Acórdão nº 48/13.5MAMTS-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 48/13.5MAMTS-C Comarca do Porto, Tribunal de Matosinhos Instância Central, 2ª Secção de Instrução Criminal, J2 Acórdão, decidido em Conferência 1. Relatório 1.1. Decisão recorrida Em 15FEV2016 a Sra. Juiz de Instrução decidiu não pronunciar o arguido B…, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto nos artigos 180º e 184º do Código Penal (CP), imputado na acusação particular deduzida pelo assistente C…, por considerar que esta acusação não continha a narração dos factos que poderiam fundamentar a aplicação de uma pena.

1.2. Recurso O assistente interpôs recurso dessa decisão, considerando ter havido erro na aplicação do direito e invocando em síntese o seguinte: - Violação dos artigos 283º nº 3, aplicável por força do disposto no artigo 285º nº 3, ambos do Código de Processo Penal (referem-se a este código todos os artigos indicados doravante sem outra referência): a acusação contém uma narração suficientemente clara e perceptível dos factos imputados ao arguido, por remissão integral para o teor do Auto de Notícia; - Violação dos artigos 118º nºs 1 e 2 e 123º: mesmo que se considerasse estar a acusação viciada por falta de narração de factos, isso constituiria mera irregularidade processual, que o tribunal deveria ter mandado reparar com um despacho de aperfeiçoamento da acusação; - Violação do artigo 590º nºs 2 al. b), 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º: mesmo que o vício apontado à acusação não configurasse causa de irregularidade suprível nos termos do parágrafo anterior, o tribunal deveria ter proferido despacho destinado a providenciar pelo seu aperfeiçoamento; - Violação do artigo 32º nº 7 da Constituição: a omissão de convite ao assistente para que corrigisse a acusação e para que esta passasse a cumprir com requisitos meramente formais, colide com interesses protegidos no processo penal com a necessidade de constituição de assistente e de dedução de acusação particular; - Violação do artigo 20º nº 1 da Constituição: com a prolação do despacho recorrido, o tribunal vedou ao assistente o exercício do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais; - Violação do princípio da imparcialidade do julgador, do princípio da descoberta da verdade material e do processo equitativo, reconhecido no artigo 20º nº 4 da Constituição e no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: O respeito por estes princípios deveria ter determinado que o tribunal recorrido convidasse o assistente a suprir a mínima, acessória e formal omissão da acusação.

1.3. Resposta do Ministério Público O Ministério Público respondeu ao recurso, manifestando-se no sentido de ser confirmada a decisão recorrida, essencialmente pelas razões que nela constam e pelas seguintes que alegou: - A acusação particular contém expressões vagas, meramente conclusivas e opinativas e sem conteúdo factual; - Com tal acusação o arguido não tem condições para aprender o evento que lhe é imputado e estruturar a sua defesa; - Os factos relatados pelo assistente, anteriores à chegada do arguido ao local, são inidóneos a preencher o tipo legal de crime imputado ao arguido; - A omissão dos factos na acusação constitui uma nulidade insanável que invalida o acto e torna inviável o seu aperfeiçoamento; - O despacho recorrido não viola as disposições legais e constitucionais invocadas no recurso.

1.4. Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, entendendo que deve ser proferida decisão que conceda ao assistente a possibilidade de apresentar uma acusação corrigida. Opinou, em resumo, o seguinte: - Custa ver o tribunal ter de julgar seis arguidos [os que não requereram a abertura de instrução] pelos mesmos factos que acusa particularmente o assistente e estar excluído o arguido recorrente pelos mesmos factos e mesma forma de acusação; - Compete ao tribunal de julgamento nos termos do artigo 311º do CPP decidir marcar ou não o julgamento para todos os arguidos, o que será mais equitativo e justo; - A acusação pode indicar factos por remissão, como sucedeu com a do assistente; - Em bom rigor, o assistente não formulou acusação particular nos termos do artigo 283º nº 3 al. b), ou seja, narrando os factos crime. Fê-lo por remissão para o auto de queixa. Podia e devia ter sido convidado a corrigi-la.

  1. Questões a decidir Teremos de começar por verificar se a acusação, tal como foi deduzida pelo assistente, é válida. Se for, a consequência será a revogação do despacho recorrido. Se a acusação não for válida, prosseguiremos para ver se o assistente deveria ter sido convidado a aperfeiçoá-la ou se esse aperfeiçoamento não era admissível. Em função da resposta que se encontrar, impor-se-á a revogação ou confirmação despacho recorrido. Na hipótese de chegarmos à conclusão de que a acusação é nula e insusceptível de aperfeiçoamento pelo assistente, antes de nos decidirmos pela prevalência da decisão recorrida, teremos de analisar se a mesma, adoptando essa solução, viola os princípios e normas constitucionais invocadas no recurso.

  2. Fundamentação 3.1.

    Importa transcrever a acusação particular deduzida pelo arguido e o auto de notícia para o qual a mesma remete.

    Acusação particular:1.ºNo dia 15 de Setembro de 2013, o Arguido identificado em 1., Agente de … da Polícia Marítima, B…, elaborou o Auto de Notícia a fls. 3, 3 verso e 4 dos autos, no qual fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do referido dia 15 de Setembro de 2013, no interior do estabelecimento denominado Piscina D…, localizado na Avenida …, s/n, …, freguesia de …, concelho de Matosinhos, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    1. No dia 16 de Setembro de 2013, a Arguida identificada em 2., E…, no Auto de Notícia a fls. 11 e 11 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do referido estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    2. No dia 16 de Setembro de 2013, a Arguida identificada em 3., F…, no Auto de Notícia a fls. 14 e 14 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do acima aludido estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    3. No dia 16 de Setembro de 2013, a Arguida identificado em 4., G…, no Auto de Noticia a tis. 17 e 17 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    4. No dia 18 de Setembro de 2013, o Arguido identificado em 5., H…, no Auto de Notícia a tis. 20 e 20 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do dito estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    5. No dia 21 de Setembro de 2013, o Arguido identificado em 6., I…, no Auto de Notícia a fls. 23 e 23 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do pré dito estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

    6. No dia 16 de Setembro de 2013, o Arguido identificado em 7., J…, no Auto de Notícia a tis. 8 e 8 verso dos autos, fez uma descrição da conduta do Assistente reportada a factos que ocorreram, pelas 17h00, do dia 15 de Setembro de 2013, no interior do várias vezes citado estabelecimento denominado Piscina D…, que é absolutamente mentirosa e errónea e ofensiva da honra, dignidade e consideração do Assistente.

      Com efeito,8.ºTodos os sete Arguidos sabem muito bem que distorceram os factos que relataram nos Autos de Notícia a fls. 3, 3 verso e 4,8 e 8 verso, 11 e 11 verso, 14 e 14 verso, 17 e 17 verso, 20 e 20 verso e 23 e 23 verso, dos autos;9.ºCom especial relevância para a distorção dos factos narrados no Auto de Notícia de fls. 3, 3 verso e 4 dos autos pelo Arguido identificado em 1., quem, pelas funções que exerce e pelos deveres a que se encontra obrigado devido ao exercício dessas funções, não podia, nem devia, ter faltado à verdade como fez.

    7. Revelando-se de particular gravidade que o aludido Auto de Notícia de fls. 3, 3 verso e 4 dos autos tenha servido de base e pretexto aos Autos de Notícia de fls. 8 e 8 verso, 11 e 11 verso, 14 e 14 verso, 17 e 17 verso, 20 e 20 verso e 23 e 23 verso;11.ºConsiderando o Assistente, com fundamentos para reputar este entendimento como verdadeiro, que o que efectivamente aconteceu foi que o Arguido identificado em 1., subsequentemente à elaboração do Auto de Notícia a fls. 3, 3 verso e 4 dos autos, incentivou os restantes seis Arguidos, identificados em 2. a 7., a apresentarem as queixas vertidas nos Autos de Notícia de fls. 8 e 8 verso, 11 e 11 verso, 14 e 14 verso, 17 e 17 verso, 20 e 20 verso e 23 e 23 verso.

    8. Sabem muito bem todos os sete Arguidos e, apesar disso, omitiram nos Autos de Notícia que assinaram que: 12.º.1. Foi o Assistente quem mandou chamar a polícia.

    9. 2. Quando esta chegou (ou seja, quando chegaram ao local o Arguido...

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