Acórdão nº 1440/15.6PTAVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº 1440/15.6PTAVR-A.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C.S. nº 1440/15.6PTAVR do Tribunal da Comarca de Aveiro – Aveiro – Instância Local – Secção Criminal – J3 foi julgado o arguido: B… E após audiência, por sentença de 14/4/2016 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, tendo em atenção os critérios enunciados e os legais juízos expressamente expostos, decide-se: a) Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares que foram cominadas ao arguido B… nos presentes autos n.º 1440/15.6PTAVR e no processo n.º70/15.7GTAVR, condenando-o na pena única de 7 (sete) meses de prisão; b) Suspender a execução dessa pena única, pelo período de um ano, com acompanhamento de regime de prova, nos termos já definidos nos presentes autos; c) Ainda, no âmbito do cúmulo, condenar o arguido na pena unitária de 30 (trinta) meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

Sem tributação (cfr., tabela III, a contrario, anexa ao Regulamento das Custas Processuais)”.

Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões: 1) Inconformado com a parte da sentença em que se decidiu efetuar o cúmulo meramente material das penas acessórias, o arguido interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de direito, defende a realização do cúmulo jurídico e esta sua tese encontra sustentação na doutrina e na jurisprudência que tem vindo a defender a realização de cúmulo jurídico nos casos de concurso de penas acessórias.

2) Conquanto se aceite que os artigos 77.º e 78.º do Código Penal reconhecem às penas acessórias especificidades relativamente às penas principais – decorrentes da sua função adjuvante que, aliás, ninguém põe em causa – entende-se que, do seu teor enunciativo, não se deve retirar qualquer argumento decisivo a favor ou contra as teses em confronto. Pode dizer-se que tais preceitos só singularizam as penas acessórias relativamente a situações em que estas não concorrem entre si, estando apenas adjacentes a uma das penas principais.

3) Com efeito, o n.º 4 do artigo 77.º limita-se a dizer que as penas acessórias são sempre aplicadas em caso de concurso, não obstante uma das incriminações em concurso as não prever como auxiliadoras dos seus efeitos. Isto é, este preceito refere-se ao quando mas não ao como devem ser aplicadas as penas acessórias, quando concorram duas ou mais de idêntica natureza.

4) Por sua vez, o n.º 3 do artigo 78.º parece visar prevenir situações de pura redundância, como sucederá – quedando-nos pelo direito penal rodoviário – quanto a um dos crimes tiver sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir e a outro uma medida de segurança de cassação ou de interdição da concessão do título de condução de veículo a motor, sendo, então, de considerar que a primeira se torna desnecessária face à segunda.

5) Por fim, como bem se realça no acórdão da Relação do Porto de 2/5/2012, proferido no processo 319/10.2PTPRT.P1 – a respeito do argumento da pretendida “incoerência” entre os regimes de cúmulo jurídico das penas acessórias e de cúmulo material das sanções do Código da Estrada – “mais grave do que essa incoerência (relativa a contraordenações e respetivas sanções), seria uma incoerência entre o regime do cúmulo jurídico das penas principais e o das penas acessórias (que são verdadeiras penas)”.

6) Com efeito, o artigo 134.º do Código da Estrada, no seu nº 3, manda cumular materialmente todas as sanções aplicáveis a contraordenações previstas no mesmo diploma e não só as acessórias. Ora, apesar da pretensa “assimetria”, ninguém sustenta que as penas aplicáveis aos crimes rodoviários se cumulem materialmente, até porque tal implicaria uma direta violação da lei.

7) Acresce, esta norma especial apenas se aplica às sanções (coimas e sanções acessórias) previstas no Código da Estrada e no exclusivo âmbito das contraordenações rodoviárias.

8) No regime geral das contraordenações e coimas aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10, na versão atual, prevê-se também uma regra de cúmulo jurídico das coimas, o que também se aplica às sanções acessórias, atento o princípio da acessoriedade (cfr. o seu art. 19.º e sgs.).

9) O que acontece, pois, é que o legislador penal não previu direta ou expressamente o regime de cúmulo aplicável às penas acessórias, não bastando, para conclusão da tarefa interpretativa, o mero apelo ao argumento literal, antes havendo que recorrer ao elemento racional ou teleológico.

10) Atento o princípio da legalidade que vigora quanto à lei criminal, é proibida a analogia e também a interpretação extensiva em detrimento do arguido (cfr. o art.º 3.º do Cód. Penal, bem como o art. 29.º da CRP).

11) A pena acessória de proibição de conduzir de conduzir (verdadeira pena) imposta em sentença condenatória é muito diferente, em termos de natureza e finalidades, da sanção acessória de inibição de conduzir (sanção administrativa) prevista no Código da Estrada, não podendo ser aqui aplicado o regime do cúmulo material que vale apenas no direito contraordenacional definido no Código da Estrada (direito de natureza administrativa).

12) O direito de contraordenação social e o direito criminal não são coincidentes, são diferentes nos seus pressupostos, fundamentos e finalidades, com axiologia normativa autónoma e independente.

13) O ilícito criminal de justiça e o direito rodoviário previsto no Código da Estrada são regimes muito diferentes e de difícil articulação, conforme resulta do Ac. do STJ n.º 2/2013, publicado no DR-I-S, de 08/01/2013, para cuja argumentação e jurisprudência fixada agora também se remete neste aspeto.

14) É conhecida a posição crítica de Figueiredo Dias relativamente ao sistema de penas acessórias adotado pela versão originária do Código Penal de 1982, com “uma função preventiva adjuvante da pena principal, de que o sistema penal não pode ou não quer prescindir”. Aí sustentava: “Um tal conteúdo, porém, é de todo insuficiente e inadequado para caraterizar o instrumento político criminal a que pertença uma pena, ainda que acessória. Para tanto torna-se – até jurídico-constitucionalmente – indispensável que aquele instrumento ganhe um específico conteúdo de censura do facto, por aqui se estabelecendo a sua necessária ligação à culpa (…)” – cfr. Direito Penal Português, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, página 96.

15) Mais adiante, o mesmo Professor enfatiza a necessidade de, “de lege ferenda”, dotar o ordenamento jurídico-penal português “de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados”, que teria “por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”- cfr. Obra citada, páginas 164- 165.

16) Ora, como se sabe, a aludida pena acessória de proibição de conduzir foi introduzida no artigo 69º do Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15...

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