Acórdão nº 4387/19.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução23 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO Recorrente: V. J..

    Recorrida: X Investimentos, SGPS, S.A.

    X Investimentos, SGPS, S.A., com sede no Lugar …, Barcelos, instaurou a presente providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais contra Y – Engenharia e Tecnologias, S.A., com sede da Zona Industrial, …, Esposende, pedindo que se suspenda as deliberações tomadas nos pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos na sessão da assembleia geral da requerida, realizada no dia 01 de julho de 2019, tal como constam da ata n.º 35 do referido órgão social.

    Para tanto alega, em síntese, que a requerida tem como capital integralmente realizado 750.000,00 euros, divididos em 750.000 ações, dos quais a requerente detém 24%; No dia 30/05/2019, foi publicado aviso convocatório para realização da assembleia geral da requerida, a ocorrer no dia 01/07/2019, pelas 10 horas, com a ordem de trabalhos que discrimina no art. 8º da p.i.; Nesse dia teve lugar essa assembleia geral na qual a requerente se fez representar e da qual veio a ser lavrada a ata n.º 35, de fls. 27 verso a 31, e na qual foram aprovadas as propostas apresentadas pelo acionista V. J., que aí se encontrava representado e que é detentor de 60% do capital social e com os votos contra dos restantes acionistas da sociedade requerida; Acontece que a deliberação tomada quanto ao ponto 1 da ordem de trabalhos é nula por respeitar à criação de nova sociedade, à realização de investimentos importantes e à extensão importante da atividade da requerida por essa via, por se tratar de matéria da exclusiva competência do conselho de administração da requerida e por o seu conteúdo ser ofensivo de preceitos legais insuscetíveis de serem derrogados; Acresce que essa deliberação é também nula por lhe faltar os elementos essenciais ao negócio jurídico que visa originar, uma vez que nela não se define a sede social, o objeto social da sociedade a constituir, sequer o capital social, a forma e o momento da realização desse capital social, sequer se faz qualquer referência à forma como serão definidos e estabelecidos os estatutos dessa nova sociedade a constituir; Essa deliberação é anulável dado que é apropriada a satisfazer o propósito do acionista proponente, V. J., em conseguir vantagens especiais para si em prejuízo da sociedade e dos restantes acionistas, pretendendo aquele apenas contornar ilegitimamente os mecanismos estatutários da sociedade requerida a fim de a controlar; A sociedade requerida foi constituída com base em regras de equilíbrio e controlo da gestão da sociedade, que exigem uma maioria qualificada de 75% para nomear o órgão de gestão e que exige que os negócios sociais sejam geridos por um conselho de administração com um número mínimo de 3 ou de 5; No ato constitutivo da requerida, os acionistas contrataram que para se alterar as normas estatutárias desta seria necessária a deliberação de 75% do capital social, Acontece que ao fazer aprovar, em assembleia geral, com os votos correspondentes a uma maioria simples do capital social, a constituição de uma nova sociedade unipessoal por quotas, o acionista V. J. visou escamotear uma parte importante da atividade da sociedade requerida, da sua gestão e de todos os seus fundos disponíveis, ao controlo acionista e estatutário, podendo, em conluio com o mandatário que escolheu, ser nomeado gestor único da nova sociedade e exercer atividade duplicada com a da requerida, mas numa nova sociedade e assim se furtar ao controlo por parte do capital minoritário, frustrando o equilíbrio contratual constitutivo da sociedade requerida e todo o seu esquema de controlo e balanço dos poderes sociais e gestionários fundacionais contratados entre os acionistas; A deliberação tomada no ponto 2 da ordem de trabalhos é igualmente nula por violar diretamente a esfera de competência do conselho de administração da sociedade requerida; Essa deliberação é anulável por conferir poderes ao mandatário que extravasam o conteúdo da deliberação de constituição da sociedade, ao determinar que esse mandatário crie a nova sociedade, com um capital social de 2.500.000,00 euros e ao estabelecer o prazo para a sua realização, que não consta da deliberação de constituição da sociedade, Essa deliberação dá poderes ao mandatário para nomear o gerente da nova sociedade, assim retirando os poderes legais que competiriam à assembleia geral dessa nova sociedade; E determina que qualquer pessoa que pertença aos quadros da nova sociedade pode utilizar as instalações da Y, o que é absolutamente invasor da esfera de competências do conselho de administração desta última e extravasa o conteúdo da deliberação de constituição da sociedade; A deliberação atribui ao mandatário o direito ao uso de uma viatura da requerida e de um cartão de crédito para despesas, o que constitui igualmente uma ingerência, completamente injustificada, na esfera de competência do conselho de administração da sociedade requerida; Essa deliberação atribui poderes ao mandatário para exigir junto das instituições bancárias onde a requerida tem fundos, o cumprimento de transferências bancárias, o que viola os poderes e a esfera de competência daquele conselho de administração da requerida; A execução daquelas deliberações originará, de imediato, a perda por parte da requerida da disponibilidade financeira de 2,5 milhões de euros, determinará significativos custos processuais de constituição da nova sociedade, gerará elevadas despesas decorrentes da atuação do mandatário, incluindo remuneração e regalias para ele previstas, determinará perda ou significativa redução da credibilidade da requerida junto do sistema financeiro, em prejuízo do seu crédito comercial e descrédito da sociedade requerida perante o mercado em geral, como capaz de desenvolver o seu objeto social e a sua atividade de facto, ao surgir uma nova sociedade, cuja atividade seria duplicada e concorrencial com a da requerida.

    A requerida Y apresentou contestação em que sustenta ser verdadeira a factualidade alegada pela requerente, sustentando que o seu conselho de administração não solicitou que a assembleia geral de acionistas se pronunciasse sobre a constituição da nova sociedade, sequer sobre a constituição de nenhum mandatário e declarou, na assembleia geral, antes da votação das deliberações suspendendas, que não concordava com estas, pelo que, na sua perspetiva, essas deliberações contrariam totalmente o declarado pelo seu conselho de administração; Perfilha o entendimento de que essas deliberações invadem a esfera de competência reservada, legal e estatutariamente, atribuída ao seu conselho de administração.

    Conclui pedindo que a ação seja julgada de acordo com a solução jurídica que ao caso couber.

  2. J.

    , residente na Rua …, veio requerer a sua intervenção espontânea, com os fundamentos explanados a fls. 40 a 42, ao que se opôs a requerente X.

    Por despacho proferido a fls. 69, indeferiu-se a intervenção espontânea de V. J., decisão esta da qual não foi interposto recurso, encontrando-se transitada em julgado.

    Realizada audiência final proferiu-se sentença, julgando a providência cautelar totalmente procedente e declarando suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral da requerida realizada em 01 de julho de 2019, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido julgar totalmente procedente a presente providência cautelar, em consequência, declaro suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada no dia 01 de julho de 2019, melhor descritas nos pontos 14 e 18 da matéria de facto assente”.

    Inconformado com o assim decidido, veio V. J.

    interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões: 1. Foi o Recorrente notificado da sentença que julgou procedente o procedimento cautelar de suspensão da deliberação social tomada em 01 de julho de 2019, que determinou que as deliberações sociais referentes aos pontos 1. e 2. da ordem de trabalhos são nulas.

    1. Entendeu a sentença em crise que a matéria constante do ponto n.º 1 da ordem de trabalhos da convocatória de 30 de maio de 2019 é de exclusiva competência do conselho de administração da sociedade “Y - Engenharia e Tecnologia, S.A.”, sendo este o único órgão competente para deliberar sobre a matéria em causa, entendendo por essa razão que os sócios não têm competência para deliberar em Assembleia Geral sobre a constituição de uma nova sociedade naqueles termos, e que por essa razão, a deliberação é nula nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d) do CSC.

    2. Porém, entende o Recorrente que a situação concreta dos autos não é suscetível de nulidade, não preenchendo a previsão legal supra elencada, pois a proposta constante do ponto n.º 1 da ordem de trabalhos consistia na criação de uma nova sociedade comercial integralmente detida pela Y – Engenharia e Tecnologia, S.A., sendo por isso uma sociedade unipessoal por quotas, que atuaria por si só, ou em projetos ligados a empresas ou instituições de sistemas científicos e tecnológicos nacionais ou internacionais, bem como em projetos europeus na área das soluções para o trabalho da chapa metálica, aqui se incluindo os projetos denominados “Portugal 2020”. 4. Nos termos do artigo 373.º, n.º 1 do C.S.C. “os acionistas deliberam ou nos termos do artigo 54.º ou em assembleias gerais regularmente convocadas e reunidas”. O n.º 2 do mesmo artigo refere que “os acionistas deliberam sobre as matérias que lhes são especialmente atribuídas pela lei ou pelo contrato e sobre as que não estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade.” Já o n.º 3 do mesmo artigo estipula que sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração.

    3. Ora, este n.º 3 não pode deixar de se entender logicamente subordinando ao que dispõe o preceito anterior, 6. Bem como ter-se em atenção o artigo 405.º, n.º 1 do C.S.C que na...

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