Acórdão nº 229/16 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução22 de Abril de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 229/2016

Processo n.º 10/16

2.ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por sentença proferida em 16 de janeiro de 2015 que decidiu os recursos de impugnação da decisão administrativa do Banco de Portugal foram condenados pelo 1.º Juízo do T.C.R.S. de Santarém:

- a arguida A., S.A., anteriormente denominada B., S.A., na coima de € 400.000,00, pela prática da contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B., prevista e punida no artigo 211.º, g), do RGICSF;

- a arguida C., S.A., na coima de € 150.000,00, pela prática da contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da C,, prevista e punida no artigo 211.º, g), do RGICSF;

- o arguido D., pela prática de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B., e de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da C., previstas e punidas no artigo 211.º, g), do RGICSF, na coima única de €. 140.000,00;

- o arguido E., pela prática de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B., e de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da C., previstas e punidas no artigo 211.º, g), do RGICSF, na coima única de €. 100.000,00;

- o arguido F., pela prática de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B., e de uma contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da C., previstas e punidas no artigo 211.º, g), do RGICSF, na coima única de €. 200.000,00.

Estes arguidos recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 31 de julho de 2015, julgou totalmente improcedentes os recursos interpostos por A., S.A., C., S.A., D. e E. e parcialmente procedente o recurso interposto por F., tendo julgado prescrito o procedimento relativamente à contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da C., e condenado este arguido apenas pela contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B., prevista e punida no artigo 211.º, g), do RGICSF, na coima de €. 120.000,00.

O arguido E. arguiu a nulidade desta decisão, o que foi indeferido por novo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11 de novembro de 2015, o qual também declarou prescrito o procedimento contra F. relativamente à contraordenação de falsificação da contabilidade consolidada da B..

A arguida A., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 31 de julho de 2015, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, invocando a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, aplicado ex vi artigo 41.º do RGCO e 232.º do RGICSF, quando interpretado no sentido de permitir imputar aos arguidos ao invés de uma única contraordenação por inobservância de regras contabilísticas determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, com prejuízo grave para o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade em causa, conforme vinham acusados, três contraordenações de prática de falsificação de contabilidade, previstas e punidas pelo artigo 211.º, alínea g) do RGICSF, uma por cada sociedade envolvida, por violação do artigo 32.º, n.º 1 e 5, da Constituição.

O arguido D. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 31 de julho de 2015, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, invocando a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º do RGCO e 208.º e 232.º do RGICSF, quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, através da alteração da qualificação jurídica, aumentar o número de infrações contraordenacionais imputadas ao arguido.

O arguido F. também interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 31 de julho de 2015, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, ainda antes desse tribunal ter proferido o acórdão de 11 de novembro de 2015 que julgou prescrito o procedimento contra este arguido.

O arguido E. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 31 de julho de 2015, ao abrigo das alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.

Na parte em que o recurso se enquadra na alínea g), o Recorrente invoca a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, no sentido de que, havendo alteração da qualificação jurídica em julgamento é inadmissível a produção de novos meios de prova, por violação do direito à defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.

Na parte em que o recurso se enquadra na alínea b), o Recorrente invoca a inconstitucionalidade:

- do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que não é exigível que um despacho de alteração da qualificação jurídica dos factos seja fundamentado, por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 5 e 10, da Constituição;

- da interpretação dada ao Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, no sentido de ser indeferido o pedido de adiamento do mandatário do Recorrente de diligência de alegações orais a realizar 4 dias após o nascimento de um filho, por alegadamente, nos processos de contraordenação os arguidos não terem de ser assistidos por defensor, por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 67.º, n.º 2, h), ambos da Constituição;

- dos artigos 209.º, n.º 1, do RGICFS, e 27.º do RGCO, quando interpretados no sentido de não ser considerado como prescrita uma contraordenação quando a entidade administrativa expressamente a exclui de uma concreta qualificação jurídica, quando já havia decorrido, à data dessa decisão de exclusão expressa, o prazo prescricional aplicável a esse tipo contraordenacional, por violação dos artigos 29.º, n.º 5, e 32.º, n.º 10, ambos da Constituição.

Foi proferida decisão sumária que decidiu o seguinte:

  1. Julgar extinto, por inutilidade superveniente, o recurso interposto por F.;

  2. Não julgar inconstitucional a norma constante a norma constante do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º do Regime Geral das Contraordenações e 208.º e 232.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, através da alteração da qualificação jurídica, aumentar o número de infrações contraordenacionais imputadas ao arguido;

    e, em consequência,

  3. Julgar improcedente os recursos interpostos por A., S.A., e D.;

  4. Não conhecer do recurso interposto por E..

    Esta decisão apoiou-se na seguinte fundamentação:

    “1. Da inutilidade superveniente do recurso interposto por F.

    Por acórdão transitado em julgado foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento contra este arguido, pelo que o recurso que este havia interposto para o Tribunal Constitucional da decisão que o havia condenado em coima revela-se agora inútil, uma vez que o seu desfecho já não terá qualquer influência no decidido.

    Por esta razão deve ser julgado extinto este recurso.

    1. Dos recursos interpostos por A., S.A., e D.

      Estes dois arguidos questionam a constitucionalidade da mesma interpretação normativa, ou seja, adotando a formulação indicada por D., a norma constante do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º do RGCO e 208.º e 232.º do RGICSF, quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, através da alteração da qualificação jurídica, aumentar o número de infrações contraordenacionais imputadas ao arguido.

      A admissibilidade da alteração da qualificação jurídica dos factos imputados pelo juiz julgador, agravando a posição do arguido foi bastante discutida no domínio do Código de Processo Penal desde a entrada em vigor do Código de 1987 (vide uma resenha desta polémica, por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, em “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, pág. 925-931, 4.ª ed. da Universidade Católica Editora).

      O Tribunal Constitucional foi chamado a tomar posição sobre a questão, tendo fiscalizado a constitucionalidade da doutrina do Assento do S.T.J. n.º 2/93, tendo no Acórdão n.º 279/95 (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt, assim como os demais arestos deste tribunal adiante referidos) julgado inconstitucional por violação do princípio constante do artigo 32º, nº 1 da Constituição, o disposto no artigo 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal, conjugado com os artigos 120.º, 284.º, nº 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, nºs 1 e 2 e 379.º, al. b), interpretados nos termos constantes do Assento 2/93, como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respetiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa (sublinhado nosso).

      Esta era a posição que o Tribunal já havia adotado no Acórdão n.º 173/92, relativamente a igual interpretação do Código de Justiça Militar, tendo julgado inconstitucional, por violação do princípio constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a disposição do artigo 418.º, n.º 2, do Código de Justiça Militar, na parte em que permite ao tribunal condenar por infração diversa daquela de que o arguido foi acusado (caso os factos que integram o respetivo tipo incriminador constem do libelo acusatório), quando a diferente qualificação jurídico-penal dos factos conduzir à condenação do arguido em pena mais grave, mas tão-só na medida em que não prevê que se previna o arguido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de...

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