Acórdão nº 128/04.8TAVLC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução21 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, e no âmbito do processo comum nº 128/04.8TAVLC.P1, por acórdão de 16.04.2013, o arguido AA foi julgado e condenado: A − Pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de: - Um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de cinco anos, acompanhada de regime de prova que assentará num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, e subordinada ao cumprimento do dever de pagar à ofendida, ora assistente, “BB, Lda.”, dentro do referido prazo de suspensão de cinco anos, a quantia de €200.000,00 (duzentos mil euros), correspondente a parte do montante da indemnização devida à lesada e que infra se indicará; B. Na procedência parcial do pedido de indemnização cível a pagar à ofendida-demandante a quantia de € 607.211,61 (seiscentos e sete mil, duzentos e onze euros e sessenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação do arguido para contestar o respectivo pedido até integral pagamento, à taxa legal actual de 4%, e àquela que em cada momento vigorar.

  2. Inconformado com tal decisão, o arguido e demandado AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12.03.2014, julgando improcedente o recurso, decidiu, sem voto de vencido, manter integralmente o acórdão condenatório proferido pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra.

  3. Ainda irresignado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, o arguido e demandado AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da motivação que apresentou as seguintes conclusões: «

    1. O recorrente viu confirmada a sentença de 1ª a instância que o condenou pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado; um crime de burla qualificada, na pena única de 5 anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 5 anos, subordinada ao cumprimento do dever de pagar à ofendida, "BB, LDA”, dentro do prazo de suspensão de 5 anos, a quantia de e 200.000,00, e ainda no pagamento do remanescente da quantia de e 607.211,61.

    2. Inconformado com este acórdão e limitado à parte cível, apenas por imposição legal vem o recorrente rogar a Vossas Excelências que atendam no que se irá expor, pois entende que o Tribunal recorrido não atendeu a um aspecto de extrema importância para se fazer justiça no caso concreto.

    3. Do douto acórdão recorrido resultou provado que: Em 27/02/03, CC instaurou a execução, correspondente à acção declarativa de condenação nº. 351/2001, contra a assistente, aí executada, para efeitos de cobrança coerciva de um total de Esc. 124.999.783$00 a qual prosseguiu os seus trâmites de lei, nomeadamente com a penhora de património daquela.

      Em 20/05/03, DD instaurou contra CC, o arguido e a assistente, aí réus, acção declarativa de simples apreciação, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Baião, com o nº. 290/03.7TBBAO, para efeitos da declaração de que a sentença proferida, na acção declarativa de condenação nº. 351/2001, resultou de simulação processual bilateral das partes (o Tribunal recorrido sustenta que causou com este processo onde ocorreu a simulação processual a quantia de € 378.419,00).

    4. Foi proferida sentença, no referido processo nº. 290/03.7TBBAO, que declarou nula a sentença que homologou a transacção no processo nº. 351/2001, do qual resultou a simulação e consequentemente a execução onde foram adjudicados os bens da demandante ao falecido pai do arguido também foram anuladas.

    5. Consta da sentença no que concerne à indemnização civil que: F) Na acção executiva, intentada pelo pai do arguido, CC, contra a ora assistente, em consequência da mencionada actuação do arguido respeitante à citada acção nº. 351/2001, à ora assistente foram penhorados os seguintes bens, que faziam parte do seu património: BENS IMÓVEIS: i . Um prédio urbano constituído por casa de cave, andar e águas furtadas, com área de 600 m2, sito no lugar de Pinheiro Manso, freguesia de São Pedro de Castelões, concelho de Vale de Cambra e inscrito na matriz sob o artigo 1491, que foi adjudicado no âmbito da mencionada execução ao ali exequente, pai do ora arguido, pelo valor de € 200.000,00; ii . Um prédio urbano, constituído por edifício de rés-do-chão e logradouro, com superfície coberta de 648 m2 e descoberta de 3.602 m2, destinado a armazém de vinificação e engarrafamento de vinhos, sito no lugar de Vale Escuro, freguesia de Frende, concelho de Baião, inscrito na matriz sob o artigo 503º, descrito na CRP sob a ficha n. ° 00313/090993, que foi adjudicado no âmbito da mencionada execução ao ali exequente, pai do ora arguido, pelo valor de €100.000,00; BENS MÓVEIS (...) tendo os bens móveis o valor total de €378.419,00.

      No âmbito da mencionada execução, todos os referidos bens móveis e imóveis foram adjudicados e determinada a sua entrega ao ali exequente, pai do arguido, CC, pelos valores parcelares supra expostos e, assim, no valor total de € 378.419,00.

    6. O arguido foi condenado a pagar uma indemnização no montante de € 607.211,61, sendo que o montante de € 378.419,00 diz respeito aos bens que foram adjudicados ao pai do arguido na execução, que veio a ser declarada nula.

    7. O que significa que esse prejuízo não se verificou, pois ao ver declarada nulo o negócio de transferência do bem, e revogada a douto sentença que homologou a transacção que teve deu origem à execução na qual se penhorou o património, passa a não existir prejuízo para a demandante.

      Assim, pelo menos do montante de € 378.419,00 terá que ser absolvido.

    8. Por último, mas não menos importante, é a condição de suspensão da pena de prisão que o Tribunal impôs ao arguido, ou seja o pagamento de € 200.000,00.

    9. Desde logo e pelos motivos supra expostos o valor da indemnização terá necessariamente que ser reduzido.

    10. Depois a condição é desajustada e desproporcional aos factos.

    11. Aceitar tal condição é violar os preceitos constitucionais, uma vez que transforma a condição numa pura e simples forma de obtenção do pagamento coercivo dessa indemnização, pagamento coercivo sob a ameaça de eventual cumprimento de uma pena de prisão.

    12. Dessa forma, poderia estar aberta à lógica subjacente à "prisão por dívidas”, contrária aos princípios básicos da Constituição e do sistema jurídico-penal que nos regem.

    13. O condicionamento da suspensão de execução da pena ao pagamento da indemnização devida pelo condenado em consequência da prática do crime há-de justificar-se, por isso, à luz dos fins gerais das penas, não como um modo mais eficaz, no confronto com os meios executivos normais, a que a ofendida sempre poderá recorrer, de cobrança coerciva dessa indemnização.

    14. Se assim não fosse, a opção pela suspensão de execução da pena, justificada à luz da preferência legal por penas não privativas da liberdade e dos malefícios da pena de prisão na perspectiva da inserção social do condenado frustrar-se-ia através desse condicionamento e da impossibilidade prática de pagamento dessa indemnização.

    15. Atendendo à modesta situação económica do arguido, isso traduzir-se-ia na frustração prática da suspensão de execução da pena, pela real impossibilidade de pagamento dessa indemnização, com o que seria afectada a finalidade subjacente à opção por tal pena.

    16. O Tribunal recorrido refere é razoável a imposição imposta para a suspensão da pena, pois a situação pessoal do arguido que tem casa própria e encontra-se em processo de partilhas por morte do pai. Este argumento não é válido, pois desde logo desconhecia o Tribunal o valor de tais bens.

    17. O acórdão recorrido violou assim o disposto nos artigos 483º, 562º e 563º do Código Civil e o artigo 51º do C.P».

      Rematou o recorrente no sentido de que o acórdão recorrido deverá ser revogado e, reduzido o valor do pedido de indemnização civil, há-de ser revogada a suspensão da pena de prisão, sob condição de proceder ao pagamento de tal valor.

  4. Por despacho de 20.05.2014 (confira-se folhas 2720) do Juiz Desembargador relator, o recurso em causa não foi admitido com o fundamento de que o acórdão de 12.03.2014 do Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão que, proferida em 1ª instância, condenou o arguido na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na execução por igual período, logo pena não privativa de liberdade.

    De onde que, nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, o recurso não é admissível.

  5. Deste despacho de não admissão do recurso, o recorrente AA reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando, em suma, que não recorreu da decisão na parte criminal mas, apenas da parte da decisão relativa à indemnização civil, sendo o recurso admissível nos termos do artigo 400º, número 3, do Código de Processo Penal.

    Por despacho de 13.10.2014 do Vice-Presidente deste Tribunal, foi deferida a reclamação, por se considerar, em resumo, que face ao valor do pedido de indemnização civil e de condenação e ainda o disposto no artigo 7º da Lei nº 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” o artigo 4º do Código de Processo Penal, não haver impedimento resultante da dupla conforme que só relevará quanto ao montante indemnizatório e não quanto à forma e modo de pagamento que o reclamante também põe em causa, é o recurso admissível, nesta parte, nos termos do artigo 400º, números 2 e 3, do Código de Processo Penal.

    Em consequência do assim decidido, foi o...

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