Acórdão nº 2042/13.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelNUNES RIBEIRO
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: AA, S.A.

, com sede na Estrada da …, … - Vila Franca de Xira, intentou acção declarativa comum contra BB – Estabelecimentos Balneares e Hoteleiros, L.da, com sede na Av. … - Porto, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 131.721,00, devida pelo incumprimento do contrato alegado nos autos, acrescida do montante dos juros vencidos de € 85.563,37 contados desde 07/06/2006, e dos vincendos até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em resumo, que celebrou com a Ré, em 08-6-2001, um contrato comercial, nos termos do qual a Ré se obrigou a comprar-lhe para revenda ao público e consumo no estabelecimento denominado «BB» as bebidas constantes do anexo I a esse contrato, e a não vender ou publicitar no estabelecimento produtos similares aos constantes do anexo II; que ficou estabelecido que o contrato vigoraria até que a Ré adquirisse 150.000 litros dos produtos constantes do dito anexo I, ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiramente ocorresse; que a A., por sua vez, se comprometeu a entregar à Ré, a título de contrapartida pela celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de 5.500.000$00, acrescidos de IVA à taxa em vigor, com 500.000$00 por ano incluídos para realização de acções de marketing durante a vigência do contrato, bem como oferecer-lhe anualmente 30 barris, de 30 litros, de cerveja para comparticipar nos festejos de S. João; que a Ré apenas adquiriu 40.743 litros, tendo cessado o consumo de bebidas da autora, pelo que, nos termos da cláusula 4ª nº 5 daquele contrato está obrigada a pagar à A. a quantia de € 126.738,12, correspondente ao valor dos 109.257 litros que faltaram para atingir os 150.000 litros acordados, pagamento que não satisfez.

A Ré apresentou contestação-reconvenção onde, além de impugnar factos alegados pela A., arguiu a excepção de não cumprimento do contrato, afirmando que a A. não cumpriu integralmente com todas as prestações previstas no contrato, o que importou perdas para ambas as partes, com prejuízos para a Ré. Mais diz que estabelecendo a cláusula 4ª, nº 5 uma cláusula penal, para o caso de os consumos não serem atingidos, no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais aqui aplicável, a mesma é abusiva, configurando-se uma situação de enriquecimento sem causa, e que de qualquer modo sempre haveria lugar à redução da pena, de acordo com a equidade, por ser manifestamente excessiva.

Alegou, por fim, que o contrato cessou os seus efeitos em 7-7-2006 e que a A. continuou a fazer fornecimentos até Abril de 2010, tendo sido acordada pelas partes a continuação destes fornecimentos, sujeitos às mesmas condições, continuando a A. a incumprir com as suas obrigações, pelo que a Ré decidiu cessar a relação contratual, nunca tendo a A. reclamado da Ré qualquer quantia; e que a actuação da A. configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Concluiu pedindo a condenação da A. a pagar-lhe as quantias que deixou de pagar em violação da cláusula 2ª, bem como a quantia correspondente aos lucros cessantes a fixar equitativamente pelo tribunal. Tendo ainda requerido a redução dos montantes constantes das cláusulas penais a um valor razoável e proporcional aos danos sofridos pela A.

A A. replicou.

O processo prosseguiu seus regulares termos, sendo, a final, proferida sentença que julgou, quer a acção, quer a reconvenção improcedentes.

O tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente, por ter considerado que a cláusula penal estabelecida era manifestamente excessiva e desproporcional e, como tal, nula, nos termos do artº 12º do Dec. Lei nº 446/85.

Inconformada, a A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 30-6-2016, julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré a pagar à A. a quantia de € 126.738,12 (cento e vinte e seis mil setecentos e trinta e oito euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais pedido.

Irresignada agora a Ré, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, tendo concluído a sua alegação da forma seguinte: 1. Os fundamentos do presente recurso prendem-se com o acionamento da cláusula penal ínsita na cláusula 4.5 do contrato em referência nestes autos, a qual, segundo se crê, em qualquer das modalidades previstas para esta figura, indemnizatória e/ou compulsória, se afigura como desproporcional face aos interesses em conflito, gerando assimetrias excessivas nas obrigações assumidas pelas partes contratantes.

  1. Pelo que o Venerando Tribunal recorrido, tal como o fez o Venerando Tribunal de 1.a Instância, à luz dos artigos 12.° e 19.°, ai c) do Decreto- lei 446/85, de 25 de Outubro, sempre deveria tê-la declarado nula.

  2. Sendo que, mesmo que assim não se entendesse, sem conceder, sempre deveria ter procedido à redução da mesma cláusula, nos termos do artigo 812.° do Código Civil, em pelo menos 75 % do seu valor, o que mais uma vez não fez, em violação da referida disposição legal.

  3. Com efeito, se é certo que é lícito às partes convencionarem as consequências jurídicas do incumprimento do contrato, estabelecendo previamente critérios indemnizatórios a considerar nessa eventualidade, no entanto essa possibilidade tem limites que decorrem, desde logo, da proibição do estabelecimento de sanções manifestamente excessivas (artigo 810.° do C.C.), ou de cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (artigo 19.°, al. c) do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25/10).

  4. Sendo que este juízo sempre deverá ser feito à luz do contexto específico e global deste tipo de contrato, tendo em conta a natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os valores previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar.

  5. Fatores esses que, com referência ao contrato sub judice, se prenderiam, designadamente, com a ausência de culpa da Recorrente e a sua boa-fé na execução do contrato, a diminuta gravidade da infração, o interesse comum de ambas as partes no atingimento das litragens estabelecidas, as vantagens que resultam para a Recorrida do incumprimento e os prejuízos que resultam para a Recorrente do acionamento da cláusula penal.

  6. Juízos esses que, com referência à situação sub judice, podem ser retirados das seguintes circunstâncias: Conforme os factos dados como provados, ficou estabelecido que o contrato sub judice vigoraria pelo prazo de 5 anos.

    - Porém, o mesmo durou cerca de 9 anos, período durante o qual a Recorrente esteve sujeita a vender os produtos da Recorrida em exclusivo, e bem assim a publicitá-los em todo o seu estabelecimento, tendo vendido um total de 40.743 litros de cerveja.

    - Se no contrato se previam consumos na ordem dos 150.000 litros em 5 anos, a verdade é que a Recorrente apenas conseguiu adquirir à Ré cerca de um 1/4 dessa litragem, isto é, 40.743 litros, não se tendo por qualquer forma dado como provado que esse facto se deveu a culpa da Recorrente, sendo que, em boa verdade, era do interesse comum de ambas as partes o atingimento das litragens estabelecidas.

    - Sendo que, se a Recorrente pretendesse cumprir a litragem especificamente determinada no contrato, isto é, 150.000 litros, ao ritmo pelo qual a execução do contrato se vinha fazendo, a execução do contrato teria de prolongar-se por 30 anos, o que sempre...

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