Acórdão nº 434/14.3TTBRR.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | ANA LUÍSA GERALDES |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1.
AA instaurou a presente acção especial de impugnação de regularidade e licitude do despedimento, contra: Associação … “BB” 2.
Frustrada a conciliação na audiência de partes, a Entidade Empregadora motivou o despedimento pugnando pela existência de justa causa e juntando, para o efeito, o respectivo procedimento disciplinar.
No seu articulado, a fls. 46 e segts., invocou, em síntese, que: A Autora desempenhava funções de auxiliar de acção educativa no citado jardim de infância e, no ano lectivo de 2013/2014, estava afecta ao transporte de crianças utentes da Ré, das 6h.45 às 9h.15 e das 17h.30 às 19h.30.
No dia 27 de Janeiro de 2014, a A. e outro trabalhador da Ré recolheram a criança CC, da sala …, da creche, junto da residência desta, em …, por volta das 9h.05.
A Autora quando chegou ao estabelecimento retirou as crianças da carrinha, em duas vezes, e levou-as às respectivas salas, com a ajuda de duas outras trabalhadoras da Ré, mas deixou a criança CC no interior da viatura, sem que, quer ela, quer o seu colega motorista da viatura, se apercebessem que a criança se encontrava no seu interior.
Mais tarde, alertado o condutor, por uma terceira pessoa, que a criança ficara no interior da viatura, de imediato a conduziu ao jardim de infância.
A criança CC, de 2 anos de idade, permaneceu no interior da viatura, sentada e com o cinto de segurança apertado cerca de seis horas e meia.
Tais factos consubstanciam violação grave dos deveres da A. e conduziu ao seu despedimento com justa causa, pois compromete irremediavelmente a subsistência da relação de trabalho, quebrando a confiança que a Ré nela depositava.
3.
A Autora/Trabalhadora contestou a motivação do despedimento apresentada pela Entidade Empregadora Ré, peticionando a declaração de ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa, tendo deduzido, para o efeito e em síntese, os seguintes fundamentos: 3.1.
Por excepção:
-
A caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, pois o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão e a Ré só a tomou em 11/06/2014, muito para além do referido prazo; b) A nulidade do processo disciplinar, por desconhecimento da respectiva decisão, porquanto a Ré não juntou aos autos, no prazo que lhe foi determinado de 15 dias, cópia da decisão tomada, nem notificou a Autora dos fundamentos da decisão, nem da sua transcrição, nem da acta da Direcção da Ré com indicação de quem se encontrava presente; c) O comportamento discriminatório de que a Autora foi vítima por parte da Ré, pois já em data anterior, em 06/12/2013, quando se deslocavam para um ensaio da festa de Natal também ficou esquecida uma outra criança, o DD, e tais factos, apesar de terem chegado ao conhecimento da Directora Pedagógica, não conduziram ao levantamento de um processo disciplinar ao trabalhador envolvido, nem ao seu despedimento.
3.2.
Por impugnação: - A Autora, para além de estar a ser vítima de comportamento discriminatório, não pode deixar de salientar que para o ocorrido contribuiu igualmente o comportamento da Entidade Empregadora, porquanto a Ré não adoptou procedimentos de controlo ou regras básicas de segurança das crianças, nem antes, nem após ter ocorrido o referido incidente com a criança DD, nomeadamente não criou listagens de entrada e saída dos menores com vista ao seu controle no transporte; - Existe concorrência de culpas, pois a responsabilidade maior é do condutor que tinha a obrigação de vistoriar a viatura antes de a pôr em marcha, o que não fez, bem como da Instituição (Ré) que também não adoptou medidas de segurança para que tais factos não acontecessem; - A Autora trabalha na Instituição desde 19…, tem mais de 27 anos de casa, nunca cometeu nenhuma falta, nem foi sancionada disciplinarmente. É divorciada, vive sozinha e depende, para a sua sobrevivência, deste salário, sendo considerada por todos os colegas e estimada pelos pais dos alunos; - Os factos de que é acusada são graves, todavia podem acontecer a qualquer pessoa, até a um pai ou a uma mãe, e a Autora já reconheceu o seu erro, pediu desculpas à mãe da criança, que as aceitou e compreendeu, e está sinceramente arrependida da sua omissão, sendo certo que a criança nada sofreu com este incidente; - A Autora é doente e encontra-se em tratamento pois padece de ...
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3.3.
Por reconvenção: - Com base nos factos alegados e no sofrimento e angústia que tal situação lhe causou, sentindo-se inútil, a ponto de pensar em suicidar-se, sendo que a Autora é uma pessoa doente, e está a ser seguida na consulta de doenças ... por ...
e fenómeno de ... secundário no contexto de …, e ainda o facto de a ... e … pela incapacidade funcional que as suas doenças de base implicam no desempenho das suas actividades da vida diária e profissional, tendo tudo isso contribuído para o seu agravamento físico e psicológico; - Razão pela qual deve a Ré ser condenada a pagar à Autora uma indemnização por danos morais sofridos, nos termos dos arts. 496º e segts. do CC e 389º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho, em valor não inferior a € 20.000,00.
3.4. Concluiu pedindo que sejam julgadas procedentes as referidas excepções com as respectivas consequências legais, bem como declarada a irregularidade e ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa, condenando-se a Ré a pagar-lhe: 1. Um salário de € 717,00 mensais, acrescido de um mês de férias vencido em 01/01/2014, e um mês de subsídio de férias, mais os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao ano/mês de despedimento (Julho de 2014), ou seja, € 1.254,75, tudo no valor de € 3.405,75, acrescido dos subsídios que se forem vencendo até à decisão dos presentes autos, devendo ser descontadas as quantias que foram pagas em Julho de 2014; 2. As retribuições, subsídios e prémios de assiduidade que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; 3. Por fim, caso venha a optar, o pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração, calculada com base em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, nos termos legais, no valor de € 29.038,50; 4. O valor indemnizatório peticionado reconvencionalmente, no montante de € 20.000,00, por danos morais sofridos pela Autora, em consequência da actuação da Ré.
Valores acrescidos dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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A Ré respondeu ao pedido reconvencional pugnando pela sua improcedência.
-
A Autora declarou, oportunamente, optar por uma indemnização em substituição da reintegração.
-
Realizada audiência de julgamento, o Tribunal de primeira instância proferiu sentença (cf. fls. 189 e segts., do 1º Vol.), na qual decidiu, em síntese, que: 1.
Quanto à caducidade do direito de aplicar a sanção – julgou improcedente a excepção peremptória por considerar válidas as diligências probatórias realizadas pela Ré e não se encontrar ultrapassado o respectivo prazo legal; 2.
Quanto à “inexistência”/invalidade do procedimento disciplinar” – julgou improcedente esta excepção por entender não existir obstáculo a que a fundamentação fáctica da decisão disciplinar seja feita por remissão para a nota de culpa; 3.
Quanto à justa causa do despedimento – entendeu que os factos praticados pela Autora são graves, pois está em causa o contacto diário com crianças, pessoas particularmente indefesas, não sendo exigível que a Ré continue a depositar confiança na Autora e na capacidade desta para lidar com as crianças do jardim de infância.
Nessa medida, exarou o seguinte segmento decisório: “Por todo o exposto, declara-se a licitude do despedimento da Autora/Trabalhadora AA pela Ré/Empregadora Associação … “BB”, e absolve-se esta última de todos os pedidos efectuados pela primeira.
Mais se condena a Autora/Trabalhadora nas custas processuais.” 7. Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando a decisão proferida quanto à matéria de facto e a decisão de direito, tendo aquele Tribunal proferido Acórdão que, depois de ter julgado improcedente a impugnação da matéria de facto, decidiu a causa nos seguintes termos: 1.
Quanto à invalidade do processo disciplinar – julgou verificada a invalidade do procedimento disciplinar por falta da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos, nos termos legais previstos no Código do Trabalho de 2009; 2.
Em consequência, considerou ilícito o despedimento da Autora.
Concluindo nos seguintes termos: “Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e julga-se ilícito o despedimento da Autora, ao abrigo do art. 382.º do CT e, em consequência: Condena-se a Ré a pagar à Autora: - Uma indemnização em substituição da reintegração, que se fixa em 20 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em execução de sentença.
- E, ainda, as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão a que deverão ser deduzidas as importâncias referidas no n.º 2, do art. 390º, do CT, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença.” – (sublinhado nosso).
8. Irresignada, a Ré interpôs revista tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Na impugnação que a Autora faz do despedimento não existe qualquer alusão ao nº 4, do artigo 357.º, do Código do Trabalho, apenas se insurgindo por não lhe ter sido enviada a cópia da acta onde foi tomada a decisão, a fim de saber quem participou da mesma e qual o sentido de votos dos participantes.
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Os argumentos formais que a Autora invocou para impugnar a validade do procedimento disciplinar foram os descritos no artigo 357.º, nºs 5 e 6, daquele diploma, vindo apenas mais tarde, já em sede de audiência de julgamento, tentar impugnar o...
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...não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente.” Por outro lado, o STJ já decidiu Ac. STJ de 06-12-2017, Proc. 434/14.3TTBRR.L1.S2, Ana Luísa Geraldes, www.dgsi.pt , conforme exposto no respectivo sumário, que: “I. Só existe excesso de pronúncia quando os limites proc......
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...como provada e eliminar a resposta que veio a ser dada.”; cf. ainda Ac. STJ de, Proc. 3811/13.3TBPRD.P1.S1, Rosa Tching [3] Proc. 434/14.3TTBRR.L1.S2, Ana Luísa Geraldes, Ponto I do Sumário, in www.dgsi.pt [4] Cf., para além do acórdão referido na anotação 2, Ac. de [5] in jurisprudência.pt......
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