Acórdão nº 538/14.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SILVA GONÇALVES
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “AA, S.A.

” intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra o “BB, S.A.

”, pedindo que sejam declarados nulos especificados contratos de swap (contratos derivados), restituindo-se o à autora o montante de € 2.809.662,49, acrescido de juros de mora à taxa comercial vincendos e vencidos até restituição integral do montante peticionado.

Caso assim não se entenda, pede a autora, subsidiariamente, que seja reconhecida a resolução dos contratos de derivados financeiros em crise, com fundamento na alteração das circunstâncias; e, caso assim não se entenda, pede, subsidiariamente, que o réu seja declarado civilmente responsável pelos danos causados à autora.

Não obstante, nos termos do contrato ISDA celebrado entre a autora e o réu (cláusula 13 do ISDA Master Agreement (cfr. doc. n.º 1) tenha sido atribuída competência aos tribunais ingleses para dirimir qualquer litígio referente à validade, interpretação e execução do desse mesmo contrato, sustenta a autora que, porque é em Lisboa que se situa a sede do réu, são competentes para apreciar esta acção os tribunais judiciais de Lisboa, tudo porque este pacto de jurisdição encontra-se fora do escopo do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, na versão actualmente em vigor (“Regulamento de Bruxelas”), que determina que as partes, com sede em Estados-Membros da União Europeia, podem convencionar que “um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica”.

Tanto a autora como o réu são pessoas colectivas portuguesas, o contrato que está na base da presente acção foi celebrado em Portugal e o lugar do cumprimento da integralidade das obrigações dele decorrentes é em Portugal.

Estamos, pois, perante uma situação jurídica puramente interna, que não apresenta nenhuma conexão com o território de qualquer outro estado, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto espacial de aplicação do Regulamento de Bruxelas e, em virtude dessa consequente inaplicabilidade, aplicar-se-ão as disposições que regem esta matéria, constantes do Código de Processo Civil, conclui a autora.

Cumulativamente, o pacto de jurisdição sempre seria inválido por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais plasmado no Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

De acordo com a alínea g) do artigo 19.º deste diploma, são proibidas as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.

A escolha dos tribunais ingleses representa graves inconvenientes para a autora (custos de deslocação, não domínio da língua estrangeira, custos mais elevados com a defesa, etc.) sem que exista um interesse atendível da parte do réu que justifique tal escolha.

De facto, uma vez que as duas partes são portuguesas e todos os elementos de conexão do contrato se relacionam com a ordem jurídica portuguesa, não existe um interesse do réu que deva ser aqui tido em conta.

Para além do mais, todo o direito imperativo português é aplicável ao presente litígio, pelo que um tribunal estrangeiro teria dificuldades acrescidas para o dirimir de forma adequada.

====================================== Fundamentada no despacho de adequação formal proferido a fls. 3316-3317 e considerando que nesta fase processual está apenas em discussão e apreciação a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses, o tribunal da 1.ª instância, depois de inquirir as testemunhas indicadas pelas partes no que tange à matéria controvertida respeitante a tal exceção, proferiu a seguinte decisão: Pelo exposto, julgo a exceção dilatória da violação de pacto privativo de jurisdição procedente por provada e, em consequência, absolvo a Ré da instância.

Desta decisão apelou a demandante para a Relação de Lisboa, que alegou e concluiu pela forma seguinte: 1.

Na sentença, considerou-se, erradamente, o pacto privativo de jurisdição celebrado pelas partes válido e eficaz à luz do ordenamento jurídico português e, como tal, o réu, ora recorrido, foi absolvido da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, a), do CPC.

  1. A sentença merece vários reparos, tendo violado o artigo 23.°, n.º 1, do Regulamento de Bruxelas bem como o artigo 94.°, n.º s 1 e 3, do CPC, e o artigo 19.°, g), da LCCG.

    A.

    Carácter puramente interno da relação jurídica em crise.

  2. A aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, tal como reconhecido na Sentença recorrida e como o demonstram inequivocamente os Acórdãos Maletic, Owusu e Lindner.

  3. No caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE - cfr. Acórdãos Maletic, Owusu e Linder - susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise, visto que ambas as partes são pessoas colectivas de direito português, os contratos em crise foram celebrados em Portugal e o lugar do cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

  4. Contrariamente ao que pretende o Recorrido, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se: (i) no facto de os contratos de financiamento celebrados pela Recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas; (ii) no uso da língua inglesa; (iii) na aplicação da lei inglesa; (iv) no facto de estarmos perante um produto importado que se insere num mercado internacional; (v) na suposta actuação do Recorrido como mero intermediário; (vi) no facto de o capital social do Recorrido ser detido por uma pessoa colectiva estrangeira; (vii) na possibilidade, nunca concretizada, de o Recorrido poder fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo ou (viii) na escolha pelas partes do contrato ISDA (aqui enquadrado como lex mercatoria).

  5. Não há qualquer ligação entre os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente e os swaps em crise, já que os segundos não contêm qualquer referência aos primeiros, sendo a respectiva existência totalmente autónoma.

  6. Ademais, como salienta o Recorrido na sua contestação, a abstracção relativamente à realidade subjacente é característica dos derivados em geral: de facto, e como de resto aconteceu no caso do swap de 2006, o contrato de mútuo, mesmo que sirva de referência a um contrato swap, pode ser resolvido antecipadamente sem que isso implique a resolução automática do contrato swap.

  7. Os swaps em crise não têm qualquer relação material com os supostos financiamentos subjacentes, conforme alegado na petição inicial.

  8. Seria absurdo que a redacção de um contrato numa língua estrangeira ou a mera escolha de uma lei estrangeira - que só será efectiva na medida em que não contrarie as disposições imperativas da lei portuguesa, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, da Convenção de Roma - fosse critério bastante de transnacionalidade para este efeito.

  9. Mais se diga que sustentar a transnacionalidade da relação jurídica com base na adopção do contrato ISDA - do qual consta o pacto privativo de jurisdição controvertido - conduz a um evidente vício de raciocínio, o qual consiste numa petição de princípios.

  10. Não pode ser o contrato ISDA a validar a cláusula privativa de foro constante do próprio modelo ISDA, sob pena de, para além do vício lógico identificado, se desconsiderarem múltiplos elementos que concorrem para a qualificação de uma dada relação como interna ou como internacional.

  11. A Sentença procurou definir o contrato ISDA como exemplo de uma nova lex mercatoria, cuja especial uniformidade facilitaria o conhecimento pelos interessados do regime legal aplicável. A mera adopção do contrato ISDA seria, por si só, elemento de transnacionalidade suficiente para caracterizar qualquer relação jurídica abrangida pelo seu escopo como internacional.

  12. Acontece, porém, que o contrato ISDA é, conforme aliás foi dado como provado na Sentença, um mero modelo, cujo elevado grau de padronização e de pré-formatação visa facultar às partes um quadro pré-definido quanto às regras aplicáveis no âmbito das relações por si abrangidas.

  13. Ora, as circunstâncias descritas não são de molde a localizar imediatamente as relações sujeitas ao contrato ISDA no plano internacional. Nada obsta a que relações jurídicas puramente internas - como sucede no presente caso - se subordinem ao contrato ISDA. Todavia, a circunstância de se tratarem de relações internas, o que decorre de um conjunto de circunstâncias exógenas relativamente ao teor do próprio contrato, inquina o pacto de jurisdição ali vertido.

  14. O mesmo se diga relativamente à alegação de que estamos perante um produto importado que se insere num mercado internacional.

  15. Trata-se de um contrato de balcão (“over lhe counter") e não de um contrato transaccionado em mercado organizado, pelo que não se vislumbra o conteúdo material destes dois conceitos.

  16. O facto de os contratos swap usarem como referência a taxa Euribor não pode obviamente ser critério para os definir como contratos internacionais.

    Usando tal argumentação, cairíamos no absurdo de sustentar que todos os contratos que tomam como referência esta taxa, incluindo, por exemplo, os contratos de crédito à habitação celebrados entre bancos e cidadãos nacionais, domiciliados em Portugal, seriam ipso facto contratos internacionais.

  17. O Recorrido não actuou como mero intermediário nos contratos swap.

  18. A Recorrente nunca teve conhecimento, nem aquando da celebração dos contratos, nem ao longo da respectiva execução, de que o Recorrido tenha celebrado contratos simétricos com terceiros ou quem seriam esses terceiros, sendo que, em todo o caso, tais contratos não têm qualquer relação jurídica com...

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