Acórdão nº 77/20.2T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Fonte Ramos 1.º Adjunto: Alberto Ruço 2.º Adjunto: Vítor Amaral Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Banco 1..., S. A., intentou a presente ação declarativa comum contra AA e BB, pedindo que seja constituída uma servidão de passagem pelo prédio dos Réus com 22 metros de comprimento e 3 metros de largura.

Alegou, em síntese: é proprietária da fração autónoma que identifica, que se encontra encravada; existem duas alternativas de acesso ao imóvel da A., uma, pelo móvel contíguo, a nascente, que contempla as duas frações às quais correspondem os n.ºs de polícia ... e ...0 e que seria efetuado através da Travessa ..., passando por uma faixa de logradouro a norte do edificado, e, a outra, através da Rua ..., no lado oposto da Travessa ..., atravessando o logradouro de um imóvel; a segunda alternativa é a adequada, uma vez que a passagem da primeira alternativa é demasiado estreita (não cumpre a função de passagem); a pretendida constituição da servidão é a que representa menor prejuízo e maior utilidade - é a menos prejudicial aos Réus porque é o trajeto viável mais curto e com menor prejuízo para os mesmos.

Os Réus contestaram, por exceção, invocando a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e a exceção perentória de falta de requisitos legais, e por impugnação. Alegaram, nomeadamente: a A. não é dona de todo o edifício - a fração autónoma ... não lhe pertence -, pelo que desacompanhada dos titulares desta fração, é parte ilegítima; o prédio de que faz parte a fração ... tem comunicação com a via pública e os seus habitantes sempre acederam sem dificuldade à via pública, percorrendo uma faixa de terreno com cerca de 17 metros de comprimento por 1 metro de largura; o prédio da A. não é composto por três anexos e garagem, e os arrumos são compartimentos edificados no logradouro e que reduziram a largura da faixa de terreno que serve a fração; ainda que a fração da A. estivesse encravada, a solução de constituir a servidão pelo logradouro do prédio dito do lado nascente, junto à Travessa ..., seria a mais viável por representar menor prejuízo e causar menos inconvenientes ao prédio onerado, sendo que a servidão a constituir no prédio dos Réus ocuparia quase todo o seu logradouro sito nas traseiras.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento - então, a A. reduziu o pedido para a constituição de uma servidão de passagem pelo prédio dos Réus com 22 metros de comprimento e 2 metros de largura[1] -, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 02.8.2022, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Está em causa se deverá ser constituída uma servidão legal de passagem a favor da A. pelo prédio dos Réus com 22 metros de comprimento e 2 metros de largura.

2ª - Os temas de prova reconduzem-se essencialmente na averiguação do encrave do prédio da Recorrente e da possibilidade de acesso ao mesmo, nomeadamente, se o acesso que agora se peticiona, pelo prédio dos Réus, é a passagem menos inconveniente para os seus proprietários.

3ª - O Tribunal a quo confunde a existência de uma eventual passagem para a via pública com a possibilidade real de por lá se passar, importando, por isso, saber se o caminho atualmente existente obsta à constituição da servidão que se peticiona.

4ª - A Meritíssima Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto já que não se descortinam quais os elementos probatórios que levaram o Tribunal a quo à conclusão fáctica de que o imóvel Recorrente não se encontra numa situação de encrave absoluto ou, pelo menos, relativo.

5ª - Não só foi dado como provado que a fração autónoma pertencente à Recorrente não confronta com nenhum caminho público – facto 42 como, na inspeção ao local, foi negado o acesso ao Tribunal pelo caminho da Travessa ....

6ª - Importa também ao desfecho da causa atender que o edifício onde se insere a fração da Recorrente foi outrora pertencente à mesma pessoa e que por isso, os anteriores habitantes da fração autónoma ... sempre acederam à mesma pelo caminho da Travessa ..., o que fizeram ao longo de mais de 20 anos, reiteradamente, à vista de toda a gente.

7ª - A Recorrente pretende dar como provados determinados factos, em especial, a impossibilidade de aceder ao imóvel pela via pública através da Travessa ....

8ª - A este respeito, é claro o depoimento das testemunhas CC e DD, do qual resulta que a proprietária EE sempre dificultou o acesso e ultimamente, tem negado o mesmo, conforme depoimentos transcritos e, claro está, pelo que foi experienciado no local, pelo Tribunal, que no dia da inspeção ao local, viu negado o acesso à fração da Recorrente.

9ª - Razão pela qual deverá constar dos factos provados que “atualmente a proprietária da Fração ... não permite o acesso pela Travessa ...” ou, caso assim não se entenda, “a proprietária da Fração ... não tem permitido o acesso pela Travessa ..., tendo recusado o acesso ao Tribunal no dia 31/5/2022”, o que se pretende ver aditado.

10ª - Daqui se concluiria que o encrave é absoluto, na medida em que existe o acesso à via pública por um caminho que é inultrapassável.

11ª - Caso assim não se entenda, não há dúvidas que esse encrave é relativo.

12ª - Conforme bem salientou o Tribunal a quo “atentas as características do caminho referido no ponto n.º 29) (…) não se mostra fisicamente possível a passagem de um veículo automóvel para este prédio”, conclusão corroborada pelos factos 27), 28), 40 e 41).

13ª - Donde se concluir que a considerar-se existir acesso ao imóvel pela Travessa ..., este acesso é pedonal e feito por escadas, impossibilitando a passagem de veículos, independentemente da largura do mesmo (sensivelmente, de um metro).

14ª - Atendendo a que este facto é extremamente relevante para a integração do conceito legal “comunicação insuficiente com a via pública” deve constar como facto provado que “atentas as características do caminho referido no ponto n.º 29) não se mostra fisicamente possível a passagem de um veículo automóvel para este prédio”.

15ª - Por outro lado, foi dado como provado que o caminho é estreito devendo ser acrescentado que o caminho não permite a passagem de pessoas e bens de dimensões modernas, conforme resulta do depoimento da testemunha FF, que residiu na fração há perto de 50 anos.

16ª - Também a testemunha CC, confirmou que era impossível passar por ali com móveis ou eletrodomésticos ou mesmo uma maca, por exemplo.

17ª - Assim, deve ser dado como provado que “o acesso ao imóvel referido em 2) pela Travessa ... é estreito não permitindo a passagem de pessoas e bens de dimensões modernas”.

18ª - Acresce que, não menos importante é o facto de ter sido dado como provado que as frações ... e ... foram pertença da mesma pessoa e, por isso, a passagem para a fração que agora é da Recorrente, quer pela Travessa ... quer pelo acesso da Rua ... e logradouro que une as frações era sempre possível e de “fácil” acesso pois os proprietários eram os mesmos.

19ª - Diz o senso comum, que sendo necessária a passagem de grandes volumes ou veículos automóveis, o acesso não se faria pela Travessa ... antes sim pelo caminho no qual a Recorrente pretende ser constituída a servidão, facto que foi corroborado pelas testemunhas CC e GG.

20ª - Assim, não se compreende que o Tribunal a quo não tenha valorizado que o acesso também se fazia pela Rua ..., pelo imóvel dos Réus.

21ª - Por outro lado, a Mm.ª Juiz entendeu que a Recorrente não provou que não exista outra passagem possível para a via pública através de outros prédios confinantes, porém, este raciocínio não é conforme à realidade demonstrada pelas fotografias e plantas e pelos Levantamento Topográfico juntos aos Autos.

22ª - Acresce que é o próprio Tribunal a quo que conclui que a passagem da fração para a via pública através da faixa de terreno que confronta com o logradouro seria sempre feita pela Travessa ....

23ª - Ora, como se deixou supra exposto e decorre da prova testemunhal, o acesso por esta via é impossível ou, pelo menos, muito dificultado a pessoas e bens.

24ª - Resulta também, pelas plantas e fotografias que o único acesso viável à via pública é pelo terreno dos Réus, sendo este o mais curto, sendo no entender da testemunha CC, a única alternativa.

25ª - Deste modo, conclui-se que os pontos c), d) e e) devem ser dados como provados.

26ª - É assim manifesto o erro na apreciação da prova pois, dos depoimentos das testemunhas e demais elementos de prova constantes dos autos, em especial, dos documentos juntos, não pode sustentar-se a convicção formada, pois claramente, não tem suporte razoável naquilo que a prova demonstra, sendo que a Recorrente fica com a nítida sensação que a improcedência da ação está sustentada numa mera perceção – injustificada, do Tribunal, que não resulta da prova feita em audiência de julgamento.

27ª - Consequentemente, deve esse Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, aditando aos factos provados: 1. “Atualmente a proprietária da Fração ... não permite o acesso pela Travessa das Escadinhas” ou, caso assim não se entenda, “a proprietária da Fração ... não tem permitido o acesso pela Travessa ..., tendo recusado o acesso ao Tribunal no dia 31.5.2022.” 2.

O acesso ao imóvel referido em 2) pela Travessa ..., é estreito, apenas pedonal e feito por escadas, impossibilitando a passagem de veículos e a passagem de pessoas e bens de dimensões modernas.

3.

O trajeto da Rua ... à fração autónoma descrita em 2), passando pelo logradouro do prédio aludido em 18), é aquele que, dos possíveis de construir, é o mais curto.

4.

Não é possível construir outro caminho, para além daquele referido em c), que seja mais curto que esse, nos demais prédios que confiam com a fração autónoma mencionada em 2).

5.

Os caminhos referidos 29) são os únicos dois acessos...

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