pelos arguidos, atinentes aos períodos 97/03T, 97/06T, 97/09 e 97/12T.

  9. Relativamente às quantias de IVA respeitantes aos restantes períodos em dívida, encontram-se ainda em fase administrativa, por devolução das notificações das liquidações enviadas para a sede da segunda arguida por carta registada com aviso de recepção, sendo que, após se lograr a notificação pessoal desta sociedade, a Repartição de Finanças de Vila Real passará à fase executiva de tais montantes, instaurando os competentes processos de execução fiscal.

  10. Presentemente, o arguido continua a exercer a sua actividade na área da construção civil na “D…”, firma esta que pertence ao...

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