Acórdão nº 15/21.5YFLSB-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 15/21.5YFLSB-A Requerente/recorrente: ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES (ASJP) Entidade requerida: CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA (CSM) Regulamento suspendendo/impugnado: Regulamento das Obrigações Declarativas n. 226/2021, aprovado na sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura de 12.01.2021, publicado na 2.ª Série do Diário da República n. 51/2021, de 15 de março.

  1. RELATÓRIO 1. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), com NIPC 501370854 e sede na Rua Ivone Silva n. 6-A, 1050-124 Lisboa, instaurou os presentes autos cautelares contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), com sede na Rua Duque de Palmela 23, 1250-096 Lisboa, visando suspender a eficácia do Regulamento das Obrigações Declarativas n. 226/2021, aprovado na sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura de 12.01.2021, publicado na 2.ª Série do Diário da República n. 51/2021, de 15 de março.

    1. Alegou, em síntese, que aquele Regulamento padecia de ilegalidade, tanto por omissão como por ação, na medida em que não usou o poder regulamentador emergente do art.5º da Lei n. 52/2019 no sentido de atender às especificidades da função dos magistrados judiciais, acabando por violar normas hierarquicamente superiores e princípios gerais de direito administrativo, bem como o Regulamento Geral de Proteção de Dados e o próprio direito constitucional à reserva da vida privada dos magistrados.

      O decretamento da suspensão da eficácia do Regulamento justificar-se-ia, em síntese, porque o facto de ser permitida a consulta pública das declarações únicas apresentadas pelos magistrados judiciais poderia causar prejuízos ao seu direito à reserva da vida privada e à sua segurança pessoal e familiar, assim como à proteção da sua vida e integridade pessoal, o que se sobreporia ao princípio da transparência.

    2. A requerente propôs a ação administrativa a que corresponde a instância declarativa principal, da qual dependem estes autos, que corre termos na Secção de Contencioso sob o n. 15/21.5YFLSB, onde reiterou os fundamentos que já havia apresentado na providência cautelar e pugnou pela declaração de ilegalidade do referido Regulamento tanto por omissão como por ação.

      Requereu a apensação dos autos do procedimento cautelar aos autos dessa ação.

    3. O CSM apresentou oposição à providência cautelar de suspensão da eficácia, entendendo não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelo art.120º do CPTA (aplicável por força dos artigos 172º e 174º do EMJ) para que tal providência pudesse ser decretada e ainda que o referido Regulamento não apresentava qualquer ilegalidade nem por ação nem por omissão. Contestou igualmente a ação principal, sustentando, na essência, as mesmas razões para concluir que o Regulamento não apresenta ilegalidades por ação ou por omissão.

      Declarou não se opor à antecipação do julgamento da causa principal.

    4. As partes foram notificadas, nos termos artigo 121º, n.1, in fine do CPTA, para a possibilidade de antecipação da decisão declarativa respeitante ao proc. n. 15/21.5YFLSB.

      As partes declararam não se opor à solução proposta no referido despacho.

    5. Por despacho de 26.05.2021, foi determinada a antecipação da prolação, nos presentes autos, da decisão que seria proferida no processo n. 15/21.5YFLSB.

    6. Tendo sido requerida a suspensão da eficácia do Regulamento impugnado, após citação da entidade recorrida, deixou de ser devida a sua execução, nos termos do art.128º, n.1 do CPTA.

      O CSM emitiu «resolução fundamentada a reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público», ao abrigo do disposto na parte final do n. 1 do art. 128.º do CPTA.

      Notificada do teor dessa resolução fundamentada, veio a requerente deduzir incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida, ao abrigo do disposto no art. 128º, n. 4, do CPTA, tendo a entidade requerida sido auscultada, nos termos do n. 6 do mesmo artigo.

      Por despacho proferido em 09.06.2021, foi indeferido o pedido incidental de declaração de ineficácia de atos de execução indevida. Nesse mesmo despacho foi ordenada a notificação da requerente e da entidade requerida para se pronunciarem acerca da intenção de apreciação, pela Relatora, de um incidente de decretamento provisório da providência, nos termos do art. 131º, n. 2, do CPTA, de suspensão de eficácia das normas suspendendas, apenas até serem decididos os presentes autos, considerando a manifesta urgência na adoção de uma decisão incidental que acautelasse os interesses em causa.

      As partes não se opuseram, pelo que, em 16.06.2021, nos termos do art.131º, n.2 do CPTA, a relatora decretou provisoriamente a providência de suspensão de eficácia do Regulamento das Obrigações Declarativas n. 226/2021 até serem decididos os presentes autos.

    7. Foi dispensada a audiência prévia a que se refere o artigo 87º-A do CPTA (ex vi dos artigos 173º e 174º do EMJ).

  2. SANEAMENTO O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território – art. 170.º, n. 1, do EMJ A petição inicial não é inepta.

    O processo é o próprio e é válido (cf. artigos 72.º ss. do CPTA, ex vi do art. 169.º do EMJ).

    As partes têm capacidade e personalidade judiciárias e estão devidamente representadas. A legitimidade da requerente/autora foi já reconhecida no despacho de 02.06.2021. Assim, como aí se afirmou, dado que foi determinada a antecipação da decisão da ação administrativa nos presentes autos cautelares, nos termos do art. 121.º do CPTA, operou-se a convolação do objeto cautelar, que passou a ser o objeto da instância declarativa. Como tal, qualquer suposta ilegitimidade que pudesse suscitar-se nos autos cautelares, com base no art. 130.º, n. 2, do CPTA, teria deixado de relevar, sendo de reconhecer legitimidade à requerente para peticionar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento das Obrigações Declarativas (art.73º CPTA).

    Após vistos simultâneos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas.

  3. QUESTÕES A APRECIAR: 1.

    Aferir da ilegalidade do regulamento por omissão, por: 1.1. Omissão de um estatuto legal específico sobre os dados que os magistrados deveriam preencher, dado que os magistrados não estariam, alegadamente, obrigados ao preenchimento da declaração única nos exatos termos em que a Lei 52/2019 determina.

    1.2.

    Omissão da regulamentação sobre o acesso e publicidade, bem como do tratamento dos dados constantes de tais declarações, por não resultar do artigo 5.º da Lei n.º 52/2019 que os juízes estejam obrigados ao disposto nos artigos 13.º, 14.º e 17.º de tal diploma legal.

    1.3.

    Omissão ou insuficiente regulamentação sobre análise e fiscalização das declarações.

    1. Aferir da ilegalidade do regulamento por ação, por: 2.1. Desconformidade das normas do ROD com normas hierarquicamente superiores e com os princípios gerais de direito administrativo, consagrando o ROD, indevidamente: a) o regime sancionatório da Lei n.º 52/2019, uma vez que os magistrados têm um estatuto sancionatório próprio, existindo assim uma contradição entre o art. 1.º e o art. 6.º, n.º 2, do ROD; b) uma obrigação dos magistrados judiciais de preenchimento do registo de interesses, por força do disposto no art. 13.º, n.º 4, da Lei n.º 52/2019, e do disposto no art.º 8.º-A do EMJ.

      2.2.

      Violação do princípio da proporcionalidade quanto à periodicidade de entrega das declarações a que se refere o art. 4.º do ROD; 2.3.

      Violação de diversas normas do RGPD, porque nele estão previstas de normas de proteção de dados; 2.4. Ilicitude da previsão do art. 5.º do ROD por permitir o acesso a dados que podem identificar bens móveis e imóveis 2.5.

      Violação do direito fundamental à reserva da vida privada dos magistrados, também porque a identificação do nome do cônjuge permite o acesso à orientação sexual do magistrado; * IV. FUNDAMENTOS A) - Factos provados: Considerando as posições defendidas pelas partes nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, encontra-se provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, a seguinte matéria de facto: 1) No dia 31.07.2019 foi publicada no Diário da República n.º 145/2019, Série I, a Lei n.º 52/2019, que aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

      2) No dia 09.11.2020 foi publicada no Diário da República n.º 218/2020, Série I, a Lei n.º 69/2020, que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, harmonizando o conteúdo da declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos com o respetivo formulário. 3) No dia 23.06.2020 foi aprovado pela entidade requerida um projeto de Código de Conduta, onde se encontra inserida uma parte relativa às obrigações declarativas previstas na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho – veja-se o Doc. n.3 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

      4) O projeto referido em 3) foi submetido a consulta pública.

      5) No âmbito da consulta pública referida em 4), a requerente remeteu à entidade requerida um parecer referente às normas do projeto de Código de Conduta referido em 3); veja-se o Doc. 4 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

      6) No dia 12-01-2021 foi aprovado, em sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura, o Regulamento das Obrigações Declarativas n.º 226/2021 (ROD), com o seguinte teor: Após consulta pública para participação dos interessados, nos termos dos artigos 100.º, n.º 3, alínea c), e 101.º do Código de Procedimento Administrativo, analisados os correspondentes contributos e considerando o disposto no artigo 7.º-E do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, e no artigo 5.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, foi aprovado, por unanimidade, na sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura, de 12 de janeiro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1, alínea x), do...

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