Acórdão nº 1097/16.7T8FAR.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

AA intentou a presente acção declarativa de investigação de paternidade contra BB, pedindo que seja reconhecida como filha do falecido, CC, filho do ora réu.

Articulou, com utilidade que nasceu em consequência das relações sexuais que CC manteve com DD, mãe da Autora, outrossim, foi tratada pelo CC como sua filha, perante outras pessoas.

  1. Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo a improcedência da acção e sustentando que existia violação do caso julgado por a acção de averiguação oficiosa ter sido declarada improcedente.

  2. O Juízo de Família e Menores …. julgou procedente a exceção de caso julgado.

  3. Por acórdão do Tribunal da Relação ….. a referida decisão foi revogada, tendo sido interposta revista.

  4. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão desta Relação que revogou a decisão proferida em 1ª Instância que julgara procedente a exceção de caso julgado.

  5. Remetidos os autos à 1ª Instância foi elaborado despacho saneador e ali fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

  6. Procedeu-se à realização de prova pericial visando apurar a paternidade, com exumação do cadáver do falecido CC.

  7. Calendarizada e realizada a audiência final, o Juízo de Família e Menores de …. proferiu sentença, em cujo dispositivo consignou: “a) declarar que a ora Autora AA, nascida a .. de Setembro de 1984, é filha biológica de CC, este nascido a .. de Julho de 1964 e falecido a .. de Janeiro de 2016, no estado de solteiro.

    1. condenar o Réu BB a reconhecer o referido em a).

    2. determinar o averbamento dos registos respeitantes à paternidade e à avoenga paterna no respectivo assento de nascimento de AA.

  8. Inconformado com a aludida sentença, o Réu/BB interpôs recurso de apelação, tendo a Relação conhecido do respetivo objeto, proferindo acórdão em cujo dispositivo enunciou: “Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a douta sentença recorrida.” 10.

    O Réu/BB insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões: “A. O presente recurso tem como objecto toda a matéria do douto Acórdão que decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo apelante ora recorrente.

    1. Não obstante, com o devido respeito e salvo melhor opinião entende o recorrente quanto ao “thema decidendum” se fora mais abrangente, estaria também delimitado, pela factualidade enunciada na contestação do ora réu, inerente ao abuso de direito, quando relacionado com à obtenção de vantagens económicas por via da sucessão pela ora autora.

    2. Nesta esteira, não pode nunca o recorrente conformar-se que tenha o Tribunal ad quem confirmado a decisão do Juízo de Família e Menores de .... em declarar que a Autora AA, nascida a .. de Setembro de 1984, é categoricamente filha biológica de CC, este nascido a .. de Julho de 1964 e falecido a .. de Janeiro de 2016, no estado de solteiro.

    3. Ao tempo em que foi proferido este Acórdão, estava em vigor a Lei nº 14/2009 de 1.4 que, alterando o nº1 do art.1817º do Código Civil, estabeleceu, como regime-regra, o prazo de caducidade de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação do investigante.

    4. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 187/09.7TBPFR.P1.S1, decidiu-se: “a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817º n.º 1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante; b) Não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 1817º do Código Civil, quando impõe ao investigante, em vida do pretenso pai, um prazo de três anos para interposição da acção de investigação de paternidade”.

    5. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão, reafirmou a doutrina do Plenário daquele Tribunal, que, chamado a pronunciar-se nos termos previstos no n.º 1 do artigo 79º-A da LTC, decidiu, no Acórdão n.º401/2011, in Diário da República, 2ª Série, de 3 de Novembro de 2011: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817º n.º 1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.

    6. A Mma. Juíza “A Quo” em 1ª instância considerou verificado, todos os pressupostos do caso julgado exigidos pelos normativos do artº 581º do CPC, em virtude de ter sido julgada improcedente a acção de investigação de paternidade nº 103/85 intentada no Tribunal Judicial .............. há 31 anos.

    7. Inclusive o filho do Recorrente na primeira acção, encontrando-se vivo e de boa saúde, contestou a acção negando a manutenção de relações sexuais com a mãe da menor e invocando já nesse momento nada ter com a mãe da autora, para fundamentar a improcedência da acção, tendo a sentença lhe sido favorável.

      I. Na fundamentação de Direito da douta sentença salienta-se que, a alínea a) do artº 1871º do CC dispõe-se que a paternidade presume-se quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público, o que não é, nem nunca foi o caso, e em vida o filho do Recorrente rejeitou tal paternidade.

    8. Ora manifestamente nunca foi o caso, pois em boa verdade foi necessário o óbito do presumível pai para a A. intentar a acção de investigação de paternidade, nunca assumida em vida pelo filho do Recorrente.

    9. Quando o referido acórdão afere a excepção do caso julgado, com a devida vénia por entendimento diverso, confunde a propositura das duas acções, por nada obstar à realização de nova acção de investigação, e aqui descurando por completo o motivo da improcedência da acção oficiosa, bem como a razoável perspectiva da caducidade para a propositura daquela outra acção de investigação, deixando de concluir de forma implícita, porque neste momento já de conhecimento oficioso, o facto de ter de atender à caducidade para a propositura da segunda acção de investigação de paternidade de acordo com o disposto no art.º1817º n.º 1, conjugado com o art.º 1873º do CC.

      L. O Recorrente está em crer que, independentemente do momento em que se deve alegar os factos essenciais e que o mesmo compete às partes, o conhecimento da caducidade, também pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, sem embargo por exclusão do segmento final do art.º 333º do CC.

    10. E concomitantemente, é o próprio “Tribunal ad quem” que afirma:…”Para nós, em sede de direito de filiação biológica, a caducidade é apreciada oficiosamente”...

    11. O “Tribunal ad quem”, afirma ainda, ao referir que …“No caso em apreço, ficou provado que o pretenso pai manteve relações sexuais com a mãe do menor no período legal da concepção, circunstância prevista na alínea e) do supra enunciado artigo e nada aponta para um quadro de “exceptio plurium”, a não ser na convicção íntima não fundamentada do aqui Réu. Porém, ainda que esse trato sexual não fosse de natureza exclusiva, o que não está minimamente demonstrado, pela exclusividade das relações de sexo.

    12. Mas, está sim, Exmos. Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal Justiça, pois o filho do Recorrente na primeira acção, encontrando-se vivo e de boa saúde, contestou a acção negando a manutenção de relações sexuais com a mãe da menor, para fundamentar a improcedência da acção, tendo a sentença lhe sido favorável.

    13. O prazo-regra de dez anos para investigação da paternidade, previsto no art. 1817º, nº 1, do Código Civil, pese embora estar em causa um direito de personalidade, pessoalíssimo, é um prazo razoável e proporcional que não coarcta o exercício do direito do investigante, no confronto com o princípio da confiança e de tutela dos interesses merecedores de protecção do investigado e, por isso, não enferma de inconstitucionalidade material.

    14. As consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade podem ser restringidas nos seus efeitos à questão de estado - a filiação - não valendo para as consequências patrimoniais desse reconhecimento, permitindo, em casos concretos, afastar o investigante da herança do progenitor, não sendo violado o princípio da indivisibilidade ou unidade do estado, podendo afirmar-se que, em caso de manifesto abuso do direito, o investigante, apesar de reconhecida a sua paternidade, poderá não beneficiar da vertente patrimonial inerente ao status de herdeiro.

    15. É no contexto do abuso do direito que tal distinção de efeitos deve ser enfocada, admitindo que qualquer pretensão jurídica pode ser paralisada se o respectivo exercício for maculado pelo seu abuso – a questão da “caça à fortuna” – nos casos em que o investigante, a coberto de averiguar a sua filiação, da proclamada intenção de conhecer as suas raízes, que apareceria como um propósito legítimo e da maior importância pessoal e social, pretenderia, primordialmente, acautelar aspectos patrimoniais, visando o estatuto de herdeiro para aceder à partilha dos bens do progenitor.

    16. O facto do art. 1817º, nº 1, do Código Civil, na redacção da Lei 14/2009, de 1.4, estabelecer um prazo de caducidade de dez anos, não resolve a questão de saber se, mesmo que se considere imprescritível o direito ao estabelecimento da paternidade, é possível, no plano constitucional ou infra-constitucional, cindir os efeitos dessa declaração, afirmando o direito pessoal, o status de filiação, mas recusar o direito patrimonial se as circunstâncias forem de molde a considerar que o exercício do direito é abusivo - art. 334º do Código Civil - por, a coberto da pretensão do conhecimento da identidade genética, da busca do ser, se visa o ter, para almejar interesses de...

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