Acórdão nº 417/12.8TAPTL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução03 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 417/12.8TAPTL, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, por acórdão de 21/01/2014, foi decidido condenar o arguido AA, nascido a … de Setembro de 1977, em …, Ponte de Lima, viúvo, encarregado de construção civil, residente em …, Suíça e, quando em Portugal, no lugar das …, daquela freguesia, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Braga, pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 19 anos e 6 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 20 anos de prisão.

Foi, ainda, decidido julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por provado e, em consequência, condenar AA a pagar aos assistentes e demandantes BB e CC a quantia de € 65.264,08, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a data da notificação ao demandado do pedido sobre € 15.264,08 e desde a data do acórdão sobre o restante, tudo até integral pagamento.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão, formulando as seguintes conclusões: «I- Objecto do recurso «1- O presente recurso tem como objecto o reexame da matéria de direito, porquanto [o] recorrente discorda da qualificação jurídica aplicada aos factos dados como provados.

    «2- O aqui recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e nº 2, b) e j), do Código Penal, na pena de 19 anos e 6 meses de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão, sendo que, em cúmulo jurídico, lhe foi [aplicada] pena única de 20 anos de prisão.

    «3- Com efeito, o arguido, aqui recorrente, discorda da qualificação jurídica dos factos, porquanto no seu entender, não se verifica o preenchimento do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e nº 2, b) e j) do Código Penal.

    «4- É entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132º do Código Penal, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente, e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa.

    «5- Dos autos, resultou provado que: "No dia 1 de Setembro de 2011 DD saiu definitivamente de casa situado na rua …, levando consigo a filha (, .. ) "; “(….) o arguido desconfiava que DD linha nova relação afectiva, o que veio a confirmar em meados de Junho do mesmo ano”; "(…) acrescendo às obrigações que já impendiam sobre ele a de se submeter a tratamento psiquiátrico, ( . .)", (itálico nosso) “(…) «II- Quanto à qualificação pela alínea b) do artigo 132º do Código Penal «6- Como já acima foi referido, e no que diz respeito às relações agente/vítima previstas na al. b), elas constituem indícios de uma especial censurabilidade, mas que contudo, não se verifica automaticamente em função delas, como é próprio do método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.

    «7- Ora, do douto acórdão, resulta provado, que o arguido, aqui recorrente e a vítima já não coabitavam há mais de 11 meses, estando ele a viver sozinho, e estando ela a viver com um outro companheiro, seu patrão, com o qual havia iniciado uma nova relação amorosa.

    «8- Tais factos, foram também confirmados pela próprio companheiro da vítima CC, nas suas declarações, (CD temporização 14:18:17 a 14:46:14).

    «9- A circunstância do arguido, recorrente, à data dos factos estar casado com a vítima, embora separados de facto há quase 1 ano, não pode por si só fazer operar a qualificação prevista na alínea b) do artigo 132º do Código Penal, isto porque nessa mesma altura, a vítima até já possuía um novo relacionamento.

    «10- Além de que, a violação dos deveres conjugais previstos especialmente no artigo 1672º do Código Civil não necessita de passar obrigatoriamente pela qualificação do crime de homicídio para relevar a nível da medida da pena, pois bastaria atentar no disposto no artigo 71º, nº, 2, a), do Código Penal, nomeadamente quando manda atender ao «grau de violação dos deveres impostos ao agente», pelo que neste caso permite o afastamento da alínea b) do artigo 132º do Código Penal.

    «11- Contudo, a violação dos deveres conjugais também é imputável à vítima, que ainda no estado de casada, passou a viver maritalmente com outra pessoa.

    «12- Face à prova existente nos autos, não se poderia dar como provado que o arguido tenha actuado com culpa grave, pois o infeliz episódio apenas se deu, numa discussão entre o recorrente e a vítima, conforme se comprova pelo depoimento da testemunha FF, (Cfr. CD temporização 06:36).

    «13- A discussão existente, antes do fatídico final, deverá ser um elemento que deveria ter merecido especial ponderação, no momento da fixação da medida da pena, pois tal situação causou necessariamente uma perturbação na capacidade de decisão do arguido, e que afectou a sua vontade.

    «14- O arguido, estava possuído por uma imputabilidade diminuída, o que é incompatível com um homicídio qualificado, que pressupõe um tipo especial agravado de culpa e constituindo a imputabilidade a capacidade de, no momento da prática do facto, o agente avaliar a sua ilicitude e se determinar de acordo com essa avaliação.

    «15- Desse modo, as circunstâncias em que ocorreu a morte da DD, são de molde a excluir o efeito indiciante resultante da verificação do exemplo-padrão.

    «16- Por estes motivos devia o tribunal a quo ter afastado a aplicação da alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

    «III- Quanto à qualificação pela alínea j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal: «17- Lê-se no douto acórdão proferido, que ficou demonstrado que "o arguido persistiu na intenção de matar por mais de 24 horas", (itálico nosso) «18- Contudo, também consta do douto acórdão que não resultou provado “que entre 14 de Março e 23 de Maio de 2012, o arguido tenha começado a falar aos seus próximos da possibilidade de matar a DD".

    Assim como, (como) não ficou provado "que os passeios a pé do arguido nos dias 2 e 3 de Julho tenham sido até à estação de caminhos de ferro de …, com o objectivo de reconhecer o percurso e estudar o local (itálico nosso).

    «19- Ora, a afirmação do Colectivo que o arguido persistiu na intenção de matar, por mais de 24 horas, não se coaduna com os factos não provados, nem com os factos provados, nomeadamente "de que actuou por não suportar a ideia de a ver unida a outro homem, com o qual se sentia realizada, e que tenha actuado na execução de um plano que arquitectou minuciosamente, pelo menos durante o tempo que esteve preso, em Maio e Junho de 2012, tendo escolhido o local, o tempo e o modo da sua actuação (...).

    «20- Além de que, embora no douto acórdão, para apurar a especial censurabilidade da conduta do arguido, se tenha considerado que “o desígnio estava por ele formulado quando saiu da prisão, a 15 de Junho de 2012, e foi concretizado dentro de três semanas seguintes, em várias passos que", "Primeiro levanta o todo o dinheiro de que dispõe; depois vem a Portugal, onde arranja a arma do crime e “tranquiliza” os pais da mulher que maltratou ao longo dos anos e de quem já estava separado, dando-lhes dinheiro e convencendo-os que não iria regressar de imediato à Suíça, (certamente para que eles e, reflexamente a filha, pudesses “baixar a guardall em relação às anteriores ameaças do arguido); a seguir, volta para a Suíça e, no 3º dia em que lá se encontra mune-se da arma que tinha arranjado em Portugal, faz uma espera a DD; tem com ela uma breve conversa, e perante a tentativa desta de se afastar no seu veículo, abre a porta deste e dispara sete tiros a curta distância, todos atingindo a vítima", entende o recorrente que é incompatível com as declarações da testemunha, BB, seu sogro, que no seu depoimento refere que a filha, DD, lhe tinha ligado a dizer que tinha visto o carro do recorrente fora da garagem, e que no dia seguinte, 3ª feira, 3 de Julho de 2012, dia anterior à ocorrência dos factos, lhe volta a telefonar a dizer que "está tudo resolvido, ele encontrou-me, estivemos a falar, está tudo ok, tudo resolvido", (Cfr CD gravação 16;01:10 a 16:33:22, temporização 13:05 a 13:49).

    «21- Ora, estando o arguido na posse da arma, que havia comprado em Portugal, e, tendo encontrado e conversado com a DD, não parece razoável dar como provado que o mesmo tinha a intenção de a matar, nem que tenha actuado no referido plano que arquitectou, já que o poderia ter feito logo que regressou à Suíça ou quando conversou com vítima, no referido dia 3 de Julho de 2012.

    «22- O certo é que, quando o recorrente regressou, e não se escondeu com o fito de apanhar a vítima desprevenida, tendo inclusive estacionado o seu carro fora da garagem, e até ligado para o seu cunhado GG a avisá-lo que já se encontrava na Suíça, (temporização 03:44).

    «23- Mostra-se assim, errónea a interpretação do Tribunal Coletivo, quando defendeu a existência de uma especial censurabilidade na conduta do arguido, agindo de caso pensado e em obediência a um minucioso plano", e que assim preencheu a agravação do artigo 132º, nº 2, j) do Código Penal.

    «24- Outrossim, a situação em concreto, indicia uma atitude fortemente emotiva, até porque conforme resulta da confissão do arguido e ainda da testemunha GG, seu cunhado, que a DD, era a mulher da sua vida", (cfr. CD gravação 12:16:35 a 12-36-15, temporização 04:52 a 05:17 "gostava da DD, que era o Amor da Vida dele e que queria conquistá-la de volta” ”fazia tudo para conquistá-Ia", “queria de volta sempre porque gostava dela, que era o Amor da vida dele"(…).

    «25- Além disso, o motivo que levou o recorrente a vir a...

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