Acórdão nº 1952/13.6TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA – Cooperativa dos Produtores de Leite, CRL, intentou acção contra BB (por si e na qualidade de única herdeira de CC e DD), EE, FF, GG, HH, II e JJ, pedindo a condenação destes: a) na restituição da posse do caminho que identifica; b) a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem o acesso da A., a pé e de carro, pelo referido caminho; e c) no pagamento de uma indemnização no valor de € 30.529,55, pelos prejuízos causados. Fundamentando os seus pedidos, a A. alegou, em síntese, que é legítima proprietária do prédio sito na Rua da …, Rates, o qual sempre foi servido pelo lado poente por um caminho que dá acesso ao lugar designado por Fonte …, o que sucede há mais de 20 e 30 anos, à vista de todos e sem oposição. Sucede que, no dia 20/06/2013, os RR., arrogando-se proprietários do caminho e que o mesmo apenas dá servidão ao terreno de um vizinho, impediram a circulação dos camiões que carregavam o betão para a obra que a A. tinha em curso, obrigando-a a arranjar alternativas e, mais tarde, a repor o caminho no seu estado inicial, o que tudo lhe causou um prejuízo não inferior a € 30.529,55.

Os RR. contestaram. Invocaram a ineptidão da petição e impugnaram os factos alegados, dizendo, em síntese, que são donos do prédio que confronta a nascente com o da A. pelo qual, por si e ante possuidores, permitiram ao vizinho KK o acesso ao seu prédio, criando um trilho por onde aquele passava, esporadicamente, a pé, com animais e carro de bois e, posteriormente, com tractor. Em 2007, aquando das obras na unidade fabril da A., esta alteou o terreno e alargou o caminho, primeiro até à entrada do seu prédio e, posteriormente, até ao prédio do KK. Em 2013, a A. ordenou a circulação de camiões pelo prédio dos RR., com a oposição destes, motivando a contratação pelos RR. de uma retroescavadora para rebaixar o caminho. Além de concluírem pela sua absolvição, os RR. deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da A. a reconhecê-los únicos donos do prédio rústico descrito, e a abster-se da prática de qualquer acto ofensivo de tal direito. No caso de se reconhecer a existência da servidão de passagem, que se declare a mesma extinta por desnecessidade e, bem assim, a condenação da A. a pagar-lhes os prejuízos sofridos, a liquidar em execução de sentença.

A A. respondeu à matéria da excepção, impugnou os factos alegados, que fundamentam a reconvenção e defendeu a sua improcedência.

A fls. 192, foi proferido despacho saneador admitindo o pedido reconvencional e julgando improcedente a excepção da ineptidão.

Por sentença de fls. 278, decidiu-se nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e em consequência condeno os Réus a restituir a posse do caminho à Autora e a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou dificultem o acesso da Autora, a pé e de carro pelo referido caminho, bem como a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença.

Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e em consequência declaro que os Réus/Reconvintes são únicos e exclusivos donos de um prédio rústico denominado “Monte …”, de bravio, sito no Lugar de …, freguesia de Rates, deste concelho, a confrontar do sul com LL e a poente com herdeiros de MM, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o n.º 949 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00904/... e condeno a Autora/Reconvinda a reconhecer e respeitar e abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem ou ofendam tal direito de propriedade. Absolvo a Autora Reconvinda do demais peticionado.” Inconformados, os RR. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a matéria de facto e questionando a solução de direito.

Por acórdão de fls. 375, alterou-se a matéria de facto e, em consequência, decidiu-se nos seguintes termos: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente apelação e, em conformidade, revoga-se a sentença, na parte em que condenou os réus (“condeno os Réus a restituir a posse do caminho à Autora e a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou dificultem o acesso da Autora, a pé e de carro pelo referido caminho, bem como a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença”) e, em tudo o mais (“declaro que os Réus/Reconvintes são únicos e exclusivos donos de um prédio rústico denominado “Monte …”, de bravio, sito no Lugar de Salto do Cão, freguesia de Rates, deste concelho, a confrontar do sul com LL e a poente com herdeiros de MM, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o n.º 949 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00904/… e condeno a Autora/Reconvinda a reconhecer e respeitar e abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem ou ofendam tal direito de propriedade. Absolvo a Autora Reconvinda do demais peticionado”) mantém-se o sentenciado.

” 2.

Vem a A. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: A. Em função da alteração à matéria de facto dada como provada considerou o Tribunal "a quo" que a parte da sentença que condena os réus a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que se vier a liquidar em execução de sentença deve ser alterada.

B. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a autora concordar com esta decisão, tendo, na perspectiva da recorrente o Tribunal "a quo" feito errada interpretação, entre outras disposições legais, do art. 483°, do CC. Na verdade, C. Apesar de não se haver considerado a inexistência de direito ou de posse por parte da recorrente, no acórdão recorrido fica-se com a ideia que é legítimo alguém impedir outrem de aceder ao prédio de que é proprietário por um caminho que ali já existe há mais de trinta anos e por onde toda a gente passava e que os recorridos não provaram fazer também parte da sua propriedade.

D. O caminho em causa nos autos existe e dá acesso ao prédio da recorrente, conforme vem referido no item 5 dos factos considerados provados.

E. os camiões da empresa construtora contratada pela recorrente foram impedidos de circular pelo referido caminho, uma vez que lá se encontrava, a impedir a circulação, uma máquina retroescavadora giratória, que foi colocada pelos réus - item 8 - e que depois foi colocada em funcionamento e começou a revolver a terra do caminho - item 10.

F. Esta situação, provocada intencionalmente pelos réus, causou necessariamente prejuízos conforme se pode verificar pelo constante dos itens 11 a 20 dos factos considerados provados, pois, ainda que se não tenha provado que a posse exercida pela autora foi uma posse de mais de 20 e 30 anos, e como tal tendente à aquisição originária do direito de servidão, o certo é que era por aquele caminho que a autora acedia àquela parte do seu prédio, dando o mesmo também acesso à Fonte do Pedro e a, pelo menos, ao prédio de mais um proprietário. Ora, G. Conforme é doutrina e jurisprudência assente no nosso sistema jurídico, são as partes que fornecem os factos ao Juiz, mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal, é função própria dos Tribunais, mais concretamente dos Magistrados Judiciais, os quais nesse âmbito procedem com a mais inteira liberdade.

H. A recorrente tem por certo e seguro que a conduta dos recorridos, no caso concreto relatado nos autos, e mesmo de acordo com os factos que vieram a ser considerados provados em sede de recurso de apelação, não foi conforme ao direito, não os podendo afastar da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no art. 483°, do CC.

I. É que para haver obrigação de indemnizar é necessário a existência de um facto lesante, facto esse ilícito, que possa ser imputado a alguém, que cause dano e que se estabeleça um nexo de causalidade entre o facto lesante e o dano. Contudo, J. Para justificar a não condenação dos recorridos na indemnização pedida pela autora, a douta decisão recorrida valeu-se do facto de entender que para haver ilicitude, esta pressupõe a violação de um direito alheio, no caso a violação de um direito absoluto da autora, direito esse que a autora não terá demonstrado ter, nomeadamente a posse do caminho. No entanto, K. Entende a recorrente que a obrigação de indemnizar ocorre não só quando a conduta ilícita é violadora de um direito absoluto alheio ou de disposição legal que protege interesses de outrem, mas também quando o agente age com manifesto abuso de direito, nos termos definidos pelo art. 334°, do CC e com o enquadramento que lhe é dado pela jurisprudência nacional.

L. Atenta a impossibilidade deste Tribunal Supremo poder julgar de facto, mas apenas o podendo fazer em matéria de direito e o Tribunal "a quo" haver fixado definitivamente a matéria de facto considerada provada e não provada, no que à obrigação de indemnizar diz respeito, os factos assentes teriam de levar a conclusão diversa daquela que foi tomada no douto acórdão em crise. Na verdade, M. Como muito bem referem Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação ao art. 483° do CC (Código Civil Anotado, Vol. I, pg 471, 4ª Edição Revista e Actualizada) "O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente — um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -pois só quanto a factos desta índole tem cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei a impõe" e mais adiante os mesmos ilustres professores de direito, na mesma anotação, referem o seguinte: " ... Não se trata, neste caso, da violação de um direito de outrem, ... mas do exercício anormal do direito próprio. O exercício do direito em termos reprovados pela lei é considerado ilegítimo, e isso quer dizer que, havendo dano, o titular do direito pode ser (desde que no caso se reúnam os restantes requisitos da...

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