Acórdão nº 41/10.0JBLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução11 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 25.07.2014 do tribunal colectivo do extinto Círculo Judicial de Santarém (hoje Secção Criminal –J4 da Instância Central da Comarca de Santarém), como autor dos seguintes crimes: a) – Um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alín. b) e 2 do CP, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão; b) - Um crime de abuso de designação, sinal ou uniforme p. e p. pelo art.º 307.º, n.ºs 1 e 2 do CP, na pena de 4 meses de prisão; c) - Um crime de falsificação de documentos p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, alín. e) e 3 do CP, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; d) – Um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alíns. a), c) e d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão; e) – Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

Foi ainda condenado no pagamento da quantia de € 1.500,00 à assistente BB a título de reparação por prejuízos sofridos enquanto vítima do crime de violência doméstica.

Inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido directamente para este Supremo Tribunal, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: “1. Verifica-se a violação do princípio ne bis in idem relativamente ao crime de falsificação de documentos; 2. Os documentos [dos autos] serviram o mesmo e único propósito [do processo n.º 474/08.1TABNV], criar uma personagem credível, séria, multicompetente e abastada; 3. Existe, relativamente aos documentos falsificados, uma única resolução criminosa que foi valorada no processo n.º 474/08.1TABNV; 4. Ao considerar que não foi violado o princípio ne bis in idem, a sentença violou o artigo 29.º n.º 5 da CRP; 5. O tribunal a quo aplicou ao recorrente, pelo crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º nº 1, alínea a), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei 17/2009, de 6 de Maio, a uma pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual é exagerada atentos os factos provados; 6. O grau de ilicitude foi considerado elevadíssimo tendo em conta o número de armas, todavia, na opinião do recorrente, devia ter sido ponderado o estado "desactivado" e "não funcional" das mesmas; 7. As armas (revólver, granadas e munições) não oferecem qualquer perigosidade, pois não têm o condão de atentar contra a segurança das pessoas, por se encontrarem não funcional a primeira, sem fio cortante as segundas e desprovidas de arma as terceiras, devendo tal facto pesar em favor do arguido na apreciação e determinação das necessidades de prevenção especial; 8. As armas encontram-se à vista de todos como peças decorativas, circunstância reveladora do fim para que serviam; 9. Apesar de condenado pela prática de diversos crimes, alguns violentos como é o caso da violência doméstica, o recorrente não usou nenhuma arma, apenas as detinha, pelo que as necessidades de prevenção especial devem ser consideradas diminutas; 10. O recorrente tem antecedentes criminais por crimes de natureza diferente do crime de detenção de arma proibida; 11. Entende-se que a aplicação da pena de prisão de 4 anos e 3 meses pelo crime de detenção de arma proibida é manifestamente ilegal, tendo o douto acórdão recorrido violado as disposições conjugadas dos art.ºs 86.º nº 1, alínea a), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei 17/2009, de 6 de Maio, 70.º do Código Penal (CP) e 127.º do CPP; 12. O grau de ilicitude e culpa do recorrente não se revelam assim tão elevados ao ponto de justificarem a pena concretamente aplicada; aliás, “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art.º 40º, nº 2, do CP), afigurando-se justa e razoável uma pena de prisão de, no máximo, 3 anos; 13. Em suma, o douto acórdão recorrido não fez, também aqui, uma correcta aplicação do direito aos factos, o que é motivo de recurso – art.ºs 410º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPP; 14. Por outro lado, a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses aplicada ao recorrente em cúmulo jurídico viola o artigo 40.º do C.P; 15. Esta pena (cúmulo jurídico) aplicada ao recorrente não cumpre o requisito da prevenção especial pois, aplicada a uma pessoa com 58 (cinquenta e oito) anos, que cumprirá uma pena de prisão efectiva de 16 (dezasseis) anos além daqueles 6 (seis) anos e 6 (seis) meses, não irá possibilitar a reintegração social; Termos em que requere: a) Revogação do acórdão na parte em que condena pela prática do crime de falsificação de documentos e substituído por acórdão que absolva o arguido dos factos que lhe foram imputados, de acordo com o princípio ne bis in idem, em conformidade com o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; b) Aplicação de pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, não superior a 3 anos, consentânea com a ilicitude e a culpa decorrentes dos factos provados; c) Revogação do douto acórdão que condenou o ora recorrente na pena de 6 anos e 6 meses prisão, por esta ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada ao recorrente uma pena não superior a 5 anos.

” O M.º P.º junto do tribunal a quo respondeu no sentido da confirmação do acórdão condenatório.

Neste Supremo Tribunal a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta começou por suscitar a questão prévia da incompetência do STJ na medida em que “o recurso do arguido AA visa quase exclusivamente a medida de uma das penas parcelares que é inferior a 5 anos de prisão e só com a sua alteração é que propõe consequentemente outra pena única não superior a 5 anos” e, assim, porque para o STJ “apenas poderia ser interposto recurso que visasse exclusivamente a pena única aplicada, o que não acontece pois não invoca e fundamenta autonomamente a aplicação de uma pena única menos gravosa, com as regras previstas no art.º 77.º, n.º 1 do CP – avaliação em conjunto dos factos e da personalidade”, competente para o recurso será o Tribunal da Relação de Évora, para onde, em seu entender, deverá ser remetido.

Subsidiariamente pronunciou-se pelo seu não provimento seja porque não foi violado o princípio ne bis in idem quanto ao crime de falsificação de documentos, por falta de coincidência dos factos provados no presente processo e no processo n.º 474/08.1TABNV do então TJ de Benavente (o Bilhete de Identidade com o n.º ... emitido pela Secretaria de Estado da Aeronáutica com a categoria de piloto aviador e um Livre - Trânsito do Museu do Ar da DGMFA, com o mesmo número, não constavam daquele processo, nem o arguido aí se identificava como aviador da força aérea e o documento de engenharia aí apreendido referia-se a um curso “tirado” no Brasil), seja porque as penas, parcelar quanto ao crime de detenção ilegal de arma e única, se mostram adequadas, desde logo, quanto a esta, o arguido alegadamente só fundamentou a sua alteração na diminuição da pena parcelar.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º do CPP o arguido nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir as questões que vêm colocadas e que são: a) A questão prévia da incompetência deste STJ; b) A violação do princípio do ne bis in idem quanto ao crime de falsificação de documento; c) A medida da pena parcelar do crime de detenção de arma proibida; d) A medida da pena do concurso.

* II.

Fundamentação 1.

A questão prévia Como vimos, o M.º P.º sustenta a incompetência deste Supremo Tribunal na circunstância de o recurso visar quase exclusivamente a medida de uma das penas parcelares que é inferior a 5 anos de prisão, para lá de só com a sua alteração ser proposta outra pena única, não superior a 5 anos.

Trata-se de uma questão recorrente e que ainda recentemente tivemos oportunidade de analisar com algum detalhe (Ac. STJ de 29.04.2015, Proc. 41/13.8GGVNG.S1-5.ª).

Sumariamente diremos agora que, em consonância com a orientação largamente maioritária neste STJ, a alín. c) do n.º 1 do art.º 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que, no caso de recurso directo do tribunal colectivo (ou júri) e sobre matéria de direito, o STJ é competente para dele conhecer seja no respeitante à pena conjunta superior a 5 anos de prisão, seja quanto às penas parcelares de limite inferior que em cúmulo jurídico a integrem.

E não se argumente que o recorrente não recorreu da pena única, qua tale, ou seja, independentemente do pedido de absolvição do crime de falsificação de documento e da alteração da medida da pena do crime de detenção ilegal de armas.

Se é certo que não fez referência ao art.º 77.º n.ºs 1 e 2 do CP, claro é também (e jura novit curia) que autonomizou o que denominou “pena do cúmulo jurídico” para pedir a sua redução (a não mais de 5 anos de prisão) “mesmo que se mantenha a decisão recorrida” (sic – n.º 40 das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT