Acórdão nº 5152/19.3T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-08

Ano2022
Número Acordão5152/19.3T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, pessoa colectiva número ..., com sede à ..., Azambuja intentou contra B, NIPC ..., com sede em R. …, 39, apartado …, 4002-001 Porto a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) Pagar à autora a quantia de 72 829,03 €, relativa ao valor da reparação do veículo de 1 885,23 €, acrescido de juros de mora desde a data do sinistro até à presente data (calculados à taxa legal em vigor para cada ano), num total de 1 083,00 €, e ainda o valor referente à paralisação do veículo entre a data do sinistro e a data da ordem de reparação (23-05-2013), o que calcula em 69 861,00 € (80,30 €/870 dias), tudo acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento.
Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 8366931):
Ø A autora, no âmbito da sua actividade de construção civil, detém diversas viaturas para sua utilização, entre elas, o veículo ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi Canter, matrícula 13-…-64;
- No dia 16 de Dezembro de 2010 deu-se um sinistro com a intervenção deste veículo e a viatura ...-44-08, com a apólice n.º ..., pertencente ao Sr. António ..... e segurado pela aqui ré, B, sendo responsável o condutor desta viatura;
- Efectuada a participação às seguradoras, a peritagem ao veículo da autora veio a ser realizada apenas em 9 de Outubro de 2012, tendo sido classificada como “condicional”, tendo a ordem de reparação do veículo e respectivo pagamento concedidos pela ré à autora a 23 de Maio de 2013, data em que ficou finalizado o processo de instrução e foi por aquela assumida a responsabilidade pela ocorrência;
- A autora procedeu à reparação do veículo por dele necessitar, o que já tinha sucedido quando a ré emitiu ordem de pagamento para a oficina onde inicialmente se encontrava o veículo;
- O autor solicitou o valor da reparação através de diversos contactos, a que a ré respondeu apenas em 5 de Dezembro de 2017, referindo ser sua intenção ressarcir pelo valor de 1 532,71 €;
- Posteriormente, a autora reclamou junto da ré o valor devido pela paralisação do veículo e juros de mora desde a data do sinistro e a data da ordem de reparação, por a esta ser imputável a demora na respectiva execução, o que calcula a uma taxa diária de 80,30 €/dia, num total de 870 dias, o que perfaz 69 861,00 €.
A ré deduziu contestação invocando a excepção de prescrição com fundamento no facto de a autora conhecer o pretenso direito a uma indemnização desde o dia 16 de Dezembro de 2010, pelo que, nos termos do art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, o seu direito prescreveu no dia 16 de Dezembro de 2013, não tendo existido qualquer causa de interrupção do prazo de prescrição; ainda que se considere que o prazo se interrompeu com a carta de 23 de Maio de 2013, ainda assim o novo prazo que então teria começado a correr se teria completado em 23 de Maio de 2016, muito antes da interposição da acção, pelo que pugna pela sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 8562818).
Quanto ao mais, confirmou a existência do contrato de seguro responsabilidade civil automóvel celebrado com António ....., em 20 de Maio de 2009, titulado pela apólice n.º 004520418952, abrangendo a responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros; mais refere que os danos materiais no veículo não determinaram a sua imobilização, nem foi necessário reboque, pelo que se a autora com ele não circulou durante 870 dias foi porque não quis, tendo a ré se proposto pagar indemnização pelos três dias necessários para a reparação; a ré tentou assumir as despesas inerentes à reparação do veículo, por valor que a autora não aceitou; a ré solicitou à seguradora da autora elementos necessários para a emissão de novo recibo de regularização do valor orçamentado e apenas em 2017 a autora enviou parte dessa documentação, não tendo aceitado que a ré pagasse a reparação do veículo, pelo que nunca poderá ser condenada no pagamento de juros de mora.
Conclui pela sua absolvição de todos os pedidos formulados.
Em 29 de Janeiro de 2020 foi proferido despacho convidando a autora a responder, querendo, à matéria da excepção de prescrição (cf. Ref. Elect. 143754546), o que aquela veio fazer, por requerimento de 14 de Fevereiro de 2020 (cf. Ref. Elect. 9367495).
Nesse requerimento refere a autora:
- À data do sinistro não sabia nem podia saber a quem cabia a responsabilidade, se à seguradora ou a si próprio, pelo que não tinha então o conhecimento de qualquer direito:
- Na carta da ré de 23 de Maio de 2013 consta apenas a seguinte informação: “assume a ocorrência”, e a “ordem de pagamento foi emitida à oficina reparadora”, pelo que tal data não releva para o início de contagem do prazo prescricional, pois não contém todos os elementos essenciais para que a autora tomasse conhecimento da existência do seu direito;
- Existiram várias comunicações entre a autora e a ré posteriores a essa data que devem ser entendidos como factores interruptivos desse prazo;
- A ré só reconhece o direito da autora em 5 de Dezembro de 2017, data em que envia uma comunicação a assumir a ocorrência e o valor a pagar pela reparação do veículo sinistrado, pelo que só nessa data a autora teve conhecimento de todos os elementos que permitem concluir pelo seu direito, pelo que a prescrição só ocorreria em 5 de Dezembro de 2020, muito depois da interposição da acção;
- Em 10 de Abril 2018 a ré volta a assumir perante a autora o seu direito ao ressarcimento dos danos, porém com a atribuição de um valor muito inferior ao da reparação do veículo.
Concluiu pela improcedência da excepção de prescrição.
Em 14 de Abril de 2021 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 148067447):
“Audiência Prévia
Nos termos do disposto no art. 591.º do Código de Processo Civil, a Audiência Prévia tem, entre outras finalidades, o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Atendendo a que nos presentes autos, o Tribunal considera encontrar-se habilitado a conhecer da exceção invocada e discutida nos autos, salvaguardando-se a possibilidade de produção de alegações por escrito, não vislumbramos, ao abrigo do dever de gestão e eficiência processuais – art. 6.º, n.º 1, do CPC – qualquer necessidade em designar Audiência Prévia, com vista proferir decisão.
Notifique as partes para, no prazo de dez dias, oferecerem alegações por escrito, querendo e pronunciarem-se, expressamente, quanto à anuência da dispensa da realização de Audiência Prévia.”
Por requerimento de 26 de Abril de 2021 a autora declarou “expressamente anuir à dispensa de realização de audição prévia” e quanto à excepção invocada reiterou o anteriormente exposto no requerimento de resposta, designadamente, que só tomou conhecimento do seu direito em 5 de Dezembro de 2017, sendo esta a data a partir da qual se conta o prazo de três anos previsto no art.º 498º do Código Civil, embora da parte da seguradora tenha existido um incumprimento contratual face às obrigações assumidas no contrato de seguro quanto à regularização do sinistro, pelo que o prazo de prescrição é de vinte anos (cf. Ref. Elect. 10824734).
Por requerimento de 29 de Abril de 2021, a ré declarou não vislumbrar necessidade de realização da audiência prévia e expressamente concordou com a sua dispensa; reiterou a prescrição do direito da autora, por estar em causa uma relação de natureza extracontratual, não tendo por base qualquer contrato, pelo que o prazo prescricional é o previsto no art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, sendo que basta para o seu início que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, o que teve lugar em 16 de Dezembro de 2010, não tendo a carta de 23 de Maio de 2013 a virtude de interromper a prescrição e, ainda que assim não fosse, sempre o novo prazo de prescrição teria findado em 23 de Maio de 2016, pelo que o direito alegado pela autora deve ser julgado prescrito (cf. Ref. Elect. 10837575).
Em 18 de Maio de 2021, em face das alegações de direito produzidas pelas partes e do seu consentimento para efeito de dispensa da realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou verificada a excepção de prescrição e absolveu a ré do pedido deduzido pela autora (cf. Ref. Elect. 148516052).
Inconformada, a autora vem interpor o presente recurso cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 148516052):
a) A. e R. celebraram entre si um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, apólice nº 04954264.
b) Decorrente de um sinistro a R. incorreu na responsabilidade de pagamento referente à reparação do veículo sinistrado da A.
c) A A., aqui recorrente, intentou acção declarativa para que fosse reconhecido o incumprimento por parte da R. no pagamento a si devido e correspondente indemnização com base nesse incumprimento.
d) Em sede de contestação a Ré defendeu-se por excepção.
e) Alegou a R. a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.
f) O Tribunal a quo decidiu sem realização de audiência prévia.
g) Concluindo que a causa era suficientemente simples e que a verificação da excepção peremptória de caducidade do direito era suficiente para absolver a R. no pedido.
h) Porém, analisou e decidiu o Tribunal a quo a excepção de prescrição com base nas disposições que regem a responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 498º do CC.
i) Quando na verdade estamos perante uma responsabilidade fundada em contrato celebrado entre as partes, cujo prazo de prescrição não se verificou conforme dispõe o art. 309º CC.
j) Erradamente, impediu o Tribunal a quo a apreciação do direito do A..
k) Assim como impediu a realização de todos os meios de prova para a correta decisão da causa.
l) Truncando, de forma intolerável, o direito da A., que se funda não só no direito de alegar como, também, no direito de realizar a actividade
...

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