Acórdão nº 452/13.9TDEVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

No 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, foi julgada, como autora, AA e condenada, por acórdão de 11 de março de 2014, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), h), i) e j), todos do Código Penal, na pena de prisão de 15 (quinze) anos.

  1. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo no disposto nos arts. 107.º-A, 399.º, 401.º, n.º 1, al. a), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 1, al. a), 411.º, n.º 1 e 432.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal (doravante CPP), e do art. 139.º, n.º 5, al. b), do Código de Processo Civil.

  2. O Ministério Público, na interposição do recurso para este Tribunal, apresentou a seguinte a sua motivação: «A - OBJECTO DO RECURSO Nos presentes autos foi a arguida condenada como autora material pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 131° e 132°, n° 1 e 2, al. b), h), i) e j), do Cód. Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

    Dá-se como reproduzido todo o texto do douto Acórdão recorrido, desde já se esclarecendo, para efeitos do disposto no art° 403°, n° 2, al. d) do Cód. Proc. Penal, que apenas se discorda do "quantum" da pena de prisão aplicada.

    A pena é excessivamente benevolente, ficando aquém das exigências legais, das expectativas da comunidade na reafirmação dos bens jurídicos ofendidos pela conduta da arguida, apreciada no seu todo e da jurisprudência, dos tribunais superiores.

    (...) C — DA MEDIDA DA PENA Segundo a previsão do art. 400 do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n° 1), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa (cfr. n° 2).

    A função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção de comportamentos que ponham em causa os bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa — nulla poena sine culpa Os dois termos do binómio, com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação concreta da pena, são, assim, a culpa e a prevenção.

    Escreve a este propósito Jorge de Figueiredo Dias[1], que "a exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função cia culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime — ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente — limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção".

    Ainda como se escreve no acórdão do STJ de 1/03/00[2], "a culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, os seus limite mínimo e máximo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade da protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo, este logicamente não pode ser outro que não o mínimo da pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela protecção".

    A pena tem de responder, também, e sempre, às exigências de prevenção geral de integração.

    Citando ainda aquele aresto, "se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e, se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal — a moldura da pena legal aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas.

    comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social".

    A determinação da medida da pena é feita segundo as regras estabelecidas no art. 71° do Código Penal, devendo o juiz atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior e posterior aos factos.

    E — DA PENA CONCRETA Ao crime de homicídio qualificado p. e p. pelo arts. 131° e 132° nºs. 1 e 2, als. b), h) i) e j), do Cód. Penal corresponde uma moldura penal de doze (12) a vinte e cinco (25) anos de prisão.

    No caso cabe ponderar o seguinte:

    1. O grau de ilicitude muito elevado, traduzido na morte do cônjuge, no interior da casa de morada de família; na persistência da vontade matar, durante mais de dois dias; na utilização, primeiro, de meios ardilosos, tendentes incapacitar a vítima de conseguir evitar a concretização da vontade da arguida de lhe tirar a vida e na, desvalorização perante um vizinho do processo causal a que dera início de modo a rejeitar a sugestão do vizinho.

      de chamar um médico; no intenso desvalor da acção manifestado quando regressou a casa, cerca de 8 horas depois e, verificando que marido ainda ainda estava vivo, atou-lhe as pernas uma à outra com uma ligadura de tecido e logo teve o engenho de derramar um frasco de um liquido inflamável sobre o endredon que o cobria e lançar uma vela acesso sobre o edredon ateando-lhe fogo, após o que saiu de imediato de casa.

    2. A culpa, também de grau elevadíssimo, uma vez que a arguida não só agiu com dolo directo mas procurou e conseguiu provocar a morte do marido, primeiro de forma insidiosa, misturando os comprimidos no vinho que lhe serviu .

      e, ao verificar que esse método não fora eficaz ao deixá-lo deitado sobre um sofá, coberto por um edredon a arder, com as pernas atadas, revelou um profundo desprezo e insensibilidade pela vida do seu marido, necessariamente ciente que até lhe provocar a morte lhe produziria queimaduras e bastante sofrimento, pois devido ao efeito dos comprimidos que lhe ministrou e a ter as pernas atadas uma à outra, o seu marido apear de vivo não estava em condições de evitar a morte, como não conseguiu.

      Com se refere na fundamentação do Acórdão recorrido «Toda a actuação da arguida revela indiferença, calculismo e crueldade, na forma como afastou os filhos da residência e abandonou o arguido a agonizar por duas vezes, a primeira esperando que o medicamento que lhe deu fizesse efeito e a segunda que o fogo o matasse.» c) A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, gravemente atentatórias do bem jurídico supremo - vida humana.

    3. As condições pessoais do arguida e a sua situação económica: tem três filhos, trabalhava como auxiliar num lar de idosos, recebendo entre C600,00 e C900,00 por mês; ainda auxiliava idosos em casa recebendo C 5 por hora; habitava em casa própria para cuja aquisição a arguida e o ofendido contraíram empréstimo bancário, suportando o pagamento de C 450 por mês; tem como habilitações literárias o 4° ano de escolaridade e encontra-se inserida social, profissional e familiarmente, e apresenta suporte familiar da mãe e dos irmãos.» e) A conduta anterior aos factos: a arguida não tem antecedentes criminais registados, circunstância que não podendo traduzir qualquer prémio, posto que é dever de qualquer cidadão manter uma conduta conforme com o direito, não será aqui de desconsiderar totalmente, atenta a sua idade à data da prática dos factos; a existência de uma relação conflituosa entre a arguida e a vítima, pautada por desavenças e discussões, fruto da relação conjugal que os unia, sendo as discussões ouvidas por vizinhos e numa ocasião, o ofendido, em...

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