Acórdão nº 212/12.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1 – AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, todos devidamente identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus no pagamento de EUR 29.481,96, acrescido de juros de mora já vencidos, no montante de EUR 565,41, e vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 20/9/1995, o A. celebrou com II, entretanto falecido, um contrato promessa de compra e venda relativo a uma subcave de um prédio urbano, que identifica, pelo preço de Esc. 3.000.000$00 (equivalente a EUR 14.740,98), tendo entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de Esc. 1.100.000$00.
Em 18/8/1997, o autor pagou ao promitente vendedor a última prestação do preço convencionado, passando, desde então, sem oposição de quem quer que fosse, a utilizar a subcave como arrecadação, cedendo o seu uso a terceiros, fazendo obras de remodelação e pagando as despesas de água, eletricidade e gás.
Em 17 de março de 2006, após o falecimento do promitente vendedor, a ré BB, mandou arrombar a porta da subcave e proceder à sua substituição, desta forma impedindo o autor de aceder ao seu interior.
Na sequência deste facto, o autor instaurou contra os herdeiros do falecido II (ora réus) uma ação judicial, pedindo, além do mais, a condenação dos ali réus a restituir-lhe a subcave, objecto do contrato promessa (doravante apenas designada como “subcave”).
Nesse processo, a ré BB contestou, alegando serem, os demandados, os proprietários da subcave, por a terem adquirido por sucessão, pedindo, em reconvenção, a condenação do autor a reconhecer o seu direito de propriedade e a restituir-lhe a subcave.
Foi, então, proferida sentença, já transitada em julgado[1], que condenou o ora autor a reconhecer que a ré/reconvinte BB é comproprietária da subcave e a determinar a sua restituição à dita ré.
Em cumprimento do julgado, o autor, em 8 de Abril de 2011, entregou a subcave à ré.
Nesta conformidade, entende o autor que a situação descrita configura um incumprimento pelos réus do contrato promessa, assistindo-lhe, portanto, o direito à restituição, em dobro, do sinal entregue.
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Citados os RR.
[2], apenas contestou a ré BB, pugnando pela improcedência da ação, por alegada inexistência de incumprimento definitivo e pedindo, por via reconvencional, a condenação do A. a pagar-lhe: a) A quantia que se vier a liquidar posteriormente, a título de enriquecimento sem causa, na medida em que o autor nunca entregou qualquer contrapartida pela utilização indevida do imóvel durante nove anos; b) A importância de EUR 3.409,50, acrescida de juros de mora, a título de indemnização, montante que a ré se viu obrigada a despender em obras de reparação do imóvel, em consequência de atos praticados pelo autor que o tornaram inabitável.
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Foi proferido despacho saneador em que, além do mais, se absolveu o autor da instância reconvencional quanto ao pedido mencionado em supra nº 2, alínea a).
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, e o pedido reconvencional improcedente: - Condenou os réus, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de EUR 29.481,96, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, desde a data da citação e até integral pagamento; - Absolveu o autor/reconvinte do pedido reconvencional.
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Inconformada com a sentença, na parte em que condenou os réus no pedido formulado pelo autor,[3] a ré BB interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de …, com um voto de vencido, confirmado a decisão da 1ª instância.
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De novo inconformada, aquela ré interpôs recurso de revista.
Nas suas alegações, disse a título de conclusão (transcrição): 1. O douto acórdão do Tribunal da Relação de … do qual se recorre manteve o decidido pela 1ª Instância, não alterando a matéria de facto que esta deu por provada e limitando-se a remeter para os termos da matéria de Direito da decisão da 1ª Instância, a qual determinou que "estando comprovado nos autos o incumprimento definitivo do contrato-promessa outorgado entre o aqui Autor e II, há fundamento para a resolução do contrato (implicitamente contida no pedido de condenação dos Réus no pagamento do dobro do sinal) " e condenando os Réus, entre os quais a aqui Recorrente "enquanto herdeiros de II, no pagamento da quantia de €29.481,96, correspondente ao dobro do sinal pago pelo Autor ao suprarreferido II" acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.
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Deu por provado o Tribunal de 1ª instância e reiterou o Venerando Tribunal da Relação que, a 20 de Setembro de 1995, II, prometeu vender ao A. um objecto não transacionável - a subcave de um prédio indiviso sito na Rua …, n.º … a …-A, em Lisboa - de um prédio que não pertencia ao vendedor- pois era apenas um dos herdeiros da herança proprietária do mesmo - pelo valor de €3.000,000,00 (três milhões de escudos), valor cujo pagamento se concluiu a 18 de Agosto de 1997 (vd. factos provados 1 a 5 e 9 a 16), sendo certo que o prazo para outorga da escritura pública de compra e venda da referida subcave tinha sido fixado pelos outorgantes para 10 de Julho de 1997 (vd. facto provado 32).
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Mais deu por provado o Tribunal de 1ª Instância e reiterou o Venerando Tribunal da Relação, que, em 20 de Setembro de 1995, o A. sabia que a referida subcave não era uma fracção autónoma, uma vez que não se encontrava constituída a propriedade horizontal relativa ao prédio onde esta se situa, e sabia também que o II não era o respectivo proprietário (vd. facto provado 29).
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Deu, ainda, por provado o Tribunal de 1ª Instância e reiterou o Venerando Tribunal da Relação, que o A. deteve a referida subcave e a utilizou e arrendou a terceiros, desde esse dia 18 de Agosto de 1997 e até 17 de Março de 2006, data em que a R. mandou substituir a fechadura da respectiva porta (vd. factos provados 17, 18 e 22).
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Insolitamente e, salvo o devido respeito, ao arrepio das regras sobre o ónus da prova, consignou o Tribunal de 1ª Instância e reiterou o Venerando Tribunal da Relação, como "não provado" um facto negativo o de que (sic) "quer em vida, quer depois da morte de II, o A. nunca interpelou os RR. para cumprimento do [sobredito] contrato [promessa]”, asserção esta, por tal, inexistente sendo, isso sim certo, que não existe, nos autos, qualquer prova que tal tenha ocorrido.
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Salvo o devido respeito, resulta incompreensível e inaceitável a decisão de (i) conferir ao A. o direito a receber da herança que a R. integra o dobro do valor que aquele pagou, em 18 de Agosto de 1997, por conta da compra de um bem que o R. sabia não ser transacionável e não pertencer à pessoa que lho prometeu vender, bem este que, durante nove anos e nove meses, o A. arrendou a terceiros, fazendo suas as rendas que cobrou; (ii) fundamentar esse direito do A. num incumprimento, pela herança R., de um contrato que o A. manifestamente sabia, logo no momento em que o outorgou, ser impossível de cumprir sem que, pelo contrário, fosse feita qualquer prova do incumprimento culposo da herança R. de uma qualquer sua efetiva obrigação contratual, nem facultada a prova do contrário - ou seja, da boa-fé da Recorrente.
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Começando-se por onde acima se concluiu, adere-se ao douto voto de vencido ínsito no douto acórdão recorrido, o qual assenta num princípio básico do processo, que é o de que todas as alegações das partes que possam ter interesse para a decisão da causa, devem ser trazidas ao processo e conhecidas pelo Tribunal.
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Como bem refere o douto voto de vencido, a R. alegou, no art.° 56.° da sua contestação que o A. era "visto, bem como as pessoas que ocupavam a subcave, quer antes quer depois de 1997, pela R. BB como arrendatários de um bem da herança", só tendo esta consciência que este se arrogava promitente-comprador do mesmo (sic art.°57.°) "após ter sido nomeada cabeça-de-casal e ter assumido a administração do património da herança indivisa, e após ter constatado que o A. não era inquilino da herança" sendo que, então, "a R. BB opôs-se de imediato à posse do referido bem, tendo inclusivamente mandado substituir as chaves do referido imóvel".
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E como refere o douto voto de vencido "essa factualidade suprarreferida alegada pela R. BB não foi levada ou incluída na base instrutória, a qual se torna essencial para a descoberta da verdade material, nomeadamente com vista ao apuramento global de toda a atuação que motivou a substituição da fechadura da subcave pela R. BB. Por outras palavras dir-se-á que toda a matéria fáctica acima enunciada será de primordial importância para demonstrar (ou não) que a conduta da R. BB preenche os requisitos da figura da recusa do cumprimento, dai se retirando, posteriormente, as devidas consequências jurídicas".
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Acrescentando que "estando em causa a elaboração da base instrutória, não são aplicáveis as normas do NCPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, mas sim o anterior Código, em conformidade com o princípio lex tempus regit actum: se o novo Código de Processo Civil de 2013 só entrou em vigorem 01-09-2013, não poderia regular um ato processual já integralmente passado.
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Constituem a base instrutória os factos que sejam relevantes para a decisão da causa segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, como estatuía do art 511º, n° 1, do CPC, aplicável ao processamento anterior à decisão impugnada. Não está, por isso, vedado ao Tribunal proceder à ampliação da base instrutória, nos termos do art.º 650°, n° 1, f), do CPC, de igual modo o podendo fazer o Tribunal da Relação, mesmo de forma oficiosa, levando até à repetição do julgamento [ex vi art.º 712º, n° 4, do CPC, atualmente art.º 662° n° 2 c) do NCPC], na verificação de uma situação objetiva de falta de seleção de factos relevantes à decisão da causa.
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