Acórdão nº 361/14.4TBVVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) intentaram, em 04/04/2014, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC (R.), alegando, no essencial, que: 1.1.

Os A.A. são proprietários de um prédio urbano, composto de habitação e logradouro, sito no lugar do F…, freguesia da V… do P…, município de V… V…, que confronta a norte com um prédio urbano da R., composto de casas de rés-do-chão com logradouro e quintal, o qual, por sua vez, confronta a norte com a Estrada Nacional n.º 2…5; 1.2.

Até agosto de 1997, aqueles dois prédios pertenceram aos mesmos donos que circulavam neles por onde lhes convinha, nomeadamente por uma faixa de terra batida que se estendia, no lado poente, ao longo de 37,20 metros, a partir do lado sul até ao prédio do A.A., com aproximadamente 80 a 90 centímetros de largura, e desde aí até à estrema norte que confronta com a Estrada Nacional n.º 2…5, numa largura de cerca de 3,40 metros; 1.3.

O referido prédio dos A.A. foi por eles adquirido mediante compra, realizada em 13/05/2005, a DD que, por seu turno, o havia comprado, em 12/01/1998, a EE e marido FF; 1.4.

Por seu lado, o prédio da R. foi também por ela comprado, em 06/08/1997, a EE e marido FF; 1.5.

A partir daí, quer os A.A. quer a R. acediam, tal como os seus antepossuidores, a pé e de automóvel aos respetivos prédios urbanos através da sobredita faixa de terreno do lado poente desde a Estrada Nacional n.º 2…5, situada a norte, faixa essa que se estende, junto da habitação da R., por cerca de 28 metros até ao prédio dos A.A. e na largura de 3,40 metros; 1.6.

Entretanto em ação proposta pela ora R. contra os ora A.A., foram estes condenados, por sentença de 12/04/2010, a abster-se de passar naquela faixa de terreno com veículos motorizados, mas com a permissão de lá passar a pé; 1.7.

Porém, dada a configuração dos referidos prédios, os A.A. não podem aceder com automóvel da Estrada Nacional n.º 2…5 à sua habitação, seja para transportar produtos domésticos, seja para transporte de familiares com dificuldades de locomoção; 1.8.

Nem se mostra viável estabelecer tal acesso pelo lado sul, dada a existência de muros, edificações e de um desnível de cerca de 1,80 metro; 1.9.

Nessas circunstâncias, verifica-se uma situação de encravamento relativo do prédio dos A.A., por insuficiente comunicação com a via pública, a qual pode ser suprida pela constituição de uma servidão legal de passagem a pé e de automóvel pela faixa de terreno que se estende do lado poente da habitação da R..

Concluíram os A.A. a pedir o reconhecimento do direito de propriedade do prédio urbano que lhes pertence e a constituição, em benefício dele, de uma servidão legal de passagem, a pé e de automóvel, sobre a faixa de terreno do prédio da R. que se situa, em linha reta, do lado poente, numa extensão de 28,40 metros com a largura de 3,40 metros, desde a Estrada Nacional n.º 2…5 até à habitação dos mesmos A.A.

  1. A R. contestou a ação, invocando a exceção de autoridade de caso julgado e, no mais, impugnando os factos pertinentes à pretendida constituição da servidão legal de passagem, sustentando que: - O logradouro do lado poente da casa da R. tem uma largura de cerca de 3 metros, dos quais 1,40 metro é ocupado por dois canteiros ajardinados, um deles junto à parede da habitação da R. que tem entrada para a sala de jantar, ficando apenas livre entre aquele a largura de 1,60 metro; - Em 2005, os A.A. demoliram o prédio urbano que haviam comprado, construindo um novo com uma área coberta superior à precedente, destinando-o à sua residência permanente; - Ao executarem as obras, deixaram a fachada principal da casa virada para o terreno sobrante do lado poente com 3 metros de largura e 8,80 metros de comprimento; - Possuindo os A.A. um automóvel Mercedes Benz, aproximadamente, com a largura de 2,20 metros e o comprimento de 4,68 metros, não existe espaço suficiente aparcar a viatura e deixar terreno livre para a servidão de passagem a pé judicialmente reconhecida; - Os A.A., ao terem consentido que o proprietário do lado sul construísse uma parede junto ao logradouro daqueles, impedindo assim o acesso de automóvel à Rua … situada desse lado, criaram uma situação de encravamento voluntário.

    Concluiu a R. pela improcedência da ação e requereu que fosse fixa-da uma indemnização a seu favor por litigância de má fé dos A.A..

  2. Findo os articulados, foi fixado o valor da causa em € 30.000,01 e proferido saneador, a julgar improcedente a exceção de caso julgado ou de autoridade de caso julgado invocada pela R., procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

  3. Após a realização de inspeção ao local, conforme auto de fls. 160/ 161, e concluída a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 166/194, datada de 19/05/2016, a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo-se o seguinte: a) – declarar os A.A. proprietários do prédio urbano como tal acima indicado; b) – declarar constituída, em benefício daquele prédio, a servidão de passagem por pessoas e veículos automóveis sobre o prédio da R. também acima indicado através uma faixa de terreno em linha reta, paralela ao limite poente deste prédio, na largura de 3,40 metros e no comprimento de 28,80 metros, com início a norte, junto à Estrada Nacional n.º 2…5, e termo a sul no limite norte do logradouro do prédio dos A.A.; c) – condenar a R. a abster-se de praticar quaisquer atos que atentem contra e perturbem os assim reconhecidos direitos de propriedade e de servidão predial de passagem dos A.A..

  4. Inconformada com tal decisão, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, em sede de impugnação de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 241-256, datado de 02/02/ 2017, a julgar, por unanimidade, a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão recorrida na parte em que declarou constituída a servidão legal de passagem e condenou a R. em abster-se de atentar contra ela ou a perturbá-la, absolvendo a R. quanto às respetivas pretensões.

  5. Desta feita, vêm agora os A.A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Vem esta revista interposta do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida na parte em que declarou constituída em benefício do prédio dos AA a servidão de passagem a onerar o prédio da R., absolvendo a R. dos pedidos formulados nas alíneas b) e c); 2.ª - Face à oposição e insuficiência da matéria dada como provada para fundar a decisão recorrida e tendo ocorrido violação da lei substantiva traduzida no erro de interpretação e de aplicação da norma em apreço nestes autos, terá o acórdão recorrido de ser revogado, não podendo a R. deixar de ser condenada conforme peticionado ou, caso assim não se entenda, o que não se concede, pelo menos nos mesmos moldes em que o havia sido em 1.ª Instância; 3.ª - Nos presentes autos, em essência, os AA., ora Recorrentes, por o seu prédio urbano não ter qualquer outro acesso à via pública que permita a passagem de um automóvel que não o caminho ora em causa, ao abrigo do disposto no art.º 1550.º e ss. do CC, pretendem que se declare constituída, a favor do seu prédio identificado em 1.º da p.i., uma servidão legal de passagem a pé e com viatura automóvel pela parte da faixa de terreno - (utilizada como caminho pedonal e de automóvel) referida e descrita nos artigos 15.º a 20.º (também da p.i.) - que faz parte do prédio da R., melhor identificado no artigo 10.º dessa p.i.; 4.ª - Das múltiplas alegações produzidas pela R. no seu recurso, e tendo sido todas apreciadas pelo Tribunal “a quo”, apenas lhe foi conferida razão quanto à falta de verificação dos requisitos legais para a constituição da almejada servidão de passagem; 5.ª - A Relação entendeu, sem sustento na lei e/ou nos autos, que a comunicação do prédio daqueles com a via pública não é insuficiente, considerando que a travessia do prédio da R. com automóvel não é condição necessária para a satisfação das normais utilidades inerentes à habitação do prédio urbano dos A.A.; 6.ª - Ora, decorre do art.º 1550.º do CC que os proprietários de prédios que tenham comunicação insuficiente com a via pública têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem mesmo que por terreno alheio; 7.ª - A doutrina dominante vai também no sentido de se considerar encravado, para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem, não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de comunicação insuficiente para as suas necessidades normais.

    1. - Já a mais moderna e avisada jurisprudência adverte que o conceito de insuficiência é relativo e tem de ser ponderado casuisticamente, no sentido de se aferir se a comunicação de que dispõe o prédio encravado com a via pública é insuficiente para as suas necessidades normais e para a sua normal fruição.

    2. - Face à matéria considerada provada nos autos, mormente nos pontos 18, 20, 21 e 29 dos factos provados - que o prédio não tem acesso via pública que permita a passagem de automóvel, não lhes sendo possível aceder da via pública ao seu prédio sequer para transportar os seus familiares e / ou descarregar compras, que a faixa de terreno referida em 17 e 18 (dos factos provados) permite à R. aceder de automóvel, por uma entrada lateral, ao prédio referido em 8 (também os factos provados), apresentando-se em terra batida e sem vegetação desde a estrema norte até ao limite norte da casa aí existente e que o prédio referido em 8 (dos factos provados) tem a sua entrada junto da E.N. e desta até ao limite norte do logradouro do prédio referido em 1, percorre-se uma distância de 28,80 metros, em piso de terra batida - não se compreende nem aceita que se considere, como fez o Tribunal a quo, que não representa excessivo incómodo ou dificuldade terem de...

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