Acórdão nº 2041/13.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução28 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

Na 10ª Vara Cível de Lisboa, «Scc – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A.» intentou acção declarativa, com processo comum, contra «Praia do Aquário – Estabelecimentos Balneares e Hoteleiros, Ld.ª», pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 131.721,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde 22/4/07, até integral pagamento.

Para o efeito, alega ter celebrado com a ré, em 23/4/02, um contrato nos termos do qual esta se obrigou a comprar ao distribuidor Comercialcer, Ld.ª, para revenda ao público e consumo no seu estabelecimento, produtos constantes do Anexo I, nas quantidades e prazos previstos na cláusula 3ª.

Mais alega que a autora, por seu turno, se obrigou a vender à ré aqueles produtos e, bem assim, a entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de € 44.891,81.

Alega, também, que o contrato vigoraria até que a ré adquirisse 125.000 litros dos referidos produtos ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura – 23/4/02 – consoante o que primeiro ocorresse.

Alega, ainda, que a ré apenas adquiriu 25.211 litros dos 125.000 litros a que se havia obrigado, pelo que, considerando o valor do preço de venda a retalho da cerveja de barril da autora, à data em que terminou o contrato – 22/4/07 – o valor da venda da litragem que ficou por consumir é de € 131.721,48.

Conclui, assim, que é essa a quantia que a ré tem de devolver à autora, por não ter adquirido o volume de litragem a que se obrigou.

Após contestação da ré e réplica da autora, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação daquela sentença, o qual foi julgado parcialmente procedente por acórdão da Relação de Lisboa, que, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar à autora € 131.721,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, a ré interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: “A – No exercício da sua actividade, a A. celebrou, em 23 de Abril de 2002, com a R. Praia do Aquário – Estabelecimentos Balneares e Hoteleiros, Lda., um contrato – doc. fls. 27.

B - O contrato respeitava ao estabelecimento denominado “Praia do Aquário”, sito na Avenida Montevideu, Praia do Aquário, Nevogilde, Porto, o qual era, nessa data, explorado pela R., que aí se dedicava, designadamente, à venda de bebidas ao público.

C - Por força desse contrato, a R. obrigou-se a “… comprar ao distribuidor Comercialcer, Lda., salvo se outro lhe for indicado (…) para revenda ao público e consumo no ESTABELECIMENTO, PRODUTOS constantes do Anexo I nas quantidades prazos previstos na cláusula terceira” (cfr. cláusula 1.1. do contrato).

D - Por força do mesmo contrato, obrigou-se ainda a R. a “… não vender e a não publicitar, no estabelecimento, produtos similares aos constantes do Anexo II, nem permitir que terceiros o façam” (cfr. cláusula 1.6. do contrato).

E - Ficou, também, estipulado que a R. não poderia ceder a terceiros a posição contratual decorrente do contrato, sem prévio consentimento por escrito da A., qualquer que fosse o negócio e forma que servisse de base à cessão, incluindo transmissão do estabelecimento comercial ou da sua exploração, sob pena de incorrerem em responsabilidade solidária pelo incumprimento (cfr. cláusula 1.8. do contrato).

G - Por seu turno, a A. obrigou-se a “… vender através dos seus Distribuidores…” os produtos objecto do contrato e constantes do Anexo I do contrato (citada cláusula 1.1. do contrato).

H - Pelo contrato a que se vem fazendo referência, a A. acordou, ainda, com a R. em entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração deste e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de €44.891,81 (quarenta e quatro mil e oitocentos e noventa e um euros e oitenta e um cêntimos), com IVA incluído à taxa legal em vigor (cfr. cláusula 2 do contrato).

I - Mais se tendo a A. obrigado a: prestar apoio anual às festas de S. João do Porto, com patrocínio da S.C.C. em produto e apoio logístico; organização de uma festa anual, com patrocínio da S.C.C. em produto; e colocação de 3 postes no ponto de venda pela S.C.C., para colocação de publicidade (cfr. contrato cláusula 2).

J - Contrapartidas essas que a A. efectivamente entregou à sociedade R.

K - Ficou estabelecido no contrato que este vigoraria até que a R. adquirisse 125.000 litros dos produtos constantes do Anexo I (cervejas) ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, 23 de Abril de 2002, consoante o que primeiro ocorresse (cfr. contrato, cláusula 3 e Anexo I, fls. 31).

L - Dos 125.000 litros dos produtos constantes do Anexo I (cervejas), até abril de 2010, a R. apenas adquiriu 25.211 litros, ficando, por adquirir 99.789 litros daqueles produtos para atingir aquela litragem.

M - O valor de preço de venda a retalho da cerveja de barril da A. era, a 22 de Abril de 2007, de €1,32/litro; o valor de venda da litragem que ficou por consumir é de €131.721,48.

N - Ficou estabelecido na cláusula 4.5. do contrato que “Se no termo do prazo referido na cláusula terceira o REVENDEDOR não tiver efectuado o volume de compras aí estabelecido, a CENTRAL DE CERVEJAS poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo, se estipula ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, considerando-se, para o efeito, o P.V.R. praticado pela CENTRAL DE CERVEJAS à data do incumprimento para a cerveja Sagres de barril”.

O – A R decidiu interromper todas as relações que mantinha com a A; os fornecimentos cessaram em abril de 2010.

P – O contrato celebrado entre a A e a R integra cláusulas que são utilizadas pela A em contratos semelhantes celebrados com outros clientes da A (cláusula penal, entre outras), bem como cláusulas cujo teor é susceptível de ser negociado (relativas ao produto, litragens e período de vigência).

(este ponto P foi suprimido pelo acórdão recorrido) Q – A A disponibilizou apoios à R (produto e equipamentos) para a realização de outras festas e eventos, para além das referidas no contrato, nem sempre satisfazendo aquilo que era pretendido pela R.

R - A R tinha a ambição de comprar à A a litragem de 125.000 litros em 5 anos.

S – O estabelecimento da R consumia, em média, 930 l/mês, ao invés dos 2.000 litros contratados.

T – Desde 2002, a A forneceu à R 55.741,2 litros dos produtos que comercializa (cervejas, águas e refrigerantes) e, durante 8 anos, publicitou as marcas dos referidos produtos no estabelecimento da R.

U – Após o termo do prazo de vigência do contrato, a 22/04/2007, e até abril de 2010, a A continuou a fornecer à R, de forma regular, contínua e exclusiva, os produtos que comercializa.

V – Desde abril de 2010 e até citação para a presente ação, nunca a A reclamou da R o pagamento de quantia a título de consumos não atingidos.

W – O que a R tomou como aceitação da finalização do relacionamento entre as partes.”.

Julgando-se não provado que: “- para efeitos do cálculo da litragem que a R se obrigou a consumir, acordaram as partes considerar águas e refrigerantes; - nunca a A participou, com produto ou capital, em outras festas e eventos organizados pela R (para além do S. João e de uma festa anual) em que se comprometeu a participar; - o referido volume mínimo de vendas foi imposto pela A, e não sugerido ou garantido pela R; - A e R acordaram que, mediante a continuação de aquisição dos produtos após abril de 2007 e com o único objetivo de atingir nível de facturação que compensasse o investimento inicial da A no valor de €44.891,81, a A se abstinha de interpelar a R para pagamento de indemnização por incumprimento das litragens acordadas no contrato; - a A propôs a presente ação omitindo os litros consumidos de abril de 2007 a abril de 2010.”.

2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Os fundamentos do presente recurso prendem-se com o acionamento da cláusula penal ínsita na cláusula 4.5 do contrato em referência nestes autos, a qual, segundo se crê, em qualquer das modalidades previstas para esta figura, indemnizatória e/ou compulsória, se afigura como desproporcional face aos interesses em conflito, gerando assimetrias excessivas nas obrigações assumidas pelas partes contratantes.

  1. Pelo que o Venerando Tribunal recorrido, tal como o fez oVenerando Tribunal de 1.ª Instância, à luz dos artigos 12.° e 19.°, al c) do Decreto-lei 446/85, de 25 de Outubro, sempre deveria tê-la declarado nula.

  2. Sendo que, mesmo que assim não se entendesse, sem conceder, sempre deveria ter procedido à redução da mesma cláusula, nos termos do artigo 812.° do Código Civil, em pelo menos 75 % do seu valor, o que mais uma vez não fez, em violação da referida disposição legal.

  3. Com efeito, se é certo que é lícito às partes convencionarem as consequências jurídicas do incumprimento do contrato, estabelecendo previamente critérios indemnizatórios a considerar nessa eventualidade, no entanto essa possibilidade tem limites que decorrem, desde logo, da proibição do estabelecimento de sanções manifestamente excessivas (artigo 810.° do C.C.), ou de cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (artigo 19.°, al. c) do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25/10).

  4. Sendo que este juízo sempre deverá ser feito à luz do contexto específico e global deste tipo de contrato, tendo em conta a natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os valores previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar.

  5. ...

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