Acórdão nº 116/16.1T8OLH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 116/16.1T8OLH.E1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Instaurou AA a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB.

Alegou essencialmente: É accionista da Serrasul, S.A., sendo o R. BB titular de acções ao portador representativas de 80% do capital social desta mesma sociedade, nela exercendo desde a data da constituição as funções de ....

Em violação dos seus deveres de ... o réu vem praticando, em seu exclusivo benefício, actos lesivos do interesse da sociedade, apropriando-se das rendas e produto da venda da cortiça extraída do prédio rústico denominado Serrasul, S.A., que é o único activo da sociedade, imóvel que intentou já vender, tendo igualmente feito seu o sinal recebido do promitente-comprador.

Tais factos fazem incorrer o R. em responsabilidade civil nos termos do art.º 72, nº 1, do CSC, com a consequente obrigação de indemnizar a Serrasul, S.A., dos prejuízos sofridos, sendo a presente acção instaurada ao abrigo do preceituado no art.s 77º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Conclui pedindo a condenação do réu a pagar à Serrasul, S.A., montante indemnizatório a fixar em valor não inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

Regularmente citado, o R. apresentou contestação.

Essencialmente alegou: O prédio denominado “Serrasul, S.A.” foi destacado de um outro, apelidado de Monte..., que adquiriu por herança, à semelhança do que antes ocorrera com o prédio denominado “M.....”, este adquirido pela Sociedade Imobiliária Medronheira, S.A., de que o autor é também accionista.

Ambos os prédios resultantes das referidas desanexações destinavam-se a ser afectados a um projecto turístico de grande envergadura, tendo sido acordado entre todos os accionistas que a exploração agrícola seria desenvolvida pelo contestante por intermédio da Sociedade Agrícola dos Cadoços, Unipessoal, Lda., revertendo os resultados obtidos em seu proveito conforme vinha ocorrendo desde 1989, e até que fossem vendidos, altura em que o valor da venda seria repartido pelos accionistas como contrapartida dos investimentos realizados.

Tal acordo de cavalheiros justifica o silêncio do autor e demais accionistas durante mais de 10 anos, motivando a presente acção o conhecimento de que a Serrasul, S.A., - a qual nunca se dedicou à exploração agrícola - enfrenta dificuldades financeiras, actuando o demandante em claro abuso de direito e com a única intenção de obter para si ou para terceiro o controle da sociedade e, consequentemente, do seu valioso activo, o que ihe é vedado pelo disposto no nº 5 do artº 77º do Código das Sociedades Comerciais.

Concluiu pela improcedência da acção, tendo ainda requerido que por aquele fosse prestada caução, conforme prevê o citado nº 5 do artº 77º do Código das Sociedades Comerciais.

Foi requerida e admitida a intervenção principal provocada da Serrasul, S.A., na sequência do que CC - que fora citada em representação da chamada - veio aos autos declarar que fazia seus os articulados do autor.

Foi proferida sentença que condenou o R. BB a pagar à S..., S.A. a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença referente à extracção de cortiça e rendas auferidas no âmbito de contrato(s) de arrendamento rural, do imóvel denominado Serrasul, S.A., desde a constituição da sociedade até à propositura da presente acção, até ao limite máximo do pedido de €1.000.000,00 (um milhão de euros).

O Réu interpôs recurso de apelação, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação ..., datado de de 28 de Março de 2019, que julgou procedente a apelação e absolveu o Réu de todos os pedidos contra si formulados.

Interpôs agora o A. recurso de revista contra o referido acórdão, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª - A Serrasul - Sociedade Imobiliária, S.A., figura, na acção principal, como sujeito processual, por intervenção provocada, determinada pela 1.ª Instância, da qual é Autor, em nome e interesse da mencionada Sociedade, enquanto seu acionista, o ora Recorrente, que demanda ao abrigo do preceituado no C.S.C. (art. 77.º); 2.ª - A acção principal foi precedida de arresto judicial decretado (sentença de 27 de Julho de 2015), ao qual o Apelante Réu e ora Recorrido então deduziu oposição, que conheceu total improcedência (sentença de 21 de Dezembro de 2015); 3.ª - A contestação à acção principal é cópia fiel do teor e documentação da anterior oposição improcedente; 4.ª - O facto provado 31 pela 1.ª Instância está em directa conexão com os precedentes factos provados 29 e 30, que, por sua vez, estão conectados, respectivamente, com os antecedentes factos provados 9, 10, 11, 16, 17 e 28, constituindo o harmonioso percurso factual do facto provado 31; 5.ª - O facto provado 31 pela 1.ª Instância, face a tal conexão, não envolve considerações ou juízos de valor, mormente na parte em que consagra que o Apelante Réu (e ora Recorrido) “desviou as receitas da exploração da imóvel propriedade da Sociedade Serrasul, S.A., em seu proveito próprio, em detrimento da Sociedade Serrasul, S.A.

”; 6.ª - A Veneranda Relação reconhece que não existiu convénio, acordo de cavalheiros, acordo parassocial, nem declaração expressa ou tácita, que tenham permitido ao Apelante Réu (e ora Recorrido) receber, através da sua Sociedade Monte dos Cadoços Unipessoal, o dinheiro das extracções da cortiça e das rendas do arrendamento rural, relativas ao Imóvel Serrasul, S.A.; 7.ª - Os reconhecidos inexistentes convénio, acordo de cavalheiros, acordo parassocial e as reconhecidas inexistentes declaração expressa ou tácita, por um lado, e o depoimento testemunhal de DD, por outro lado, não consentem que as alíneas f), i), l) e m), que consignam os factos não provados pela 1.ª Instância, passem a factos provados, como, infundadamente, decidiu a Veneranda Relação; 8.ª - Igualmente, não consentem os acrescidos factos provados pela Veneranda Relação, sob os n.ºs 43 a), 43 b), 54 a), 54 b), 59 a), 73 a) e 73 b), bem como a eliminação dos factos não provados pela 1.ª Instância, sob as alíneas t), u) e v); 9.ª - Todos os factos provados pela 1.ª Instância estão, também, provados pela Veneranda Relação, que os confirmou, o que importa contradição entre a factualidade provada e confirmada pela Veneranda Relação, e a convertida em provada, eliminada, e acrescida, pela Veneranda Relação.

10.ª - O que subsume o Acórdão prolatado, pela Veneranda Relação, ao n.º 3 do art.682.º e n.º 1 do art. 683.º, ambos do NCPC; 11.ª - As presunções só consentem, nos termos dos arts. 349.º e 351.º do Código Civil, aferir um facto desconhecido, a partir de factos conhecidos e existentes; 12.ª - Ao invés do que estas normas prescrevem, a Veneranda Relação partiu de factos inexistentes, para, ilegalmente aduzir, como facto existente, o consentimento, pelo ora Recorrente e demais accionistas, ao Apelante Réu (o ora Recorrido), para a exploração do imóvel Serrasul, S.A.; 13.ª - A Veneranda Relação, ao lançar mão das presunções judiciais, com base nos inexistentes factos e nas inexistentes declarações, procedeu a uso processual ilegal, violando aqueles arts. 349.º e 351.º do Código Civil; 14.ª - A Veneranda Relação interpretou, indevidamente, os docs. 7 e 8 da p.i., - os únicos que apreciou, de entre os 22 docs. da p.i. - vislumbrando, nos mesmos, um sentido que eles não consentem, o que viola o preceituado no art. 236.º do Código Civil; 15.ª - A Veneranda Relação vislumbrou também, indevidamente, na falta de interpelação, durante 10 anos, por parte do ora Recorrente, ao Apelante Réu (e ora Recorrido), um sentido que a mesma não permite, desconsiderando que aquele viveu, nesse período, sobretudo no estrangeiro, conforme está e foi invocado nos autos (art. 23.º da p.i.); 16.ª - Na resposta à interpelação do ora Recorrente, em 27 de Agosto de 2012 (docs.15 e 16, da p.i.), a Veneranda Relação não atendeu a que o Apelado Réu, pretextando existir um acordo, não procedeu, todavia, à junção desse acordo, nem identificou subscritora alguma do mesmo e, muito menos, que essa fosse a sua Soc. Agrícola Monte dos Cadoços, Unipessoal; 17.ª - A Veneranda Relação conferiu, indevida credibilidade ao depoimento da testemunha DD, filho do já falecido Apelante Réu (e ora Recorrido) e admitiu esse depoimento contra a prova plena, violando, assim, o preceituado no art. 393.º do Código Civil; 18.ª - Ao invés, a 1.ª Instância (sentença de 12-07-2018), caracterizou tal depoimento de não credível, por ser mera versão da contestação do Apelante Réu (e ora Recorrido) e totalmente conforme a esta; 19.ª - O depoimento da testemunha DD não se revestiu, pois, de quaisquer autonomia e conteúdo próprios; 20.ª - A livre apreciação da prova pelo Julgador, consagrada no art. 396.º do C. Civil, não se confunde com apreciação arbitrária, devendo, pelo contrário, ser consistente, razoável e lógica, conforme a mais que abundante Jurisprudência existente; 21.ª - A escritura pública da constituição da Soc. Serrasul (doc. 22, da p.i.) constitui prova plena que se sobrepõe ao que, de contrário, disse a testemunha DD (art. 347.º do Código Civil); 22.ª - Na transcrição da gravação desse depoimento, o Apelante Réu (e ora Recorrido) não apontou, em concreto, qualquer passagem do mesmo, o que contraria a lei (n.º 3 art. 640.º do NCPC) e é exigido pela Jurisprudência; 23.ª - As alíneas g), j) e k) dos factos (não provados) confirmados, como tal, pela Veneranda Relação, contrariam e chocam-se, respectivamente, com as alíneas f), n) e i) dos factos (não provados), eliminados pela Veneranda Relação, contaminando os factos (provados) acrescidos pela Veneranda Relação, pois “estão em linha” com os eliminados; 24.ª - Ao S.T.J. não está vedado aferir a factualidade decidida pela Veneranda Relação, quando esta coenvolve matéria de direito (arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3 e 682.º do NCPC) e são Doutrina (entre outros, Meneses Cordeiro, Anselmo de Castro e Teixeira de Sousa) e Jurisprudência de há muito, bem como quando a 2.ª Instância excede...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT