Acórdão nº 3793/16.0T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

AA, LDA, propôs contra BB CONSTRUCTION, S.A.S. (1.ª Ré) e BB, SGPS (2.ª Ré), acção de condenação ao pagamento das quantias alegadamente devidas no quadro de um contrato de subempreitada.

2.

O Tribunal da Comarca de … proferiu despacho saneador, em que: I. — julgou a 2.ª Ré BB, SGPS, parte ilegítima; II. — julgou o tribunal incompetente para conhecer do litígio entre a AA, LDA, e a BB CONSTRUCTION, S.A.S., por a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S., ser uma sociedade de direito francês.

3.

A Autora AA, LDA, notificada do despacho saneador sentença que julgou o Tribunal da Comarca de …, interpôs recurso de apelação, alegando e concluindo que: 1ª- Tendo em consideração que estamos perante duas entidades domiciliadas em dois diferentes Estados-Membros da União Europeia, é aplicável a esta relação jurídica o Regulamento (UE) nº 1215/2012.

  1. - Face ao disposto no art. 25º deste Regulamento, que prevalece sobre o direito nacional face ao princípio do primado do direito europeu, e ao teor da cláusula 14ª do contrato, o tribunal competente para julgar a presente ação é o Tribunal da Comarca de ….

    Sem prescindir, 3ª- Nos termos do art. 82º do CPC, nº 2, face à coligação de réus, a A podia optar por um dos tribunais territorialmente competente, tendo optado pelo tribunal da sede da 2ª Ré.

  2. - O facto da 2ª Ré ter sido absolvida da instância no despacho saneador, não afasta a aplicação da referida previsão legal.

  3. - Nos termos do disposto no art. 38º nº 1 da LOSJ, a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

  4. - A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

  5. - A sentença “a quo” ao julgar incompetente o Tribunal da Comarca de … não fez uma correta interpretação do regulamento (UE) 1215/2012, bem como do art. 82º do CPC e do art. 38º nº 1 da LOSJ.

    Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença da 1ª instância e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

    4.

    BB CONSTRUCTION, S.A.S., contra-alegou, formulando a final as seguintes conclusões: A. O objecto do Recurso da Autora confina-se à aplicabilidade do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e o exacto momento em que se impõe aferir e fixar da competência [ou falta dela] para o conhecimento do mérito de cada acção.

    1. A Recorrente faz uma interpretação parcial e errónea do artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012.

    2. Não estava na disponibilidade das Partes, Autora e 1.ª Ré, o direito a convencionar o foro no que respeita ao cumprimento da prestação no contrato de empreitada que celebraram a 18 de Dezembro de 2014.

    3. Nos termos da aplicação conjugada dos artigos 95º n.º e 104.º n.º 1 alínea a), ambos do CPCiv, não era, em 18 de Dezembro de 2014, nem é hoje, um direito disponível das partes, a possibilidade de convenção de foro, relativamente à propositura de acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações.

    4. A Autora / Recorrente não pôs em crise a decisão do Tribunal a quo que desconsiderou o domicílio convencionado das Partes, afastando com isso as regras da competência para o cumprimento da obrigação.

    5. A Autora / Recorrente limitou-se a dizer que o M.mo Juiz a quo se “esqueceu” de aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012.

    6. Efectivamente o artigo 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012 prevê a possibilidade das partes poderem convencionar o tribunal competente para dirimir os litígios contratuais, desde que o façam por escrito. Mas não diz só isso!!! Também diz que a bondade de qualquer convenção jurisdicional deve ser aferida à luz do direito processual local (português, in casu) que, tal como demonstrou o Despacho Saneador Sentença, não vale… H. Por aplicação do artigo 25.º nº 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, o Tribunal competente para dirimir o litígio entre as Partes – incumprimento contratual da 1.ª Ré, tal como foi configurado pela Autora –, é o tribunal francês, porquanto, o artigo 104º n.º 1 alínea a) do CPCiv., por força do artigo 95º n.º 1 do mesmo diploma, “[…] determina a impossibilidade das partes contraentes acordarem na estipulação de foro convencional para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento.[…]” I. E declarando-se o Tribunal a quo incompetente, também foi decisão do Tribunal julgar parte ilegítima a 2.ª Ré, decisão essa que não foi posta em crise pela Recorrente e nem constitui objecto do seu Recurso.

    7. É no despacho saneador que o Tribunal averigua da bondade da mencionada fixação de competência “adjudicada” ao Autor, enquanto impulsionador processual.

    8. O disposto no artigo 38º n.º 1 da LOSJ há-de ser interpretado em conjugação com o artigo 595º nº 1 do CPCiv., sob pena de se desmerecer o necessário “saneamento” do processo.

      L. Saneado o processo, julgada a incompetência relativa e a ilegitimidade da única Ré com domicílio em Portugal, muito embora mande a lei à remessa do processo para outro tribunal, o envio automático do processo não tem aplicação nos casos em que a competência for de um tribunal estrangeiro.

    9. Por força do Princípio do primado do direito europeu - Regulamento (UE) n.º 1215/2012, terá de ser apresentada nova acção junto do tribunal competente.

      O Tribunal a quo julgou no estrito limite dos elementos carreados para o processo.

      Pelo exposto, de nenhuma ilegalidade enferma a sentença injustamente colocada em crise pela Recorrente, devendo manter-se na totalidade o sentenciado.

      5.

      O Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso de apelação interposto, “mantendo[], por isso, o despacho proferido e o alcance da decisão que lhe é implícita”.

      6.

      Inconformada, a Autora AA, LDA, interpôs recurso de revista.

      Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª- A apelante suscitou a seguinte questão no seu recurso: A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

      2a- O douto acórdão recorrido, embora tenha destacado esta questão como englobando o objeto do recurso, não se pronunciou sobre a mesma.

      3a- Esta omissão de pronúncia traduz, nos termos do disposto na alínea d) do n° 1 do art. 615° do CPC, uma nulidade do acórdão que expressamente se invoca.

      4a- Tendo em consideração que estamos perante duas entidades domiciliadas em dois diferentes Estados-Membros da União Europeia, é aplicável a esta relação jurídica o Regulamento (UE) n° 1215/2012.

      5a- Face ao disposto no art, 25° deste Regulamento, que prevalece sobre o direito nacional face ao princípio do primado do direito europeu, e ao teor da cláusula 14a do contrato, o tribunal competente para julgar a presente ação é o Tribunal da Comarca de ….

      Se assim não se entender, 6a- Nos termos do art. 82° do CPC, n° 2, face à coligação de réus, a A podia optar por um dos tribunais territorialmente competente, tendo optado pelo tribunal da sede da 2a Ré.

      7a- O facto da 2a Ré ter sido absolvida da instância no despacho saneador, não afasta a aplicação da referida previsão legal.

      8a- Nos termos do disposto no art. 38° n° 1 da LOSJ, a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

      9a- A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

      10a- O douto acórdão "a quo", ao julgar incompetente o Tribunal da Comarca de … não fez uma correta interpretação do regulamento (UE) 1215/2012, bem como do art. 82° do CPC e do art. 38° n° 1 da LOSJ.

      Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

      7.

      As Rés BB CONSTRUCTION, S.A.S.. e BB SGPS, S.A. Sociedade Aberta, contra-alegaram.

      Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: A.

      A Recorrente, não só percebeu a pronúncia do Tribunal a quo, como a explica, nas suas alegações de revista, pelo que o Acórdão Recorrido pronuncia-se sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente, pelo que terá que improceder o fundamento de nulidade.

      B.

      O Acórdão Recorrido não padece de qualquer omissão de pronúncia, não revestindo qualquer nulidade nos termos do disposto no artigo 615° n.° 1 alínea d) do CPCiv..

      Acresce que, C.

      Da decisão constante (de parte) do Acórdão Recorrido que negou procedência à apelação no que respeita à questão "da atribuição da competência territorial do tribunal dever ser efectuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da acção, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior", não é cabe o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça no quadro de uma revista normal, sendo o presente Recurso de Revista, NESSA PARTE, inadmissível nos termos do artigo 671 .°,n.° 3 do CPCiv..

      D.

      A fundamentação recursória da 2a questão levantada pela Recorrente, nada tem que ver com a violação das regras de competência internacional (susceptível de permitir uma terceira instância de apreciação), mas antes uma fundamentação com base numa...

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