Acórdão nº 383/09 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução23 de Julho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 383/2009

Processo n.º 930/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. propôs uma acção cível contra B., pedindo a condenação desta em indemnização e restituição do sinal em dobro, com fundamento em incumprimento de um contrato promessa. A ré contestou e reconveio, alegando não ter sido ela, mas a promitente compradora, quem entrara em incumprimento e pedindo que lhe fosse reconhecido o direito de fazer seu o sinal recebido.

Na sentença de 1.ª instância entendeu-se não ter havido incumprimento por qualquer das partes, sendo cada uma delas absolvida do pedido que a outra formulara. Houve, recurso de ambas as partes, entendendo a Relação que ambas tinham incumprido o contrato, condenando a ré a restituir em singelo à autora o quantitativo que desta recebera a título de sinal. Por acórdão de 22 de Janeiro de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça optou por uma terceira solução: considerou incumprido o contrato promessa exclusivamente pela autora e reconheceu à ré o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal.

2. Face a este acórdão, a autora apresentou um requerimento para “julgamento ampliado da revista para uniformização de jurisprudência” com fundamento em contradição do decidido com acórdãos anteriores proferidos pelo mesmo Supremo Tribunal.

Por acórdão de 1 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir “o requerimento para uniformização de jurisprudência”, considerando que o julgamento ampliado da revista, previsto no artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC, tem de ser requerido antes de proferido o acórdão que julga a revista e que o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 763.º e segs., não tem aplicação a processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008. O Supremo Tribunal de Justiça desatendeu, ainda, a arguição de inconstitucionalidade do artigo 732.ºA do CPC e do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 25 de Agosto, que a autora avançara no seu requerimento.

3. A autora interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com vista à apreciação da constitucionalidade das normas:

- Do artigo 732.º-A do CPC, quando interpretado no sentido de que o requerimento das partes a que se refere o seu n.º 2 apenas pode ser apresentado ate à prolação do acórdão que julga a revista;

- Do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, enquanto reserva a possibilidade de recurso para uniformização de jurisprudência, com base na nova redacção do artigo 763.º do CPC, aos processos iniciados após 1 de Janeiro de 2008.

  1. Prosseguindo o recurso, a recorrente alegou e conclui nos seguintes termos:

    “III – Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

    1 - A norma contida no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção em vigor antes da vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, é inconstitucional quando interpretada no sentido de não permitir requerer o julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, ainda que a decisão do STJ tenha sido inovadora face às decisões das instâncias, nos casos em que não seja admitido o recurso previsto na redacção actual dos artigos 763.º e ss. do CPC, derivando a inconstitucionalidade da violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição.

    2 – Ainda que a Constituição não imponha a existência da possibilidade de recurso para toda e qualquer decisão, seria inconstitucional a abolição generalizada do sistema de recursos em Direito Civil, pois a consagração constitucional da existência da hierarquia dos tribunais implica a existência de um sistema de recursos, pelo que das decisões mais importantes (i.e., de valor superior à alçada da Relação) tem de poder recorrer-se.

    3 – Este direito de recurso deve existir quanto a decisões do STJ que sejam contrárias às decisões das instâncias e que contrariem jurisprudência do mesmo STJ quanto à mesma questão fundamental de Direito.

    4 – É inconstitucional a norma do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, quando interpretada no sentido de não ser possível o recurso para uniformização de jurisprudência em relação aos processos pendentes a 1 de Janeiro de 2008, por violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição.

    5 – A uniformidade da jurisprudência dos tribunais superiores é um valor necessariamente perseguido pelo sistema jurídico (cfr. Artigo 8.º do CC), pois é emanação dos princípios constitucionais da igualdade e do Estado de Direito.

    6 – Um sistema processual em que uma parte, confrontada com uma decisão inovadora de um tribunal relativa a uma causa de valor superior à alçada da relação, não tenha ao seu dispor nenhum meio de a impugnar, não é conforme à Constituição, violando os artigos 2.º, 13.º e 20.º.

    Termos em que devem ser declaradas inconstitucionais as referidas interpretações dos artigos 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção em vigor antes da vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e, em consequência, ser admitido o requerimento de julgamento pelo plenário para uniformização de jurisprudência ou, subsidiariamente, admitido o recurso nos termos do artigo 763.º do CPC.”

    Também a ré, ora recorrida, alegou no recurso de constitucionalidade, tendo concluído do seguinte modo:

    “IV. Conclusões

  2. O presente recurso vem interposto pela Recorrente, A., do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 4060/07, 1ª Sec, que indeferiu o requerimento apresentado por esta em 1 de Abril de 2008.

  3. Constitui objecto dos presentes autos a fiscalização concreta da (pretensa) (in)constitucionalidade do artigo 732.º-A do CPC, por alegada violação do princípio do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da CRP e do artigo 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, quando referente à aplicação do artigo 763.º do CPC, por alegada violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

  4. A propósito do artigo 732.º-A do CPC, veio a ora Recorrente defender a inconstitucionalidade da mesma, quando interpretada no sentido de não permitir requerer o julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, ainda que a decisão do STJ tenha sido inovadora face às decisões das instâncias, derivando a inconstitucionalidade da violação do artigo 20.º da CRP.

  5. A propósito do referido note-se, antes de mais, que só tem sentido requerer (e decidir) que o julgamento do recurso seja efectuado com a intervenção do plenário das secções cíveis até ao final desse mesmo julgamento, ou seja, até à prolação do acórdão, já que depois de haver acórdão, o julgamento terminou, sendo bem diferente querer que um julgamento seja efectuado com a intervenção do plenário e querer (como pretende a Recorrente) que haja um novo recurso para o plenário das secções cíveis da anterior decisão do STJ, ou seja, mais uma instância de recurso.

  6. Com efeito, importa lembrar que os prazos processuais, e também assim o do artigo 732.º-A do CPC, não são arbitrariamente fixados, mas antes estabelecidos com vista a salvaguarda de interesses tão fundamentais quanto o acesso ao direito, como sejam a segurança e a protecção da confiança, a que acresce a indispensável estabilidade da ordem jurídica, devendo ser, nessa medida, igualmente tutelados, nada impedindo que a Recorrente tivesse requerido o julgamento do recurso com intervenção do plenário em tempo, outra tivesse sido a sua cautela processual.

  7. E contra essa inevitabilidade não aproveita sequer a abusiva e indevida alegada analogia com a figura das “decisões surpresa” porquanto dos argumentos invocados pela Recorrente para justificar a sua “surpresa”, rectius, o seu descontentamento com a decisão, resulta apenas que aquela ficou «subjectivamente surpreendida».

  8. A este propósito, mais se refira que não se trata esta de uma discussão nova, uma vez que a questão da (in)constitucionalidade do artigo 732º-A do CPC foi já extensamente discutida em sede do Tribunal Constitucional, nomeadamente no âmbito do Processo n.º 38/02, 3ª secção, acórdão n.º 261/02, de 18 de Junho de 2002 (decisão que se mantém inteiramente válida, não obstante as alterações legislativas ao Código de Processo Civil que vieram a ter lugar no ano de 2007).

  9. Esclarece tal decisão constitucional que, fora do Direito Penal não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição, não existindo igualmente na Lei Fundamental qualquer preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de jurisprudência.

  10. Nestes termos, situa-se ainda o prazo disposto no artigo 732.º-A do CPC dentro da margem de liberdade de conformação que a Constituição confere ao legislador ordinário.

  11. Mais se refira, em tom complementar, que, ao contrário dos receios da Recorrente, nunca e em caso algum sairá precludido o valor fundamental do acesso ao Direito, mesmo na hipótese (académica) de o recurso alargado a que a Recorrente quis (fora de tempo) lançar mão constituir ainda parte integrante daquele valor constitucional.

  12. Assim, mesmo na hipótese de inércia das partes, sempre sairá assegurada a segurança e a igualdade jurídicas por via da intervenção do Presidente do STJ e do relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, todos eles sujeitos ao dever de requerer o julgamento ampliado quando exista a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada.

  13. Por último, vem ainda a Recorrente...

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