Acórdão nº 97/05.7PASJM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório 1. Na comarca de Aveiro – ..., Instância Central – 2.ª secção criminal – J3 e no âmbito do processo comum coletivo n.º 97/05.7PASJM, procedeu-se à realização da audiência para efectivação do cúmulo jurídico relativamente à arguida AA, identificada nos autos e detida no Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo, vindo, por acórdão de 21 de abril de 2015 (fls 2096 a 2116), a aplicar as seguintes penas únicas, a cumprir sucessivamente[1]: «A) - Pela prática dos crimes cometidos em 6 e 16, a pena única de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o total de € 2.250 (dois mil e duzentos e cinquenta euros).

    1. – Pela prática dos crimes cometidos no âmbito dos processos identificados em 3, 4, e 20 (pelos factos cometidos até 8/07/2004), a pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva; C) – Pela prática dos crimes cometidos no âmbito dos processos identificados em 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 20 (pelos factos cometidos entre 8/07/2004 e 5/06/2007) e 22, a pena única de 12 (doze) anos de prisão efetiva; e D) – Pela prática dos crimes cometidos no âmbito dos processos identificados em 19, 20 (pelos factos cometidos após 5/06/2007) e 21, a pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva.» 2. Inconformada com o assim decidido, a arguida dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal (fls 2153 a 2176, a cópia e fls 2182 a 2193, o original), por considerar violado o disposto nos artigos 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal (CP), pedindo a alteração do acórdão, conforme as conclusões que formula nos termos que se transcrevem: «1- A recorrente foi condenada, em cúmulo jurídico, no cumprimento das penas sucessivas de 3 (três) anos de prisão, 12 (doze) anos de prisão e 3 (três) anos de prisão, num total de 18 (dezoito) anos de prisão.

    2- Para efeito de aplicação de uma pena única, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes anteriormente praticados.

    3- A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados.

    4- A primeira decisão transitada será, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objeto de unificação.

    5- Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente àquela primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo a referida metodologia.

    6- Note-se que neste cúmulo jurídico estão a ser introduzidos, pela primeira vez, todos os factos julgados e dados como provados nestes autos (97/05.7PASJM).

    7- Ora, o primeiro facto dado como provado data de 19 de janeiro de 2005 e não integra qualquer crime continuado (nesta decisão alguns factos foram considerados como integrando um crime continuado e outros não).

    8- Todos os factos compreendidos entre esta data e do trânsito em julgado destes autos (97/05.7PASJM), deverão dar origem à fixação de uma pena única.

    9- Pelo que a introdução do terceiro bloco, em nosso entender, não tem qualquer sentido, nem a colocação da data de trânsito em julgado relevante para essa operação - 07 de janeiro de 2010, faz igualmente sentido, dado que a recorrente não sofreu qualquer condenação posterior.

    10- Deverá, pois, nessa parte ser reformulado o cúmulo jurídico operado, sob pena de violação dos art.ºs 77º e 78º do Código Penal.

    11- Após esta operação, há que atender ao conjunto dos factos provados e à personalidade da condenada revelada por todos eles, por forma a encontrar a pena única que a tanto se ajuste.

    12- Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o Código Penal.

    13- Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os fatores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

    14- Doze dos quinze processos referem-se a transações ilícitas de cheques de médio/baixo valor, quase todos para a obtenção de produtos alimentares. Os restantes dizem respeito, na sua maioria, a conduções ilegais, pelo que não nos parece fazer algum sentido a aplicação de uma pena, no total, de 18 anos prisão (3+12+3).

    15- Salvo o devido respeito, existem fundamentos para uma diminuição considerável do quantum das penas aplicadas à recorrente AA, pois que o Tribunal a quo, erradamente, deu pouca relevância às penas parcelares aplicadas, sempre perto do limite mínimo, ao percurso, agora consistente, da arguida no interior do Estabelecimento Prisional, e à apreciação globalmente positiva do seu comportamento, descrito em sede de relatório social.

    16- Estas penas sucessivas encontradas ‒ note-se, que totalizam 18 anos de prisão! ‒, resultam claramente, de uma operação aritmética de soma e divisão de penas sem atender, de facto, a todos os fatores que concorrem para se encontrar uma pena ajustada e que não seja meramente punitiva, dada a (triste) motivação que esteve na base da prática destes crimes.

    17- À recorrente foram sempre aplicadas penas muito abaixo dos “critérios normais”, pois que os Tribunais foram sucessivamente dando conta da utilização dos cheques e vales postais para a aquisição de produtos alimentares, sendo que agora o Tribunal “a quo” não valorizou, devidamente, esse fator.

    18- Este cúmulo jurídico não espelha a tendência de todos os outros Tribunais, nem a perspetiva global de todos os processos em que a arguida foi condenada, bem como do seu percurso.

    19- Apesar de ter vários processos, a arguida nunca foi condenada numa pena parcial superior a 2 anos e 8 meses de prisão (e mesmo esta pena constitui uma exceção à generalidade das suas condenações, sempre mais baixas), pelo que parece-nos claramente excessivo o quantum das três penas, de cumprimento sucessivo, aplicadas.

    20- A pena única de 12 anos de prisão, que é apenas uma delas, está reservada para um tipo de criminalidade, de tal maneira grave - o que não sucede nos presentes autos, pois que se tratam essencialmente de crimes de burla e de falsificação -, que não deixa qualquer margem ao Julgador para que o arguido possa beneficiar de qualquer atenuante.

    21- Por outro lado, importa ter em consideração que a arguida praticou a generalidade dos crimes em concurso nos anos de 2005, 2006 e 2007, parecendo-nos que quase como que numa perspetiva continuada, e dentro da área da sua residência, dado que estava em causa a satisfação das suas necessidades mais básicas - a aquisição de produtos alimentares.

    22- Manter a decisão do Tribunal a quo significa, na prática, tirar à arguida qualquer espécie de esperança em reconstruir a sua vida assente em bases seguras e com perspetivas de futuro.

    23- Viu-se, num passado não muito longínquo, no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do extenso Processo n.º 1940/05, da 5ª Secção, a penas abstratas de cerca de 500 (quinhentos) anos de prisão, serem aplicadas penas únicas entre os 9 (nove) e os 11 (onze) anos de prisão. Estes arguidos tinham um quadro atenuativo muito semelhante ao da recorrente.

    24- Consideremos o perfil geral da arguida e a sua conduta anterior e posterior aos crimes: - A arguida tem 36 (trinta e seis) anos de idade, tendo dada entrada no Estabelecimento Prisional aos 29 (vinte e nove) anos de idade.

    - Antes de ser detida, era pessoa trabalhadora, e provinha de uma família humilde, mas que até à morte do companheiro era devidamente estruturada.

    - A motivação exclusiva da prática dos seus crimes foi o facto de, após a morte do seu companheiro, não ter conseguido arranjar novo emprego, mantendo os seus 3 filhos a cargo para sustentar.

    - Beneficia de uma forte retaguarda familiar, cujo agregado a apoia incondicionalmente em contexto prisional.

    - É mãe de três filhos ainda jovens que estão, para já, entregues aos cuidados de familiares.

    - Encontra-se, em contexto prisional, a trabalhar, facto dado como provado em sede de Acórdão.

    - Tem noção do desvalor das suas ações e dos danos causados às vítimas, facto dado como provado em sede de Acórdão.

    - É verdade que a arguida foi condenada em vários processos, o que em nada abona a favor da sua pessoa.

    - Porém, se inicialmente teve um comportamento marcado pela impulsividade, no interior do Estabelecimento Prisional, a verdade é que desde há uns tempos a esta parte, tem feito um esforço notável no sentido de se recuperar, trabalhando, com resultados visíveis.

    - Demonstra sincero arrependimento, conforme declarações prestadas em sede de audiência de cúmulo jurídico, pelo que não corresponde à verdade o lapso material que consta do douto Acórdão, onde se faz referência que a arguida não esteve presente.

    - Pelo que não se vislumbra qual o efeito que uma pena (total- 3+12+3) de 18 (dezoito anos) anos de prisão viria a ter sobre si em termos de prevenção (geral e especial).» 25- Para sustentar o que...

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