Acórdão nº 205/14.7PLLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

*** I. Relatório 1.

Na Comarca de Lisboa Norte, Loures, Instância Central, Secção Criminal, J5, o arguido AA foi julgado e, a final, condenado, por acórdão de 15.12.2014, no que releva para o caso aqui em apreciação, como autor material e em concurso real, da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, número 1, alínea c), por referência ao artigo 2.º, número 1, alíneas p), ae) e az), número 3, alíneas p) e v), número 5, alíneas p) e s), ao artigo 3.º, números 2 e 3, e ao artigo 5.º, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos de prisão, e de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, número 2, alínea e)[1], do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 15 (quinze) anos de prisão, e bem assim a pagar ao Hospital de Santa Maria a quantia de €112,07, por danos patrimoniais, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.

2.

Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 18.06.2015, decidiu: a) Rectificar a decisão recorrida, passando a dela constar que as cápsulas e as munições apreendidas ao arguido eram de calibre 7.65 mm; b) No mais, julgar não provido o recurso e confirmar inteiramente a decisão recorrida[2].

3.

Irresignado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido AA interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação que apresentou, as seguintes conclusões: «I - Da matéria de facto provada, resulta que arguido Nuno Pereira, não tinha qualquer experiência em manuseamento de armas de fogo só iria exibi-la, mas disparou para as pernas com receio que o BB concretizasse as ameaças, o último tiro no ombro foi acidental, não foi o seu propósito/intenção tirar a vida ao BB.

II - Da personalidade do arguido que ficou descrita nos pontos 26 a 44 podemos concluir que é uma pessoa amiga trabalhadora incapaz de tirar a vida de alguém, entregou-se voluntariamente à PSP, e foi nas instalações da Policia que soube que o BB tinha falecido no Hospital.

III - O arguido agiu sem reflectir, e confessou integralmente os factos, como refere o ponto 29 O arguido confessou, com reservas, parte dos factos acima descritos, como refere o ponto “30. Mostra-se arrependido.” O arguido está genuinamente arrependido, referindo por diversas vezes que retirou uma vida e vai viver com esse peso para o resto da vida e estragou a vida dele todo, que nunca teve problemas com ninguém e sempre foi uma pessoa calma, onde sempre praticou os princípios e valores dados pelos pais.

IV - Ora, o douto Tribunal da relação decidiu manter a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p, pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2, al. i), do Cód. Penal. Atendendo à matéria de facto dada como provada e às circunstâncias em que os factos foram produzidos, no máximo estaremos perante um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do C.P, tanto mais [que] resulta da matéria de facto provada no douto acórdão que o arguido foi injuriado para além de ameaçado, a superioridade numérica.

V - No nosso modesto entendimento, não estão preenchidos os pressupostos da qualificação do crime de homicídio, ao contrário no vertido do douto acórdão que manteve a qualificação os factos provados não revelam qualquer especificidade quanto ao modo de execução da morte de outrem, nem qualquer especial perversidade ou especial censurabilidade, referindo-se às componentes da culpa relativas ao facto, enquanto que a especial perversidade tem por objecto as componentes da culpa referentes ao agente estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente", diz que "qualquer motivo torpe ou fútil», significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto ele um profundo desprezo pelo valor da vida humana".

VI - Apesar de reprovável a conduta do arguido, que assumiu de imediato a sua culpa e arrependimento, a situação não foi querida e procurada pelo arguido, como resulta da factual idade dada como provada.

VII - Mesmo que se entenda que o arguido praticou tais crimes ou um dos crimes terá de ser absolvido pelo crime de detenção de arma proibida, porquanto o crime de homicídio qualificado cometido pelo arguido e o crime de detenção ilegal de arma intercede uma relação de consumpção, uma vez que a tutela agravada e abrangente do crime de homicídio qualificado compreende já o âmbito de protecção pressuposto no crime de arma (sendo a utilização desta o meio de qualificação do homicídio) "- Cfr, neste sentido, o Ac, do S.T.J. de 27-02-91. Cumpre esclarecer que tem constituído entendimento dominante do Supremo Tribunal de Justiça a perda de autonomia do crime de posse e detenção de arma proibida nas situações em que essa conduta foi já valorada penalmente na integração da alínea i) do artigo 132.º do Código Penal.

VIII - Por conseguinte, caso entenda-se pela condenação do arguido pelo crime de homicídio, não deverá ser pela qualificação, pois, na verdade, verifica-se uma relação de concurso aparente entre tais infracções, devendo o arguido ser punido apenas pela comissão de um crime, ao contrário do que que decidiu o tribunal a quo, e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu manter.

IX - Ora, parece-nos, salvo outro e melhor entendimento, ser tal condenação manifestamente exagerada, atentos os factos apurados, a culpa do agente, à ilicitude, os seus antecedentes, as suas perspectivas de reinserção social, bem como o universo de condenações em Portugal, por estes e outros crime, forçoso será de concluir pela inadequabilidade de tal condenação; X - A data dos factos, o arguido mantinha-se profissionalmente activo, socialmente integrado, mostra-se arrependido e não tem antecedentes criminais. O arguido é considerado bom trabalhador, zeloso e responsável, os colegas de profissão descrevem o arguido como um jovem calmo, educado, com capacidades ao nível do estabelecimento e manutenção de relações interpessoais positivas. O arguido tem no meio prisional comportamento adequado e coadunante com as regras vigentes.

XI - Justifica-se uma diminuição das penas parcelares e da pena única a que a arguida veio a ser condenado, uma vez que a pena de dezasseis anos e seis meses de prisão se mostra manifestamente exagerada, desproporcional e desadequada, atendendo ao preceituado legal quanto à função repressiva e preventiva das penas de privação de liberdade.

XII - Parece-nos que houve uma notória violação da medida da pena aplicada, ultrapassando em muito a medida da culpa concreta do arguido face aos factos dados como provados, tendo ainda, o acórdão em crise violado disposto nos artigos 40.º n.º2 e 71.º, n.º1, al. a), do Código Penal; XIII - Caso se decida pela condenação do recorrente pelo crime de homicídio qualificado a medida da pena aplicada deverá ser o limite mínimo (12 anos de prisão) face a todos os argumentos expostos assim como para o crime de detenção de arma proibida deverá ser a pena mínima. Acresce o facto de, os fins de prevenção geral atendidos no douto acórdão ora em crise ultrapassam a medida da culpa do recorrente, a qual deve ser o primeiro e último limite na determinação da pena concreta a aplicar.

Bem como, descurou os fins de prevenção especial expressos na necessidade de reintegração do arguido encarado na vertente humana e social.

Violaram-se: os artigos 131.º, nº 1, 132.º, nº 2 aI. i), 40.º, n.º 2, 70.º, 71.º e 72.º, e artigo 85.º, n.º 1, d), da Lei 5/2006».

Rematou o recorrente sustentando que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada e aqui impugnada, e alterada a qualificação do crime de homicídio para homicídio e absolvido de detenção de arma proibida, caso assim não se entenda, deverá ser alterada a medida da pena em conformidade com o artigo 71.º, n.º 2, aI. d), do Cód. Proc. Penal, e em consequência que seja mais reduzida que se mostre mais justa, adequada e proporcional ao caso concreto.

4.

Ao motivado e assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que concluiu nos seguintes moldes: “1 - A pretendida alteração da matéria de facto, para além de não constituir matéria de recurso para o STJ - art.º 434.º do CPP -, não existe motivo para a mesma posto que não resulta do texto do acórdão recorrido qualquer dos vícios do art.º 410.º, n.º 2 do CPP; 2 - No caso em apreço, porque dos factos provados não resulta que o arguido tivesse agido com «especial maior culpa» a que se refere o Ac. STJ lavrado no Proc.º 361/10.3GPLLE em 31-03-2011 (antes em situação de emoções alteradas), o homicídio cometido com uma arma deve ser punido como simples, mas com a pena agravada atento ao disposto no art.º 86., n. º 4 da Lei 5/2006 (Lei das armas, ou seja, abstractamente, punível com prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses); 3 - Tal crime de homicídio, porém, não consome o crime de detenção de arma proibida, posto que os valores protegidos por aquelas normas penais são diferentes, pelo que o arguido deve ser efectivamente condenado por deter uma arma proibida, até porque este último crime ocorreria mesmo que ele a não tivesse usado para a prática do homicídio.

4 - Mostra-se, porém, correcta a pena cumulada de 15 anos, pelo que o acórdão recorrido, nessa parte, não merece qualquer reparo”.

5.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronunciando-se no sentido de que o recurso deverá ser rejeitado na parte atinente à pena aplicada pelo crime de detenção de arma...

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