Acórdão nº 190/16 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução30 de Março de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 190/2016

Processo n.º 868/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O Sindicado dos Enfermeiros Portugueses instaurou, em representação do seu associado A., ação administrativa especial de condenação contra a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, pedindo a anulação de um ato administrativo praticado pela Ré e, em consequência, a condenação desta a praticar um ato administrativo em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março.

O Autor foi notificado para juntar aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou, em alternativa, comprovar que o associado que representa beneficia de isenção de custas nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais e, não o tendo feito, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 18 de março de 2013, absolveu a Ré da instância.

Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 25 de junho de 2015, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Recorreu então o Autor para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo a fiscalização da constitucionalidade da norma constante do art.º 310º, nº 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (cuja disciplina se encontra hoje vertida no artº 338º nº 3, da "Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho), porque colidente com os artºs 12º, nº 2, 13º, nº 1, 55º, nº 1, e 277º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado e aplicado com o sentido normativo de as associações sindicais não serem beneficiárias da isenção fixada no artº 4º, nº 1, f), do Regulamento das Custas Processuais quando, em nome próprio, exercem o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem.

O Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - A legitimidade processual ativa das associações sindicais para, em nome próprio, exercerem o direito à tutela jurisdicional efetiva para a defesa coletiva de direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem não é igual no contencioso administrativo e no processo do trabalho.

1.1 -Com efeito:

a) No contencioso administrativo está reconhecida às associações sindicais legitimidade processual ativa para exercerem o direito à tutela jurisdicional efetiva para a defesa coletiva de direitos ou interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, sem outorga de expressos poderes de representação e sem prova da filiação dos trabalhadores diretamente lesados, por não estar aí em causa um direito de representação jurídica ou judiciária ou o exercício de um mandato, mas uma competência própria dos sindicatos em consideração dos fins que lhe estão constitucionalmente cometidos;

b) No processo do trabalho em ações que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores a respetiva associação sindical só pode intervir como assistente dos seus associados desde que exista da parte destes declaração escrita de aceitação da intervenção [artº 5º, nºs 1, 2, c), 4 e 5, do Código de Processo do Trabalho].

2 -Esta diferença de legitimidade processual ativa das associações sindicais no contencioso administrativo e no processo do trabalho tem tradução e acomodação no Regulamento das Custas Processuais.

2.1 -Com efeito:

a) Nos termos do artº 4º, nº 1, f), do Regulamento das Custas Processuais estão isentas das custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável – o que, em contencioso administrativo, é o caso do Recorrente: artº 56º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, artº 310º, nº 2, segundo segmento, do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” (a que hoje corresponde o artº 338º, nº 2, segundo segmento, da “Lei Geral do Trabalho Em Funções Públicas”), artºs 7º, a), 8º, f), e 12º, c) e e), dos seus Estatutos;

b) Nos termos do artº 4º, nº 1, h), do Regulamento das Custas Processuais estão isentos das custas os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados … pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respetivo rendimento ilíquido à data da proposição da ação ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC – o que está claramente dirigido ao processo do trabalho face ao artº 5º, nºs 1, 2, c), 4 e 5, do Código do Processo do Trabalho: i) a focalização é em matéria de direito do trabalho; ii) os destinatários são os trabalhadores (ou seus familiares); iii) os sujeitos processuais são os trabalhadores (ou seus familiares) iv) os sujeitos processuais são representados (representação jurídica e/ ou judiciária) pelos serviços jurídicos do sindicato.

3 - O artº 310º, nº 3, segundo segmento, do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” (a que hoje corresponde o artº 338º, nº 3, segundo segmento, da “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”) é, tipicamente uma norma de remissão ou reenvio.

3.1 - A norma de remissão ou reenvio identifica o lugar normativo e adota a saída jurídico-positiva que este consagra (é uma mensagem de igualdade, equivale a um juízo de valor de igualdade).

3.2 - Sendo as associações sindicais pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos (com legitimidade processual ativa para defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem) a mensagem de igualdade do artº 310º, nº 3, segundo segmento, do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” é para o artº 4º, nº 2, f), do “Regulamento das Custas Judiciais”: aqui é fixado o regime geral da isenção das custas das demais pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos.

4 - Na interpretação e aplicação que dele fez, o douto acórdão recorrido julga que o artº 310º, nº 3, segundo segmento, do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” (a que hoje corresponde o artº 338º, nº 3, segundo segmento, da “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”) exclui, em contencioso administrativo, as associações sindicais do elenco das pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos beneficiárias da isenção das custas prevista no artº 4º, nº 1, f), do Regulamento das Custas Processuais.

4.1 - Salvo o merecido respeito, nesta interpretação e aplicação aquele normativo é materialmente inconstitucional.

4.2 - Com efeito:

a) Na doutrina constitucional as associações sindicais são qualificadas como sujeitos constitucionais e na jurisprudência constitucional são qualificadas como associações de natureza privada que assumem uma função constitucionalmente relevante;

b) A igualdade (princípio da igualdade aqui, nos autos, em articulação com os artºs 12º, nº 2, 55º, nº 1, 56º, nº 1,e 277º, nº 1, da CRP) é, antes de tudo, igualdade na lei e através da lei e, em sentido positivo, o princípio da igualdade (artº 13º, nº 1, da CRP) postula a obrigatoriedade de tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais – impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) O artº 310º, nº 3, segundo segmento, do “Regime do Contrato do Trabalho em Funções Públicas” (a que hoje corresponde o artº 338º, nº 3, segundo segmento, da “Lei geral do Trabalho Em Funções Públicas”) não mostra qualquer fundamento fáctico e valorativo, substancial e objetivo - imposto pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas -, legitimador, em contencioso administrativo, da exclusão das associações sindicais do elenco das demais pessoas coletivas de direito privado, sem fins lucrativos, beneficiárias da isenção das custas...

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