Acórdão nº 1519/14.1TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra: - Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E.

Pedindo que seja: 1. Reconhecida a validade do contrato de trabalho celebrado entre as partes; 2. Declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e, em consequência, ser a Ré condenada a:

  1. Reintegrá-lo na categoria profissional que detinha ou a pagar-lhe a correspondente indemnização, caso venha a optar por esta; b) Pagar a quantia de € 67.810,07, relativa às retribuições mensais e aos subsídios de férias e de Natal vencidos e não pagos; c) Pagar a quantia de € 1.870,00, correspondente ao valor do prémio de um seguro de saúde equivalente ao que abrangia o A., desde a data da cessação do contrato até ao trânsito em julgado da decisão; d) Pagar a quantia de € 200.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a cessação do seu contrato de trabalho.

    Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

    Como fundamento, e em síntese, alegou que: O Autor é licenciado em economia com uma vasta experiência em lugares de Administração de empresas, lugar que também ocupou na “…”, tendo inclusivamente sido vereador da CM de … e Director-Geral ….

    O Autor sempre assumiu cargos de chefia, Direcção e Administração, em especial na área dos transportes, a larga maioria dos quais ao serviço do Estado.

    Devido à sua experiência e reputação profissionais, em finais de 2002 o Autor foi convidado pelo então Secretário de Estado … para assumir funções de Presidente do Conselho de Administração da “BB, S.A.”, tendo sido nessa mesma data acordada, também, a sua contratação para funções de assessoria da Ré, o que mereceu o acordo do então Ministro da tutela.

    Acordo esse que acabou por ser materializado em Dezembro de 2004, já com a intervenção do Secretário de Estado do Governo subsequente.

    Em … de Dezembro de 2004, o Autor celebrou com a Ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos do qual o Autor se obrigou a exercer funções de …, sob a Autoridade e direcção da Ré, conforme documento junto aos autos, com o vencimento base ilíquido de € 4.800,00.

    Uma vez que naquela data da celebração do contrato – em 2004 – o Autor exercia funções de Administração na “BB”, o contrato celebrado ficou suspenso até ao termo do exercício das funções de Administração na “BB – Companhia BB …, S.A.”, então desempenhadas pelo Autor.

    Sucessivamente foram sendo feitos acordos, com duração de três anos cada, entre a “BB, S.A.”, a Ré e o Autor, em que a Ré cedia temporariamente e com carácter eventual o A. à “BB, S.A.” para o exercício do cargo de ….

    Sendo que, para o triénio de 20…/20…, a cedência ocasional concretizada foi para o exercício do referido cargo, quer na “BB, S.A.”, quer no “CC, EPE”, tendo ficado estabelecido que cessando os mesmos, o Autor regressaria à Ré, mantendo todos os direitos aí detidos, incluindo a antiguidade relativamente a todo o período de exercício do referido cargo.

    Em consequência da polémica em torno dos “S...”, ocorrida em 20…, o Governo em funções decidiu proceder à demissão do Autor do cargo de … do “CC, EPE” e da “BB, S.A.”, por resolução do Conselho de Ministros, n.º …/20…, de … de ….

    No mesmo dia, o Autor comunicou à Ré que, após um curto período de férias, assumiria as suas funções no dia … de … de 20…, tal como fora acordado no Acordo de Cedência Ocasional, de ……..2012, e tal como constava do seu contrato de trabalho.

    Inesperadamente, por carta de … de Junho de 20…, foi o Autor informado pela Ré que não poderia retomar funções em virtude de o contrato celebrado, em … de … de 2004, padecer do vício de nulidade, por violação do art. 398.º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

    Decisão com a qual o Autor não se conforma pois configura um despedimento ilícito, que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais pelos quais pretende ser ressarcido, sem prejuízo da sua reintegração ou indemnização de antiguidade e, bem assim, das retribuições intercalares a que tem direito, nos termos peticionados e que aqui reclama.

    1. A Ré contestou, alegando em síntese que: O contrato estabelecido entre as partes foi celebrado com a aposição de um termo suspensivo, sendo nulo por ter sido celebrado à revelia da lei e do espírito da proibição legal a que alude o art.º 398.º, n.º 1, do CSC, matéria que passou a estar expressamente prevista no novo Estatuto dos Gestores Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27.03.

      Por tal facto nenhum efeito podem ter os Acordos de Cedência Ocasional celebrados em 2009 e 2012, carecendo, nessa medida, de razão e fundamento jurídico a pretensão do Autor.

      Conclui pela improcedência da acção.

    2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos: «Face ao exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente, por provada em parte e, em consequência, declaramos ser válido o contrato de trabalho celebrado entre A. e R., bem como a ilicitude do despedimento do primeiro pela segunda, condenando esta a pagar-lhes: a) a indemnização respectiva, no montante de € 62.604,85; b) todas as retribuições vencidas desde … de … de 2014 e vincendas até trânsito em julgado desta sentença, por referência à retribuição mensal de € 5.552,70, absolvendo a R do demais peticionado.

      Sobre aquelas importâncias serão devidos juros de mora, vencidos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

      Custas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento – art. 527º do CPC.» 4.

      Inconformada, a Ré “REFER” interpôs recurso de apelação, ao qual se seguiu a interposição de recurso subordinado por parte do Autor.

    3. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão, em 3 de Maio de 2017, tendo deliberado nos seguintes termos: «Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso da Ré e, como tal, revoga-se a sentença recorrida, declarando-se nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, bem como nulos e de nenhum efeito os ditos acordos de cedência ocasional do Autor, absolvendo-se a Ré do pedido.

      Nega-se provimento ao recurso subordinado do Autor, dele se absolvendo a Ré.

      Custas pelo Autor em ambos os recursos.» 6.

      Irresignado com o decidido o Autor interpôs revista, formulando nas respectivas alegações as conclusões que assim se sintetizam: 1. O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 10° e 11° do Dec. Lei n° 464/82, de 9/12, nos artigos 10°, 330° e 331° do Código do Trabalho de 2003, nos artigos 12°, 236°, 334° e 496°, n° 1, todos do Código Civil, no artigo 17° dos Decretos-Lei nº 71/2007, de 27/03 e nº 8/2012, de 18/01, nos artigos 289°, n° 1, alíneas a) e b), 381° e 391°, n° 1, do Código do Trabalho de 2009 e no artigo 72° do CPT.

    4. Tendo o contrato de trabalho dos autos sido celebrado em Dezembro de 2004, à situação era aplicável o Estatuto dos Gestores Públicos na redacção constante do Decreto-Lei nº 464/82, de 9.12, sem as alterações que foram introduzidas pelo DL nº 71/2007, de 27/03 e pelo DL nº 8/2012, de 18/01, com o regime de incompatibilidades aí previsto, concretamente a previsão constante do n° 6 do artigo 22°.

    5. Nada nos artigos 10° ou 11° do Decreto-Lei nº 464/82, de 9/12, previa que impedisse a celebração do contrato de trabalho sem termo com a Ré. Além de que, estando a matéria das incompatibilidades e impedimentos aí expressamente regulada (embora em termos muito mais limitados do que depois veio a ser, com as já citadas alterações subsequentes), não é de aplicar ao caso o preceituado no artigo 398° do Código das Sociedades Comerciais.

    6. Por assim ser, o contrato é válido, ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido.

    7. Jamais se retira da análise conjugada da matéria de facto dada como provada que, com a redacção da cláusula 9a do contrato celebrado em Dezembro de 2004, e ao abrigo do preceituado no artigo 236° do CC, citado no Acórdão recorrido, as partes pretenderam a aposição de um termo suspensivo ao contrato em questão.

    8. Quando a Ré, logo em 2004, atribui ao Recorrente uma categoria profissional, uma remuneração e sobretudo um número de trabalhador e um seguro de saúde, do qual o Recorrente beneficiou durante 9 anos (até à arguição de nulidade do contrato por parte da Recorrida), não está a pretender a paralisação do contrato até ao termo do exercício de funções de gestor público do Recorrente. Este enquadramento fáctico apenas permite concluir que as partes se vincularam desde logo a uma série de compromissos emergentes da celebração do contrato.

    9. O que é incompatível com o entendimento de que ao contrato foi aposto um termo suspensivo.

    10. Tal é reforçado pela circunstância de as partes, maxime a Recorrida, ter optado por celebrar, em 2009 e em 2012, dois acordos de cedência ocasional (independentemente da sua validade, que adiante analisaremos). Se tivesse sido vontade das partes a aposição ao contrato de um termo suspensivo, jamais se justificaria a celebração de tais acordos.

    11. Outro argumento que reforça a inconsistência da tese desenvolvida no Acórdão recorrido, é a circunstância de as partes, na Cláusula Quinta do acordo de 2009 e na Cláusula Quarta do acordo de 2012, terem estipulado o seguinte: "Cessando o presente acordo ou em caso de extinção ou de cessação da actividade da Primeira Outorgante, o trabalhador cuja disponibilidade é cedida, regressa à Segunda Outorgante mantendo todos os direitos aí detidos (...)".

    12. Ora, se o trabalhador "regressa" e "mantém" é porque as partes admitem que "já esteve" e "já adquiriu". O que é incompatível com um contrato de trabalho sujeito a termo suspensivo.

    13. Finalmente, não é pela circunstância de o Recorrente nunca ter exercido qualquer tipo de funções a título subordinado ao abrigo do contrato de trabalho celebrado para a Recorrida, nem estado disponível para o fazer, que se pode concluir que, ao invés de um contrato suspenso, o que temos é um contrato com aposição de...

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