Acórdão nº 5/14.4PCPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Abril de 2016

Data da Resolução20 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5/14.4PCPRT.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO: Nos autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal Coletivo supra identificados da Comarca do Porto, – Instância Central – 1ª Secção Criminal – UP 3 – J9, realizou-se o julgamento, entre outros, do arguido B… e na sequência do mesmo, foi proferido acórdão no qual se decidiu: «1) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artºs. 21.º, n.º 1 e 24.º, h) do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, necessariamente efectiva; (...)»*Inconformado, este arguido interpôs recurso desta decisão, sintetizando a sua motivação com as seguintes CONCLUSÕES: I. Imputa o Tribunal a quo concretamente ao arguido ora recorrente o seguinte (fls. 3 e 4 do Acórdão): "Assim, no dia 30 de Janeiro de 2014, o arguido B… acordou com o arguido C… o plano de conjuntamente procederem à venda de heroína. Cocaína e Haxixe, na referida …, em frente ao Jardim de Infância do …" "...Assim, neste dia, entre as 12h04 e as 12h30, o arguido B…r vendeu a oito indivíduos cuja identidade se desconhece quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado." "...

II.

Continuando a mesma descrição genérica (vendeu a indivíduos cuja identidade se desconhece quantidade não apurada de estupefaciente por preço não apurado) ao longo dos pontos 12,13, 14, 30 a 36, 39 a 50, 51 a 53, 54 a 61,62 a 79 do Acórdão ora em crise III.

Ressalta imediatamente em todas as situações um denominador comum: não consta, em concreto em nenhuma das situações, o tipo de estupefaciente transacionado, as quantidades e o preço do mesmo bem como não se identifica o outro interveniente nesta alegada transação pois que não foi possível apurar a identidade de tais indivíduos.

IV.

Ora, uma descrição tão genérica como a que consta dos pontos acima enumerados não satisfaz, obviamente, as exigências do artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, em violação clara dos direitos de defesa do arguido.

V.

O arguido não pode defender-se de tais alegadas vendas pois não conhecendo a identidade dos visados viu-se impedido de provar, designadamente, que nunca contactou as pessoas em causa durante esse período de tempo com a finalidade em questão.

VI.

Ora, relativamente a todas estas situações de imprecisão acima referidas e, ao abrigo do princípio in dubio pro reo, torna-se imperioso, sendo mesmo a base de todo o nosso Direito Penal que essa imprecisão nunca prejudique o arguido, quer na qualificação jurídica dos factos, quer na determinação da medida da pena (podem ver-se, neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 3/9/08, proc n° 08P2044, relatado por Santos Cabral; e de 2/10/08, proc. n° 08P1314, relatado por Rodrigues da Costa, ambos in www.dasi.pt).

VII. Razão pela qual não deveria o arguido ter sido condenado pela prática destes factos concretos por violação do disposto no artigo 32.° da Constituição da Republica Portuguesa e Principio in dúbio pro reo.

VIII.

Encontrando-se, por conseguinte, errada e incorretamente dados como provados os factos acima descritos e imputados ao arguido sob os pontos 4, 5, 6, 7, 12,13, 14, 30 a 36, 39 a 50, 51 a 53, 54 a 61, 62 a 79 do Acórdão ora em crise.

IX. Entende ainda o arguido que, face à prova produzida não deveria ter sido condenado pela prática, em autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, na sua forma agravada.

X.

Tal agravação não é, nem pode ser, automática pois que deve sempre atentar-se no caso concreto.

XI.

E, neste sentido vão variadíssimas decisões dos Tribunais Superiores designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 02.05.2007, processo n.° 07P1013, disponível em www.dasi.pt.

XII.

Vejam-se também as seguintes decisões: acs. do STJ de 14.7.2004, Proc. n° 2147/04, 3a Secção; 24.11.2004, Proc. n° 3239/04, 3a Secção; 30.3.2005, Proc. n° 3963/04, 3a Secção; 8.2.2006, Proc. n° 3790/05, 3a Secção; 14.3.2006, Proc. n° 4413/05, 5a Secção; 28.6.2006, Proc. n° 1796/06, 3a Secção; 29.11.2006, Proc. n° 2426/06, 3a Secção, que negam decisões o carácter "automático” do funcionamento da agravante da al. h) do art. 24° e admitindo aquela possibilidade, tendo em conta a teleologia da circunstância qualificativa em causa.

XIII.

O DL nº 15/93 construiu, a par de um crime "comum" de tráfico de estupefacientes, o do artigo 21°, um crime "agravado”, o do artigo 24°, e dois crimes "atenuados", os dos artigos 25° e 26°, adoptando uma técnica legislativa aliás muito frequente no Código Penal.

XIV.

Em qualquer dos crimes, é a ilicitude, e não a culpa, que determina a modificação da moldura penal.

XV.

Se analisarmos em concreto a al. h) do art. 24°, constataremos que esse acréscimo de ilicitude está aparentemente relacionado com o lugar da prática do tráfico de estupefacientes.

XVI.

Uma leitura atenta do preceito revela, porém, que os estabelecimentos de educação aparecem a par de outros lugares, todos eles frequentados por segmentos de população relativamente aos quais o Estado sente um acrescido dever de providenciar para evitar o consumo, a circulação ou disseminação de estupefacientes.

XVII.

Que é claramente em função das pessoas (“vítimas”), e não dos territórios, que é feita a agravação resulta do facto de não se elaborar a agravação com base na qualidade pública (estatal) ou privada do edifício ou lugar, como seria natural se fosse o respeito pela lei ou a autoridade do Estado que se quisesse salvaguardar de forma reforçada.

XVIII. A preocupação do legislador é evitar a circulação de estupefacientes em locais como aqueles, frequentados por pessoas em situação de especial fragilidade, por serem (ex-)dependentes de estupefacientes em tratamento ou em recuperação, por se tratar de pessoas marginalizadas, por serem militares, relativamente aos quais se exige uma especial preparação física e uma disciplina específica.

XIX.

E também os jovens são naturalmente entendidos como uma população merecedora de uma disciplina específica, tendo em conta haver necessidade de evitar a iniciação e a disseminação de drogas entre eles.

XX.

Assim, o intuito do legislador, com a agravante da al. h) do art. 24°, é a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes.

XXI. Sendo essa a razão da agravante modificativa, e não o desrespeito pela autoridade do Estado, natural é que a agravação só deva funcionar quando se provar que, no caso, a conduta traduz um perigo acrescido para a saúde daquelas populações.

XXII.

Donde, não é simplesmente a ocorrência do tráfico de estupefacientes num daqueles lugares, por exemplo o “a cerco de vinte a trinta metros do Escola do …, onde são lecionados aulas até ao ó.° ano de escolaridade”, que determina automaticamente a agravação.

XXIII.

Em momento algum das vigilâncias efectuadas é referida a presença de qualquer jovem a adquirir, a tentar adquirir ou a consumir quaisquer produtos estupefacientes.

XXIV. Mas mais significativo do que isso em nenhum momento do processo o MP se dignou de formar formal e cabal a junto da DREN (Direcção Regional de Educação do Norte) a demonstrar o funcionamento de uma escola e qual o leque de idades das crianças que frequentam essa escola.

XXV.

Assim, não basta o depoimento dos agentes da PSP a referirem de forma genérica a existência de uma escola a 20/30 metros para se dar como provada a agravante sem que seja feita a explicação da localização de tal estabelecimento de ensino.

XXVI.

Necessário é que o tráfico, para além de ocorrer aí, constitua um ilícito agravado relativamente ao “comum”, por pôr em perigo a saúde daqueles que a lei quer especialmente proteger.

XXVII.

É a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação.

XXVIII.

Não se verificando a agravação e reconduzidos os factos ao crime comum do art. 21°, nada obsta a que eles possam ser subsumidos ao art, 25°, desde que, evidentemente, os respetivos pressupostos (menor gravidade) estejam reunidos.

XXIX.

Esta interpretação, recusando uma aplicação “automática” da agravação da al. h) do art. 24° determinada pela ocorrência da infracção num dos lugares nela referidos, evita os "resultados excessivos” a que tal “automatismo” conduz, e que obrigam por vezes quem partilha interpretação contrária a recorrer à atenuação especial da pena para obter uma solução justa do caso (ver o caso típico do ac. do STJ de 6.7.2006, Proc. n° 2034/06, 5a Secção).

XXX.

Ora, no caso concreto do aqui arguido não existe uma situação de ilicitude acrescida pelo que afastada fica claramente a aplicabilidade da al. h) do art. 24°.

XXXI.

Tal situação não configura um perigo real de disseminação da droga pelos jovens alunos do estabelecimento escolar não só por não ser elevada a quantidade em causa como pelo tipo de estupefaciente (heroína e cocaína) bem conhecida pelos jovens como drogas duras XXXII.

Deveria, por conseguinte o arguido ter sido condenado pela prática do crime de tráfico p. e p. no artigo 21,° n.° 1 do Decreto-Lei 15/93 refletindo- se necessariamente na pena a aplicar.

XXXIII.

Não concorda ainda o arguido com a pena aplicada de 6 anos de prisão senão vejamos: XXXIV.

Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agenfe ou contra ele, considerando nomeadamente; - A ilicitude do facto grau, o modo de execução a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

- A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins, os motivos que o determinam; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior e posterior aos factos; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto...

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