Acórdão nº 71/15.5T8MFR.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução22 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 09.3.2015 Banco, S.A.

, intentou ação com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra Ana.

O A. alegou, em síntese, que em 05.4.2011, para financiar a aquisição, pela R., de uma viatura automóvel, celebrou com a R. um contrato de mútuo, mediante o qual o A. emprestou à R. a quantia de € 12 393,00, com juros à taxa nominal de 9,684% ao ano, devendo aquela quantia, adicionada dos juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, imposto de selo de abertura de crédito e prémio de seguro de vida, ser reembolsada em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 235,44 cada. Ficou expressamente acordado que em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o A. poderia considerar vencidas todas as prestações incluindo juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas. Mais foi acordado que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 9,684% - acrescida de 4 pontos percentuais. Em virtude das dificuldades denotadas pela R. para cumprir o contrato, procedeu-se ao alargamento do prazo de reembolso do empréstimo, que passou de 72 para 120 prestações, reduzindo-se o valor de cada prestação para € 99,16 cada, a partir da 38.ª prestação, a partir de 05.8.2014. Nesse cálculo levou-se já em consideração o valor obtido com a venda a terceiros da viatura financiada, que para o efeito havia sido entregue pela R. ao A.. Sucede que a R. também não pagou a 39.ª prestação, pelo que o A. deu por vencidas todas as prestações, tendo comunicado à R. a perda do benefício do prazo contratual, por carta que lhe enviou, com efeitos reportados a 05.8.2014. Até agora, a R. nada pagou. Assim, estão em dívida € 8 131,12, equivalente a 82 prestações vezes € 99.16, a que acrescem juros moratórios, à taxa de 13,684% ao ano, e imposto de selo sobre os juros, à taxa de 4% ao ano.

O A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.131,12 acrescida de € 658,45 de juros vencidos até à data da propositura da ação – 09.3.2015 - e de € 26,34 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 8.131,12, se vencessem, à taxa anual de 13,684%, desde 10.3.2015 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recaísse e, ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.

A R.

contestou a ação, impugnando parcialmente a petição, alegando que, atendendo às prestações que pagara e ao valor por que a viatura viera a ser vendida a terceiro (€ 6 400,00), o total em débito era de € 4 874,72 e não os € 8 131,12 invocados pelo A., sendo sobre esse montante que caberia aplicar, a título de cláusula penal, a taxa de 13,684% ao ano, desde 05.8.2014, além da taxa de imposto de selo.

Prestados esclarecimentos pelas partes e exercido, pelo A., o direito de pronúncia sobre a questão, suscitada pelo tribunal a quo, da nulidade da cláusula penal, realizou-se audiência final e em 21.11.2016 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, tendo sido emitido o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) condeno a R. a pagar à A. as prestações vencidas entre 05.08.2014 e 05.02.2015; b) condeno a R. a restituir à A. o montante de capital que se encontrava em dívida a 09.02.2015; c) condeno a R. a pagar à A. juros moratórios calculados nos termos previstos na alínea c) da cláusula 8ª a fls. 7 e seguintes, sobre as prestações vencidas entre 05.08.2014 e 05.02.2015 e referidas em a), desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento; d) condeno, por fim, a R. a pagar à A. juros moratórios calculados nos termos previstos na alínea c) da cláusula 8.ª a fls. 8 verso e seguintes sobre o montante de capital devido a 09.02.2015 e não englobado nas prestações referidas em a), contabilizados desde essa data até efectivo e integral pagamento; e) Absolvo a R. do demais peticionado.” O A.

apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou a seguinte conclusão: Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, tendo violado o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, face ao que expressamente acordado foi pelas partes e dado como provado nos autos, como salientado já, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei à matéria de facto provada nos autos, desta forma se fazendo, Justiça.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO A questão que se suscita nestes autos é se o A. tem direito a reclamar da R. o correspondente aos juros remuneratórios contidos nas prestações antecipadamente vencidas no âmbito do contrato de crédito ao consumo celebrado entre as partes.

O tribunal a quo deu como provada, sem impugnação pelas partes, a seguinte Matéria de facto 1. A A. é uma sociedade anónima que se dedica à actividade bancária; 2. Pelo documento de fls. 8 e seguintes, subscrito pelas partes a 05.04.2011, a A. acordou emprestar à R. a quantia de € 12.393,00, a restituir em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 10.05.2011 e as demais em igual dia dos meses subsequentes; 4. [na sentença falta um número 3] A A. entregou a quantia pecuniária acima referida à R., que esta destinou a custear a aquisição de um veículo automóvel; 5. Na cláusula 8. das Condições Gerais do escrito acima identificado, constante a fls. 8 verso dos autos, convencionaram as partes o seguinte: “Mora e Cláusula Penal

  1. O(s) Mutuário(s) ficará(ão) constituído(s) em mora no caso de não efectuar(em), aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.

  2. Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banif Mais poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados …: c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.

    …” 6. As aqui partes acordaram, por escritos de fls. 9 verso e 10, a alteração da data de vencimento de cada uma das prestações mensais para o dia 5 de cada mês, o alargamento do prazo do empréstimo de 72 para 120 prestações, bem como a alteração do valor da prestação mensal que passou assim de € 235,44 para € 99,16, a partir de 05 de Agosto de 2014, ou seja da 38.ª prestação; 7. A R. entregou à A. a viatura que adquiriu com recurso ao financiamento obtido pela outorga do contrato dos autos, para que esta a vendesse por sua conta e com o produto da mesma fossem pagas as prestações vencidas entre 05.12.2012 e 05.06.2014; 8. A A. diligenciou no sentido da venda o veículo em leilão, o que conseguiu fazer pelo valor de € 6.800,00, tendo despendido a quantia de € 378,84 em transportes, comissão de venda e recuperação do veículo, e aplicado o restante no pagamento das prestações referidas em 7.; 9. A R. não pagou as prestações a partir da 39.ª, tendo-se esta vencido a 05.08.2014; 10. Por carta datada de 19.01.2015, remetida pela A. à R. para a morada deste constante do escrito de fls. 8 e seguintes, aquela comunicou o seguinte, entre o demais consignado a fls. 10 verso: Apesar de todas as diligências e insistentes contactos já ocorridos continua V.Exa. sem pagar as importâncias em dívida do contrato em referência.

    Encontram-se em débito 3 ou mais prestações sucessivas ou seja: … Assim, …, comunicamos a V.Exa. que lhe concedemos o prazo suplementar de 20 dias de calendário a contar da data da presente, para proceder ao pagamento do montante das ditas prestações, ….

    … Caso até ao termo limite do referido prazo não seja efectuado o pagamento da referida importância consideramos, nos termos expressamente acordados, vencidas todas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual.

    … 11. A R. não procedeu ao pagamento das prestações referidas em 10. no prazo para tanto concedido pela A..

    O Direito Está assente que o A. e a R. subscreveram o escrito de que existe cópia a fls. 8 e 9 dos autos, o qual consubstancia um contrato de financiamento para aquisição a crédito, integrado na atividade bancária da primeira.

    Tal "contrato de crédito" está definido no art. 4.º, al. c), do Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02/6 (diploma que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores e, subsequentemente alterado pelo Dec.-Lei n.º 72-A/2010, de 17.6 e pelo Dec.-Lei n.º 42-A/2013, de 28.3, transpôs também a Diretiva 2011/90/EU da Comissão de 14 de novembro), como sendo "o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante".

    No caso concreto, o aludido escrito reconduz-se a um contrato de mútuo, que teve em vista financiar a aquisição de um bem vendido ao consumidor por terceiro (alínea o) do art.º 4.º do referido Dec.-Lei).

    Um dos efeitos essenciais do contrato em causa é a obrigação de o consumidor restituir o valor emprestado acrescido dos respetivos juros, no prazo acordado, como resulta dos arts. 1142.° e 1145.º do Código Civil, 395.º do Código Comercial e 2.º n.º 1 alínea f) do Dec.-Lei nº 133/2009 e ainda das...

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