Acórdão nº 1847/08.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 25/06/ 2008, junto das Varas Cíveis de Lisboa, ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra BB (R.), a pedir que aquela seja declarada como filha deste, alegando, em síntese, que: .

A A. nasceu em 5 de Março de 1961, tendo sido registada como filha de CC, sem menção da paternidade; .

Porém, a A. foi concebida no contexto das relações sexuais ocorridas entre o R. e a mãe daquela, que então trabalhava como empregada doméstica interna na casa dos pais do R., no período que decorreu entre 5 de maio e 5 de setembro de 1960.

.

O R., então confrontado com a gravidez da mãe da A., assumiu a paternidade, mas a família daquele expulsou-a de casa, não permitindo que tal assunção se concretizasse; .

Entretanto, a A., após o seu nascimento, viveu com a avó materna até aos sete anos, depois com a mãe no período escolar e, mais tarde, com um tio e padrinho, só saindo de casa quando casou, nunca a mãe da A. tendo esclarecido a identidade do seu pai. 2.

O R. apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela A. e invocando ainda a caducidade, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1817.º aplicável por força do art.º 1873.º do CC, considerando que a ação só fora intentada em 25 de Junho de 2008.

  1. A A. replicou quanto à matéria da exceção, sustentando que “hoje, como mulher e mãe, pretende ver a sua identidade reconhecida, já que a falta de reconhecimento por parte do seu pai sempre a marcou e afetou negativamente”.

  2. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção de caducidade deduzida, sendo, de seguida, selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

  3. Entretanto, o R. interpôs recurso daquela decisão para a Relação de Lisboa, no âmbito do qual se decidiu recusar a aplicação do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por inconstitucionalidade material fundada na violação do princípio da confiança.

  4. Interposta revista dessa decisão, o STJ manteve o acórdão recorrido na parte em que confirmou a sentença da 1.ª instância, sem, porém, se pronunciar sobre a referida inconstitucionalidade, por entender que tal questão se encontrava prejudicada.

  5. Seguidamente, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no qual se julgou não ser inconstitucional o n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que admite a prescrição do direito a investigar a paternidade, dando-se provimento ao recurso e determinando-se a reforma do acórdão do STJ, quanto à questão de constitucionalidade.

  6. Por sua vez, o STJ, reformando o referido acórdão, ainda assim negou a revista, concluindo que a ação era tempestiva e que devia prosseguir.

  7. Realizado o julgamento, foi proferida sentença final, em 07/11/2013, a julgar a ação procedente e, por consequência, a declarar a A. filha do R. e a sua avoenga paterna. 10.

    Mais uma vez inconformado, veio o R. apelar dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, circunscrevendo o objeto do recurso à questão da caducidade, sobre o que foi proferido o acórdão de fls. 241-250, datado de 03/07/2014, a negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

  8. Desta feita, veio o R. interpor revista a título excecional, ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, a qual foi considerada admissível nos termos desta última alínea conforme o acórdão de fls. 288 a 294 proferido pela formação dos juízes deste Supremo Tribunal prevista no n.º 2 do indicado normativo.

  9. O R./Recorrente apresentou alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1.ª – A presente revista tem natureza excecional, face ao disposto no n.º 1 do artigo 672.º do CPC; 2.ª - A apreciação da questão decidenda é claramente necessária para uma melhor e mais segura aplicação do Direito, e os interesses em jogo são de particular relevância social; 3.ª - A tese dominante na jurisprudência alicerça-se em fundamentos que não têm a consistência sólida, no plano da axiologia normativa, para sustentar a doutrina da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, nem se contem na linha delimitadora do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional; 4.ª - A questão decidenda - ser ou não ser a ação de investigação caducável ou prescritível - toca as fronteiras e a essência de direitos de personalidade na vertente da identidade de cada pessoa, e tal circunstância de per si merece dos Tribunais lhe atribuam uma densidade irrecusável no âmbito de "uma melhor aplicação do direito", reforçando argumentos, apontando motivações no quadro de referência a valores, dilucidando questões e aprofundando o Direito; 5.

    ª - Direito melhor fundamentado significa Direito melhor aplicado. E não está excluído liminarmente a este Tribunal responder aos argumentos em que se louva a corrente jurisprudencial dominante, ou então que os reforce, numa atitude dignificadora da função de julgar; 6.

    ª - A natureza da questão decidenda resulta de um processo intelectivo de indução sociológica com ponto de partida na consideração de interesses individuais - o da identidade da pessoa - e com ponto de chegada na esfera colectiva e social. Esta a constituir a projeção sócio-lógica dos referidos interesses individuais; 7ª - O acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do CC, na medida em que esta norma previa um prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação de paternidade com a extensão de dois anos contados da maioridade do investigante; 8.

    ª - Fora desse círculo de restrição, a norma do artigo 1817.º do CC continuou incólume, embora a carecer de uma integração ou interpretação jurisprudencial ou legislativa do alcance da caducidade das referidas ações. Mas uma coisa é certa: dos termos do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional não resulta só por si a imprescritibilidade das ditas ações judiciais; 9.ª - Nem as normas constitucionais invocadas pela corrente jurisprudencial dominante impõem tal solução; 10.ª - Daí que as razões invocadas nesta corrente jurisprudencial dominante - não repristinação de qualquer norma anteriormente vigente, direito a conhecer a paternidade como direito inviolável e ou imprescritível, a dignidade da pessoa humana com prevalência sobre o direito do investigado à sua reserva de identidade pessoal - não sejam suficientemente fortes; 11.ª - Os argumentos alinhados pressupõem liminarmente e sem razão que o art.º 1817.º do CC, por força do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional, tenha ficado ferido de inconstitucionalidade material total e absoluta. E já se viu que não; 12.ª - E se assim é então o acórdão n.º 23/2006 não tem vocação positiva para repristinar qualquer norma, já que a norma do art.º 1817.º do CC continua em vigor, fora do círculo de hipóteses em que foi considerada inconstitucional; 13.ª – E, por isso, a decretada inconstitucionalidade do art.º 1817.º do CC não deixa sem prazo de caducidade as ações de investigação de paternidade; 14.ª - As declarações de princípios filosóficos enformadores da Constituição não impõem apoditicamente a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade. A identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1 e 3 da CRP) e a identidade genética não impõem tal solução, embora esta não contrarie os ditos princípios inseridos na Constituição. E está bem de ver que a metodologia de análise é a que parte da legislada e vigente regra da caducidade das referidas ações para os princípios filosóficos apontados, e verificar se estes têm a força suficiente, para em movimento mental "descendente" impor a inconstitucionalidade da prescritibilidade das ações de investigação. E é óbvio que não têm; 15.ª - A lei ordinária tem assim competência para, no quadro constitucional vigente, estabelecer prazos de caducidade às ações de investigação de paternidade; 16.ª - A ordem jurídica portuguesa estabelece um prazo máximo ordinário de prescrição: 20 anos. E este foi ultrapassado largamente pela recorrida; 17.ª - Daí que a declaração de inconstitucionalidade do art.º 1817.º do CC, ainda que interpretada no seu alcance máximo admissível...

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