Acórdão nº 3508/13.4TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC 3508/13.4TBBCL.G1.S1 6ª SECÇÃO ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I A instaurou acção declarativa, constitutiva, com processo comum, contra M - SGPS, SA, pedindo: a) Se declarem nulas as deliberações tomadas no Conselho de Administração da Ré, em 28 de Outubro de 2013, ou, se assim se não entender, b) Se declarem anuláveis e anuladas as mesmas deliberações.

Alegou, para tanto, ter o Conselho de Administração da Ré deliberado a destituição do Autor do cargo de administrador das sociedades M- Representações, SA e N, SA, totalmente dominadas pela Ré, quando, nos termos da lei - artigo 403.°, 1, do CSC - a destituição de qualquer membro do conselho de administração é da competência exclusiva da Assembleia Geral.

Contestou a Ré, afirmando que, por se tratar de sociedades inteiramente dominadas pela Ré, passaram a competir ao Conselho de Administração da sociedade dominante, sua única accionista, todas as competências do colégio de sócios das sociedades dominadas.

Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente procedente e declarou nulas as deliberações tomadas no Conselho de Administração da sociedade M - SGPS - SA, em 28 de Outubro de 2013.

Inconformada com a sentença, recorreu a Ré tendo a Apelação sido julgada procedente e revogada a decisão, com a absolvição da Ré do pedido.

Vem agora o Autor recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O Acórdão em recurso violou a lei substantiva, na medida em que aplicou em toda a sua análise e considerações legislação internacional e nacional não aplicável à questão de direito em litígio (alínea a) do n.° 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil).

- Ao invés, a sentença revogada foi elaborada de forma muito douta, efectuando uma análise concisa, objectiva de toda a factualidade invocada, fundamentando a sua decisão na melhor doutrina aplicável, mormente em dois acórdãos dos Supremo Tribunal de Justiça, cuja adequação é por demais evidente (anos de 2005 e 2014).

- O Acórdão em recurso apenas adere na sua fundamentação a um acórdão da Relação de Lisboa de 14.02.2013, junto pela Ré, versando sobre deliberações anuláveis, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 58.° do C.S.C., de duvidosa aplicabilidade, quando confrontado com os Acórdãos invocados na sentença, cuja substancialidade e conexão é notória.

- A solução jurídica defendida no Acórdão em recurso não pode ser aceite, porquanto efectua uma errónea interpretação e aplicação da Directiva 89/667/CE e respectiva codificação pela Directiva 2009/102/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e igualmente do Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro, que efectua a transposição desta directiva para o ordenamento jurídico português.

- O Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro, explicita no seu preâmbulo que não acolhe no seu seio a criação autónoma e por tempo indeterminado da sociedade anónima unipessoal, pelo que, ao consagrar o aditamento dos artigos 270.°-A a 270.°-G, os mesmos reportam única e exclusivamente às sociedades unipessoais por quotas.

- Nesta perspectiva, não pode aceitar-se o enquadramento legal efectuado pelo Acórdão que invoca a analogia das sociedades unipessoais para justificar a validade da deliberação do conselho de administração da Ré que destituiu o A. do cargo de administrador, dado tratar-se de matéria que a lei reserva em exclusivo à Assembleia Geral (n.° 1 do artigo 403.° do C.S.C.).

- A relação de domínio entre a Ré (sociedade dominante) e as sociedades dominadas é configurada pelo Acórdão em recurso como uma relação em que “a sociedade totalmente dominante exerce na qualidade de sócia única, todas as competências pertencentes à assembleia geral da dependente”, olvidando que este exercício de competências sofre uma limitação decorrente das matérias que a lei reserva expressamente à competência da Assembleia Geral, como é o caso da destituição de administrador (n.° 1 do art. 403.° do C.S.C.) ou a fixação de remunerações (n.° 1 do art. 399.° do C.S.C.).

- O âmbito de aplicação da Directiva 89/677/CE, da respectiva codificação pela Directiva 2009/102/CE e do Decreto-Lei 257/96 de 31 de Dezembro que efectua a sua transposição no ordenamento jurídico interno, aditando o capítulo X do título III do Código das Sociedades Comerciais constituídas pelos artigos 270.°-A a 270.°-G, é bem claro, dirigindo-se unicamente às sociedades por quotas, excluindo expressamente no referido Decreto-Lei 257/96 a aplicabilidade às sociedades unipessoais anónimas.

- Nesta conformidade, não pode aceitar-se a conclusão do Acórdão em recurso que considera que o regime aplicável para a sociedade por quotas unipessoal é igualmente aplicável para a sociedade anónima unipessoal, em virtude do efeito directo do artigo 6.° da 12.a Directiva.

- As deliberações do conselho de administração da Ré, de 28 de Outubro de 2013, não têm qualquer fundamento de justa causa, sendo uma consequência do litígio mantido entre R. e A., iniciado dez meses antes no conselho de administração de 21 de Janeiro de 2013, com a tomada de deliberações em que se reduzia a remuneração do A. em 50% (o que originou o processo n.º 589/13.4TBBCL), visando no essencial branquear a destituição/despedimento do A.

- A actuação da Ré, na qualidade de accionista única das sociedades dominadas, não se equipara à do sócio único da sociedade por quotas, mesmo que se invoque que é ilógico admitir assembleias de sócio único consigo próprio, uma vez que como se refere na douta sentença, - a convocação e funcionamento das assembleias gerais das sociedades dominadas não sofreu alterações com a entrada em funções da direcção unitária do grupo constituído por domínio total.

- a matéria de destituição do administrador, a exemplo da remuneração, já tinha anteriormente sido tratada em Assembleia Geral.

e, (no nosso entendimento), - existência de outras condicionantes legais fulcrais para a tomada de deliberações em Assembleia Geral que não se verificam nas deliberações do conselho de administração da Ré, nomeadamente, convocação, formas de realização, participação e representação de accionistas.

- inexistência nas assembleias gerais das sociedades dominadas de “fazedores de actas” estranhos aos accionistas.

- Nesta conformidade, a destituição de administrador, nos termos do artigo 403.° n.°1 do CSC, é da exclusiva competência da assembleia geral nas sociedades plurais e não se transfere, nas sociedades unipessoais anónimas, para o accionista único, dado que a sociedade dominante, em caso de domínio total, tem de respeitar as matérias que são reservadas a outros órgãos das sociedades (v. g. assembleia geral).

- O conselho de administração da Ré, accionista única das sociedades dependentes, embora exerça funções representativas da vontade da pessoa colectiva, não podia ter tomado internamente a decisão de destituição do administrador das sociedades dependentes através de deliberação, configurada, por escrito, em acta, porquanto o destinatário de todas as instruções vinculantes é sempre a administração das sociedades dominadas, e porque essas instruções devem versar sobre matérias de gestão e não sobre matérias de competência deliberativa exclusiva das assembleias gerais, como é o caso do presente litígio.

- O conselho de administração da Ré igualmente não podia ter transposto a acta da sua reunião para o livro de actas da sociedade dominada M, porquanto as reuniões dos órgãos das sociedades têm de ser passadas ao livro de actas do próprio órgão e não ao livro de actas de outro órgão de outra qualquer sociedade, como sucedeu (cfr. a este propósitos os artigos 446° - A n°2 e 446° - B, b) e c), ambos do CSC).

- O conselho de administração da Ré, enquanto accionista única de sociedades anónimas, não pode exercer os poderes conferidos por lei à assembleia geral em matéria da sua competência exclusiva (como foi o caso da destituição de administrador do A), porquanto, não obstante a relação de dependência societária e a integração no perímetro de uma unidade económica-empresarial, admitir-se tal hipótese seria desconsiderar a personalidade jurídica individual de cada sociedade dominada, liquidando a sua autonomia jurídico - patrimonial e jurídico – organizativa.

- O Acórdão em recurso, ao julgar procedente a apelação, revogando a douta sentença, efectuou uma interpretação errónea da doutrina dominante, e igualmente, decidiu ao arrepio da Jurisprudência mais recente e superior, pelo que não podem proceder as suas conclusões.

Nas contra alegações a Ré pugna pela manutenção do julgado.

II Põe-se como única questão a resolver no âmbito do presente recurso a de saber se a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da Ré, consistente na destituição do Autor, aqui Recorrente, do cargo de administrador das sociedades M - REPRESENTAÇÕES, SA e N, SA.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos: 1 -A Ré é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, constituída em 13/12/2007, com o capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), dividido em 50.000 (cinquenta mil) acções com o valor nominal de € 1,00 (um...

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