Acórdão nº 353/15.6PAVPV.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, [...] , foi julgado no âmbito do processo n.º 353/15.6PAVPV da ....ª Secção ...-..., da Instância Central de..., Comarca dos ..., que, por acórdão de 22 de Abril de 2016, decidiu nestes termos: 1 – Absolver o arguido da prática de um crime de abuso sexual de menor dependente de que vinha acusado (relativo a BB); 2 – Julgar o arguido autor material da prática, em concurso real, de: 2.1 – Um crime de abuso sexual de criança agravado, p. p. pelos art.ºs 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, al. b), do CP e, consequentemente, condená-lo na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; 2.2 – Um crime de abuso sexual de menor dependente, p. p. pelo art.º 172º, nº 1, do CP e, consequentemente, condená-lo na pena de 4 anos e 6 de prisão (ambos tendo como ofendida CC) 2.3 – Dois crimes de devassa da vida privada, p. p. pelo art.º 192º, nº 1, al. b), do CP, para os quais se convolam os dois crimes de pornografia de menores, agravados, de que vinha acusado e, consequentemente, condená-lo nas penas de 4 meses de prisão – relativo a CC - e 6 meses de prisão – relativo a BB; 3 – Em cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de 7 anos de prisão.

Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação rematou com as seguintes conclusões: “ 1. O arguido foi condenado, por um crime de devassa da vida privada, p. p. pelo artigo 192°, n° 1, alínea b) do CP, relativo a BB, na pena de seis meses de prisão, por a ter filmado desde que esta saiu da casa de banho, até que ficou sozinha no quarto enrolada na toalha, nua e a vestir-se, sempre sem de nada suspeitar e sem seu consentimento.

  1. O referido crime é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.

  2. O artigo 70° do CP estabelece, com clareza, uma preferência pelas penas não detentivas, sempre que tal se mostre possível. Dispõe aquele preceito que, "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

  3. Sucede que o arguido, ab initio, confessou os factos, manifesta arrependimento, não tem antecedentes criminais e reparou à ofendida, até onde lhe era possível, os danos causados, conforme consta da própria acta da audiência de discussão e julgamento.

  4. Deveria assim ter-lhe sido aplicada uma pena de multa e próxima do mínimo.

  5. Acresce que, no caso em apreço, face ao referido no artigo 4º supra, o arguido deveria ter beneficiado da atenuação especial, prevista no artigo 72°, n° 2, alínea c) do CP, pelo que a pena de multa deveria ter em conta tal atenuação especial.

  6. Foi igualmente o arguido [condenado] por um crime de devassa da vida privada, p. p. pelo artigo 192°, n° 1, alínea b) do CP, relativo a CC na pena de quatro meses de prisão, por a ter filmado desde que esta saiu da casa de banho, até que ficou sozinha no quarto enrolada na toalha, nua e a vestir-se, sempre sem de nada suspeitar e sem seu consentimento.

  7. Do mesmo modo o arguido, ab initio, confessou os factos, manifesta arrependimento e não tem antecedentes criminais.

  8. Deveria assim, de acordo com o disposto no citado artigo 70° do CP, ter-lhe sido aplicada um pena de multa e próxima do mínimo.

  9. Foi ainda o arguido condenado por um crime de abuso sexual de criança agravado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e por um crime de abuso sexual de menor dependente na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, considerando-se, salvo o devido respeito, [as penas] elevadas, designadamente a relativa ao abuso sexual de menor dependente.

  10. Desde logo, não se valorizou tudo o que [se] provou da personalidade do arguido, nomeadamente que o arguido é o mais velho dos três filhos de um casal de estrato socioeconómico modesto, que constituía um agregado [familiar] com uma dinâmica funcional harmoniosa e estruturada, com regras bem definidas entre os filhos e os progenitores, partilhando estes as responsabilidades no processo educativo daqueles, recorrendo a estratégias educativas mais dialogantes do que punitivas, na qual existiam sentimentos de pertença, manifestos na expressão dos afectos, manutenção de sentimentos de preocupação uns pelos outros e de entreajuda, assentes na defesa de valores fundamentais, que foi bom aluno, tendo-se [licenciado] em educação física vindo, posteriormente, a realizar uma pós-graduação em ensino especial, trabalhador, competente, dedicou-se à prática desportiva federada, com um desenvolvimento afectivo-sexual sem constrangimentos, sexualidade de orientação heterossexual, madura, sem interesse, comportamento ou fantasia sexual desviante, nomeadamente envolvendo crianças, tem uma filha com 6 anos de idade, com a qual tinha uma relação estável e afectuosa, mantendo o arguido um relacionamento muito próximo com a filha, tendo sempre sido um pai presente e activo quer no processo educativo, quer na prestação de cuidados, quer na partilha do tempo, actividades e brincadeiras, está socialmente bem inserido e goza de boa imagem, no meio prisional revela capacidade de adaptação, mantém uma postura correcta e de cumprimento das regras, apresenta competências pessoais e sociais em várias áreas, não revela deficits de funcionamento em geral, denotando capacidade de assumir compromissos, responsabilidades e em lidar com a maioria da contrariedade, psicologicamente é um indivíduo com funcionamento tendencialmente mais calmo, sociável e com facilidade em estabelecer relacionamentos, quer sociais, quer mais íntimos, extrovertido, com adequada auto-estima, personalidade organizada e madura, trabalhador, ambicioso e orienta os seus padrões de comportamento por princípios éticos e morais e, em especial, reconhece a gravidade dos factos ora em apreço, bem como a repercussão dos mesmos nas vítimas, indicia capacidade de descentração e sentimentos de empatia para com elas, confessou os factos e manifesta arrependimento e não tem antecedentes criminais.

  11. Acresce, a tal desvalorização não se entendeu, salvo o devido respeito, à relevância do consentimento da CC no crime de abuso sexual de menor dependente.

  12. Nas leis da idade do consentimento, a noção de consentimento pode ser entendida como um tipo particular de competência que é considerada fundamental para o exercício do direito de liberdade sexual. O julgamento de quem é capaz de dar consentimento significativo para o acto sexual depende dos tipos de competência que se consideram relevantes. A competência considerada relevante para a tomada de decisão na actividade sexual é multidimensional, sendo concebida como uma combinação entre competência intelectual (habilidade para processar informação relevante), competência moral (capacidade para avaliar o valor social do gesto) e competência emocional (entendida como habilidade para expressar e manejar emoções).

  13. A ofendida CC, aquando a prática do crime de abuso sexual de menor, já tinha experiência sexual com um namorado, tendo perdido a virgindade com este, pelo que jamais se poderia considerar que não tinha desenvolvimento competente, considerado relevante, para consentir e aderir, como aderiu, à relação sexual.

  14. Parece assim que a pena aplicada ao arguido pelo crime de abuso sexual de criança poderia ser a mínima e na pena aplicada pelo crime de abuso sexual de menor dependente poderia ter sido ponderada a hipótese de atenuação especial e, mesmo que tal não fosse, a pena deveria situar-se abaixo de metade da moldura penal, ou seja, entre 2 e 3 anos.

  15. Ao arguido, em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de sete (7) anos de prisão, não tendo nesta sido em conta o princípio da proporcionalidade.

  16. De facto existem três itens que em sede de medida da pena conjunta deveriam ter sido devidamente ponderados e valorados, nomeadamente o reconhecimento da gravidade dos factos, bem como a repercussão dos mesmos nas vítimas, indicia capacidade de descentração e sentimentos de empatia para com elas; a circunstância dos actos punidos terem subjacente um consentimento que, sendo irrelevante em termos de afastamento da punibilidade, deve ser valorado em função da proximidade da sua relevância jurídico-penal; confissão; arrependimento; inexistência de antecedentes criminais e, por último, a circunstância do arguido apresentar competências pessoais e sociais em várias áreas, não revelar deficits de funcionamento em geral, denotando capacidade de assumir compromissos, responsabilidades e em lidar com a maioria da contrariedade, calmo, sociável e com facilidade em estabelecer relacionamentos, quer sociais, quer mais íntimos, extrovertido, com adequada auto-estima, personalidade organizada e madura, trabalhador, ambicioso e orienta os seus padrões de comportamento por princípios éticos e morais.

  17. Por pena adequada considera-se a que é proporcional à gravidade do crime cometido.

  18. Uma das ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente a de invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, ser intrusivo apenas na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido. Por tal motivo, a ideia da proporcionalidade não pode ser separada de considerações sobre a finalidade e função da pena e não é possível determinar a medida da pena se esta não for orientada para um fim pelo que a racionalidade da opção assenta numa ideia sobre os seus efeitos.

  19. Decisivo na escolha do tipo de pena e sua duração é a procura da maximização [da] tutela do bem jurídico com o menor custo possível. Na perspectiva da eficácia da prevenção geral intimidatória a eficácia da tutela depende não só a magnitude da pena, mas também que esta seja tomada a sério, ou seja, que se alguém lesa o bem jurídico é sancionado.

  20. Face às circunstâncias descritas em que os factos ocorreram, ao princípio da proporcionalidade e à personalidade do arguido...

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