Acórdão nº 761/13.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Procº nº 761/13.7TVPRT.P1 Relator: Nuno Cameira Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso A AA, SA, propôs uma acção declarativa comum contra o BB, SA, (Ex-CC, SA), pedindo a declaração de nulidade da hipoteca, e correspondente registo, que a DD, Ldª, constituiu para garantir uma dívida de outra sociedade - EE, Ldª - perante a ré.

Alegou (artºs 18º a 24º da petição inicial) ser credora da garante por lhe ter prestado diversos serviços e adquirido créditos, dispondo de uma conta corrente com um saldo favorável de 315.609,47 €, pelo que, invocando o interesse na declaração de nulidade, pediu que se considerasse nula a hipoteca constituída pela sociedade por falta de capacidade para, face ao seu fim social, prestar essa garantia, tudo com base nos artºs 160º, 286º e 605º do Código Civil (CC) e 6º, nºs 1 e 3, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Na contestação o réu defendeu a validade da garantia em causa, impugnando a qualidade de credora da autora e afirmando a existência do seu interesse na prestação da hipoteca tendo em consideração as relações entre as várias sociedades intervenientes e as ligações entre os respectivos sócios e gerentes; alegou ainda que a invocação da nulidade por parte da autora constitui abuso do direito, e acusou-a de litigância de má fé.

A sociedade que prestou a garantia, chamada ao processo como interveniente passiva, não apresentou qualquer articulado.

Na 1.ª instância, através de saneador-sentença e sem qualquer produção de prova, deram-se como não provados os factos respeitantes à relação de credor entre a autora e a garante, mas considerou-se a garantia válida por estar demonstrada, quer a existência de um interesse próprio na prestação da hipoteca, quer de uma relação de domínio ou de grupo entre a sociedade garante e a mutuária; consequentemente, julgou-se a acção improcedente.

A autora apelou.

Por acórdão de 7/6/16 a Relação modificou a matéria de facto no que concerne ao facto provado “ae” - “Ambas as sociedades outorgantes do citado contrato de mútuo com a Ré beneficiaram dos fundos que a Ré lhes entregou” - procedendo à sua eliminação, e revogou a sentença, julgando a acção procedente por a factualidade provada se mostrar insuficiente para objectivar a existência de interesse próprio e por não existir qualquer relação de grupo ou de domínio que justificasse a validade da garantia.

Agora é o réu que, inconformado, pede revista, tendo concluído, em resumo, do seguinte modo: 1ª - Ao ordenar a eliminação da alínea ae) dos factos assentes – “ambas as sociedades outorgantes do citado contrato de mútuo com a ré beneficiaram dos fundos que a ré lhes entregou” – o acórdão recorrido violou os artºs 358º, nº 2, 257º, nº 2, do CC, e 607º, nº 3 e 4 e 5, do CPC; 2ª - Tendo em conta que não se provaram os factos articulados nos nºs 18 a 24º da petição inicial, a sentença e, por extensão, o acórdão recorrido violaram os artºs 286º e 605º, nº 1, do Código Civil ao não decretar a ilegitimidade processual da autora; 3ª - Ao decidir que em face dos factos provados não se verifica qualquer relação de domínio ou de grupo que pudesse validar a constituição da hipoteca por parte da DD, Ldª, a favor do réu, o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 6º, nº 3, e 486º do CSC; 4ª - Tendo participado, ainda que indirectamente, no processo que conduziu à celebração do mútuo nos termos em que foi feito sem suscitar nenhuma objecção, e contribuindo objectivamente para a sua consumação, a autora excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes ao intentar a presente acção; não o reconhecendo, o acórdão recorrido violou os artºs 542º do CPC e 334º do CC.

A recorrida contra alegou, defendendo a confirmação do julgado pela Relação.

  1. Fundamentação Matéria de Facto (dada como assente pela Relação): a) - No dia 6/6/06, foi lavrada uma escritura de mútuo com hipoteca, através da qual a DD, Lda, declarou hipotecar a fração autónoma, designada pelas letras “BM”, correspondente a uma habitação no décimo andar, lado direito sul e dois terraços cobertos e balcão, do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito no “Bloco D-três”, Urbanização …, no Gaveto da Avenida Projetada e Paralela à Av. …, da freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz sob o art.º 0353, e descrito na competente conservatória sob o n.º 0529, da citada freguesia, conforme consta do documento junto a fls. 16-32.

    1. - A citada hipoteca foi constituída a favor do CC, SA, que atualmente corresponde ao ora Réu, conforme consta do documento junto a fls 33/43.

    2. - A citada hipoteca destinou-se a garantir o pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir perante o CC, SA, pela sociedade mutuária, provenientes do empréstimo constante do documento complementar anexo a tal escritura, no montante de cento e noventa e um mil quatrocentos e setenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos e respetivos acessórios, que a referida sociedade se obrigou a amortizar conforme o estipulado no mesmo contrato; da taxa de juro estipulada no referido contrato; e das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores, tudo num montante máximo de 273.808,63 €, conforme é melhor indicado no citado documento de fls. 16/32.

    3. - A mutuária no citado contrato foi a EE, Ldª.

    4. - A citada hipoteca foi registada na competente conservatória pela Ap. 23 de 29/3/06, ficando aí a constar o montante máximo assegurado de € 273.808,62, conforme resulta do documento junto a fls. 44/47 e a fls. 250/263.

    5. - Em 6/6/06, o objeto social da DD, Lda, consistia na produção agrícola e compra e venda de imóveis, tal como consta do documento junto a fls. 48/57.

    6. - Atualmente e desde Dezembro de 2012, o objeto social da DD, Ldª, consiste na produção agrícola, compra, venda e arrendamento de imóveis e gestão de imóveis próprios, tal como consta do citado documento.

    7. - A DD, Ldª, foi instituída em 1999, com o capital de 400.000$00, pelas sócias FF, com uma quota de 380.000$00, e GG, com a quota de 20.000$00, tendo em 28 de Junho de 2004 a gerência sido atribuída a HH (doc. n.º 1 da contestação).

    8. - Em 2005/10/06, por divisão da sua quota, a sócia FF cedeu onerosamente uma quota de 897,84 € à II, SA, e outra de igual montante (897,84 €) à JJ, SA, reservando para si uma quota de 99,76 euros (doc. nº 1 da contestação).

    9. - Em 2006/1/30 procedeu a um aumento de capital, ficando o mesmo assim distribuído: - FF – 250,00 €; - GG – 250,00 €; - II, SA – 2.250,00 €; JJ, SA – 2.250,00 € (doc. n.º 1 da contestação).

    10. - Vindo a quota de FF a ser amortizada em 2006/2/2 (doc. n.º 1 da contestação).

    11. - FF que é, por deliberação de 20 de Agosto de 1994, administradora da II, SA (doc. nº 2 da contestação), com uma cláusula de pessoa a nomear no prazo de 50 anos a contar de 15/9/06, em 2006/10/9 a II, SA, cede a sua quota de 2.250,00 € à KK, SA (doc. n.º 1 da contestação).

    12. - Em 2007/1/8 (doc. Nº 1 da contestação) a referida sociedade procede a aumento de capital para 15.000,00 €, com alteração do contrato, ficando o mesmo assim distribuído: - GG – 250,00 € (amortizada); - KK, SA, com...

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