Acórdão nº 100/10.0TBVCD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e BB, demandaram Euroscut Norte, Soc. Concessionária da SCUT do Norte Litoral, SA, pedindo que seja decretada a caducidade da declaração de utilidade pública (doravante DUP) e o reconhecimento da sua qualidade de proprietários de uma parcela de terreno que foi objecto dessa DUP, condenando-se a R. a restituí-la livre e desocupada e a indemnizar os AA. pela ocupação, desde Outubro de 2003, até efectiva entrega da indicada parcela, à razão de € 3.286,20 mensais.

Alegaram ser donos da referida parcela, a qual, na sequência da posse administrativa, foi ocupada pela R. para construção de uma estação de serviços e acessos `auto-estrada.

Entretanto, por acórdão do STA, de 7-2-2006, foi declarado nula DUP, por não ter sido precedido de parecer favorável da Comissão Regional de Reserva Agrícola Nacional.

Por despacho de 20-3-2007 foi emitida nova DUP referente às parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), incluindo a parcela aludida. Mas o processo expropriativo ficou parado desde 20-12-2007, data da posse administrativa, pelo que esta segunda DUP caducou.

A R. contestou e impugnou as pretensões dos AA.

Depois da réplica e da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. dos pedidos.

Os AA. interpuseram recurso de apelação que foi julgado improcedente.

Interpuseram então revista excepcional, apresentando alegações, seguidas de contra-alegações da R.

A A. foi convidada a pronunciar-se sobre outras questões que não foram suscitadas nem no acórdão recorrido, nem nas suas alegações, nos termos seguintes:

  1. A ponderação dos efeitos que podem resultar do facto de a declaração de utilidade pública traduzir um acto administrativo plural, com multiplicidade de destinatários, sendo que os AA. não intervieram nem foram chamados a intervir na acção em que foi declarada a nulidade desse acto e considerando ainda as regras que delimitam subjectivamente o âmbito do caso julgado; b) A apreciação dos efeitos que a procedência da acção é susceptível de determinar na esfera jurídica da R. e nos interesses da comunidade de utentes da auto-estrada, ponderando as regras do abuso de direito e da colisão de direitos, nos termos dos arts. 334º e 335º do CC; c) A ponderação do princípio da intangibilidade da obra pública, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a actuação da R., designadamente o facto de ter existido uma primeira declaração de utilidade pública, seguida da autorização de desafectação da RAN, seguida de nova declaração de utilidade pública, tendo ainda em conta a afectação da parcela a uma estação de serviço da auto-estrada concessionada.

    Ambas as partes se pronunciaram divergentemente sobre tais questões.

    Ponderando quer as alegações, quer o que emerge do anterior despacho, no recurso de revista importa apreciar essencialmente as seguintes questões:

  2. Se a declaração de nulidade do acto administrativo interfere ou não com a decisão que adjudicou à R. o direito de propriedade sobre a parcela.

  3. Se a primeira DUP traduz a prática de tantos actos administrativos quantas as parcelas expropriadas a que se reporta; c) Se os AA. podem invocar em seu benefício o caso julgado formado pelo Ac. do STA que declarou a nulidade da primeira DUP no âmbito de uma acção em que não intervieram.

  4. Se uma eventual condenação da R. na restituição da parcela e no pagamento de uma indemnização seria impedida pelas regras do abuso de direito ou pela convocação do princípio da intangibilidade da obra pública.

    II - Factos provados: 1. Desde 2-10-2003, encontra-se registado a favor dos AA., por quem foi adquirido por adjudicação em partilha, o prédio rústico ..., descrito na CRP de Vila do Conde sob o n° 1047 de Labruge (ficha extraída da descrição n° 12.777 do Livro B-34) e inscrito na matriz rústica de Labruge sob o art. 74°.

    1. Por despacho do SEOP, de 4-9-2002, no DR n° 99, II Série, de 26-9-2002, com o aditamento de áreas publicado em 14-2-2003, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), entre as quais a identificada com o nº 18, com a área total de 3.960 m2, a destacar do dito prédio.

    2. A partir de Outubro de 2002, a R. passou a ocupar, consecutiva e ininterruptamente, as parcelas em causa. Na sequência da posse administrativa, autorizada nos termos da DUP referida em 2., ocorrida em 30-10-2002, a R. passou a ocupar, com obras de construção de uma estação de serviços e acessos, a indicada área de terreno dos autores.

    3. No âmbito da DUP referida em 2., a R. fez obras nas várias parcelas expropriadas que foram necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9) e transformou todo aquele espaço, com a área de total de 66.976 m2, numa Estação de Serviço, com serviços em ambos os lados da via, actualmente designada de A-28, conhecida como a Área de Serviço de Modivas, em Vila do Conde.

    4. Em 16-11-2003, no âmbito de procedimento expropriativo referente às parcelas que eram, à data, propriedade dos AA., foi proferido despacho de adjudicação da propriedade, o qual transitou em julgado.

    5. Entretanto, por Ac. do Pleno do STA, de 7-2-2006, nos autos de recurso n° 1815/02-20 (da 5ª secção), foi declarado nulo o supra mencionado despacho do SEOP, de 4-9-02, por não ter sido precedido de Parecer favorável a uso não agrícola dos terrenos inseridos em RAN, emitido pela Comissão Regional de RAN.

    6. Conforme certidão da sentença de 10-1-2007, transitada em julgado em 1-2-2007, proferida nos autos de expropriação com o nº 3811/03.1TBVCD aludidos em 6., foi decidido: «Conforme resulta da certidão de fls. 636 e segs., por acórdão proferido pelo STA, já transitado em julgado, foi declarado nulo o Despacho nº 20.983/02, proferido por S/Exª o Sec. de Estado das Obras Públicas, datado de 4-9-02, publicado no DR, II Série, nº 223, de 26-9-02.

      Esse havia sido o despacho que declarara a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de várias parcelas de terreno, entre as quais se conta aquela que é objecto destes autos.

      Ora, como é sabido, a declaração de utilidade pública é, na expropriação por utilidade pública, o acto constitutivo basilar do respectivo procedimento, sendo não só pressuposto necessário da expropriação, como condicionante de todo o processo expropriativo (cfr. arts. 1º e 10º e segs. do Cód. Exp., aprovado pela Lei nº 168/99 de 18-9 - Ac Rel. Porto de 8-1-96, CJ, tomo I, pág. 186; Ac. STA de 2-4-04 proferido no recurso nº 30256).

      Sendo assim, falecendo na situação presente o pressuposto básico do processo expropriativo, torna-se impossível a continuação da presente lide, a qual tem como objecto a fixação da indemnização devida pela parcela expropriada.

      Nestes termos e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do preceituado no art. 287º, al. e), do CPC, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide.

      Custas pela entidade expropriante (art. 447º do CPC).” (doc. fls. 235).

    7. Por despacho do SEOP, de 20-3-2007, no DR n° 99, II Série, de 23-5-2007, foi novamente declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), entre as quais a parcela com a área de 3.960 m2, agora identificada com os n°s 18 e 18-A, a destacar do mesmo prédio (fls. 28).

    8. A R. não promoveu a constituição e realização da arbitragem no prazo de um ano desde a data da publicação da segunda DUP (23-5-2007), nem remeteu o processo de expropriação ao tribunal competente (Comarca de Vila do Conde), no prazo de 18 meses a contar daquela data, ou seja, até 22-11-2008.

    9. A R., através de subconcessão a terceiro, explora a Área de Serviço de Modivas referida em 3., onde se encontra integrada a parcela de 3.960 m2 do identificado prédio.

    10. Na referida área de serviço integram-se um posto de abastecimento de combustível, uma Loja M-24 (loja de conveniência aberta 24 horas por dia) e os serviços de...

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