Acórdão nº 2016/19.4T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CLARA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.
Decisões e Soluções, Mediação Imobiliária, Ld.ª, sociedade comercial com sede na Avenida ... – ... – ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, residente na Rua ... em Ponta Delgada, pedindo, na procedência da ação, a sua condenação no pagamento da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora a partir da citação e até integral pagamento.
2.
Alega a autora, para tanto, e em síntese, o seguinte: Que a autora é titular de uma licença para o exercício da atividade de mediação imobiliária; Que entre a ré, a autora, a sociedade “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Ld.ª”, a sociedade “P..., Unipessoal, Lda” e BB foi celebrado em 26 de abril de 2016 um contrato de subagência através do qual a ré foi nomeada sua sub-agente e encarregada de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da sua atividade, nomeadamente a angariação e a mediação mobiliária, ficando a sociedade “P..., Unipessoal, Lda” obrigada ao pagamento de uma comissão de montante variável em função dos contratos angariados; Que no referido contrato de subagência foi estipulado que a autora facultaria o acesso da ré à sua base de dados, ficando esta obrigada à confidencialidade sobre os dados dela constantes; Que foi ainda convencionado pelas partes que a ré teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à autora com antecedência não inferior a 60 dias e, entre a autora e a ré, a obrigação para esta de exercício da atividade em regime de exclusividade e não concorrência durante todo o período de vigência do contrato e nos doze meses seguintes à sua cessação, tendo acordado na estipulação de uma cláusula penal no montante de cinquenta mil euros para o caso de violação do pacto de exclusividade e/ou de não concorrência; Que em 19 de outubro de 2018 foi outorgado entre a ré, a autora, a sociedade “Decisões e Soluções – Intermediários de Créditos, Ld.ª”, “R..., Unipessoal, Ld.ª” e BB um contrato intitulado “Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência”, através do qual a ré viu ampliadas as suas funções, passando a exercer cumulativamente as funções de consultora imobiliária e financeira e de diretora comercial da agência, mantendo o regime de exercício da atividade em exclusividade e não concorrência e a cláusula penal para o caso de violação desse regime nos termos anteriormente acordados, mas pelo período de dois anos após a cessação do contrato; Que antes da celebração dos aludidos contratos, a autora e o seu agente informaram a ré do seu teor e respetivo alcance, tendo esta anuído com as respetivas cláusulas, pelo que lhe foi ministrada uma ação de formação inicial intensiva e exaustiva sobre a metodologia, procedimentos e objetivos da atividade agenciada, facultado o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais para que pudesse exercer a sua atividade; Que ao longo do período compreendido entre o dia 26/04/2016 e o dia 18/05/2019, a ré se dedicou à atividade objeto dos contratos, enquanto consultora imobiliária e financeira e, mais tarde, também como diretora comercial, mediante vínculo com a autora e estando integrada na agência da rede da autora; Que em 11 de março de 2019 a ré tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a autora, solicitando a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente; Que a autora aceitou a cessação dos contratos a partir de 18 de maio de 2019, frisando, no entanto, que se mantinha a obrigação de não-concorrência pelo período de 12 (doze) meses e 2 (dois) anos subsequente à data dessa cessação, e respetivamente quanto ao vínculo enquanto consultora imobiliária e diretora comercial; Que depois de cessados os contratos, veio a autora a constatar que a ré vinha já prestando serviços de consultoria e mediação imobiliária em colaboração com a marca ..., desenvolvendo atividade concorrente à da autora, por ter passado a exercer desde 13 de maio de 2019 funções de consultora imobiliária, a título profissional e remunerado, numa agência em Ponta Delgada integrada na rede de agências imobiliárias da “...”; Que tendo a ré violado a obrigação de não concorrência durante a vigência do contrato e no período imediatamente posterior à cessação do contrato, tem a autora direito a ser indemnizada pela ré no valor peticionado.
3.
Contestou a ré, alegando, em síntese, o seguinte: Que não lhe foi dado conhecimento anteriormente à celebração do contrato e no contexto do processo de recrutamento, do teor e alcance do seu conteúdo não tendo dado a sua concordância expressa às cláusulas invocadas e que nunca lhe foi disponibilizada uma cópia do contrato; Que no dia imediatamente a seguir à receção pela autora da carta em que comunicava a cessação imediata do contrato, a ré ficou sem qualquer acesso à base de dados da autora, emails profissionais, logins, escalas de serviço e demais instrumentos de trabalho que até então dispunha, o que na prática a impossibilitou de trabalhar para a autora, ainda que durante um período mínimo 60 dias referente ao pré-aviso que teria de dar e para o qual solicitou dispensa; Que na sequência da desvinculação começou, de facto, a colaborar com outra empresa de mediação imobiliária, como consultora imobiliária; Que o contrato invocado pela autora é nulo por violação dos deveres de comunicação e informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de outubro e que o pacto de exclusividade e não concorrência invocado pela autora é nulo face ao disposto no artigo 15.º do mesmo diploma que proíbe as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.
Que tal cláusula é ainda ilegal também por violação das regras disciplinadoras da obrigação de não-concorrência nos contratos de sub-agência, previstas no artigo 9.º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3/07, na medida em que não prevê o direito a uma compensação pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato e por indeterminabilidade face ao disposto no artigo 280.º n.º 1 do Código Civil.
4.
A autora, em articulado de resposta, tomou posição sobre a matéria das exceções invocadas pela ré.
5.
A autora foi convidada a fazer intervir nos autos a sociedade “R..., Unipessoal, Ld.ª” – que assumiu a posição contratual da “P..., Unipessoal, Lda” – e BB, em função do litisconsórcio necessário ativo, tendo ela requerido a respetiva intervenção.
Os intervenientes, devidamente citados, nada disseram.
Foi dispensada a realização de audiência prévia.
Elaborado despacho saneador foi nele corretamente definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência final.
6.
Foi oportunamente proferida sentença que, julgando a ação improcedente por considerar que a autora agia em abuso de direito, absolveu a ré do pedido.
7.
Inconformada com a absolvição da ré, a autora interpôs recurso de apelação da sentença, nela começando por arguir a respetiva nulidade por violação do princípio do contraditório quanto à matéria do abuso de direito.
Em conformidade, o Senhor Juiz de Direito, reconhecendo ocorrer o fundamento da nulidade invocada, declarou nula a sentença por despacho proferido a 30 de junho de 2021 e ordenou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a mencionada exceção do abuso de direito.
Nessa oportunidade vieram as partes a pronunciar-se sobre a questão, defendendo a autora que não estão verificados os pressupostos de aplicação do instituto do abuso de direito e a ré o bem fundado da sentença impugnada.
8.
Foi então proferida nova sentença que repetiu integralmente o teor da anteriormente proferida, considerando a ação improcedente e absolvendo a ré do pedido.
9.
A autora manteve interesse no conhecimento integral do recurso oportunamente interposto com base nas alegações que deu por reproduzidas.
O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte: «Termos em que, em conformidade com o artigo 663.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, acordam em: - julgar procedente a apelação interposta pela autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ld.ª”; - revogar a douta sentença proferida em primeira instância; - condenar a ré AA a pagar à autora a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida dos juros de mora à taxa legal a partir da citação e até integral e efectivo pagamento.
- condenar a ré no pagamento das custas da acção».
10.
A autora, AA, tendo sido notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 671º, nº 1, 1.ª parte do CPC), com subida nos próprios autos (artigo 675º, nº 1, do CPC) e com efeito meramente devolutivo (artigo 676º, nº 1, a contrario, do CPC), em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: «
-
O acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu revogar a sentença de 19/02/2021, repetida a 22/02/2021, após o cumprimento do contraditório, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., julgando a ação totalmente procedente, condenando-se a ré, ora recorrida, a pagar à autora a quantia de € 50.000,00€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, concluindo-se que verificados que estão os demais pressupostos da responsabilidade contratual, nomeadamente as condições de funcionamento da cláusula penal e tendo sido previamente estabelecido o valor de indemnização a prestar pela ré em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência temporariamente após a cessação dos contratos.
-
Salvo melhor opinião, o acórdão em causa viola a lei substantiva, na medida em que se traduz em flagrante erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso “sub-judice”, nomeadamente o regime jurídico das...
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