Acórdão nº 536/14.6TVLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Notificado do acórdão proferido nos autos por este Supremo, em 4/2/2016, veio, nos 30 dias subsequentes ao respectivo trânsito em julgado, a recorrente AA interpor o presente recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência através do requerimento de fls.2 e segs., invocando contradição entre a solução normativa acolhida naquele aresto e a adoptada na decisão singular que invoca como fundamento do recurso (o despacho, proferido pelo Exmo. Relator no P. 542/14, datado de 2/2/2016) - e encerrando a alegação com as seguintes conclusões: 1. Estão verificados todos os pressupostos, de natureza substancial e formal, exigidos para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, de acordo com o disposto nos artigos 688.º e seguintes do CPC.
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Ainda que assim não se entendesse, nomeadamente porque os pressupostos de natureza formal não se encontram in casu totalmente verificados – o que apenas se admite por hipótese, não concedendo –, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser, não obstante, admitido por todas as razões acima expostas, as quais se indicam infra, em síntese.
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Existem duas decisões materialmente contraditórias proferidas pelo STJ (a Decisão-Fundamento e o Acórdão Recorrido), no domínio da mesma legislação, que incidem sobre situações totalmente idênticas a nível factual, às quais se aplica exactamente o mesmo quadro normativo, i.e. o artigo 23.º do Regulamento.
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Por acórdão datado de 4 de Fevereiro de 2016, o STJ proferiu o Acórdão Recorrido, nos termos do qual negou provimento à revista interposta pela AA, confirmando o entendimento do tribunal a quo, i.e. no sentido da validade do pacto de jurisdição e consequente incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para o litígio em questão.
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No que ao objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência diz respeito – i.e. interpretação e âmbito de aplicação do disposto no artigo 23.º do Regulamento e, a título de questão prévia, a pertinência de submeter ao TJUE, a título prejudicial, questões relacionadas com a referida norma de direito da União Europeia – o STJ não só considerou procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais Portugueses para o litígio em crise, como considerou “dispensável a suscitação, em reenvio prejudicial, da questão interpretativa do art. 23.º do Regulamento”.
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Por despacho datado de 2 de Fevereiro de 2016, o STJ proferiu a ora Decisão-Fundamento, nos termos da qual suspendeu a instância da revista interposta pela Sociedade Metropolitana até decisão das questões prejudiciais enviadas para o TJUE. No que ao objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência diz respeito, o STJ considerou que este enunciado normativo de direito da União Europeia “suscita dúvidas sobre a sua interpretação”.
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O mesmo Tribunal assinala ainda que a “consulta justifica-se (…) porque (…) não se mostra que tenha sido proferido algum acórdão do TJUE que inequivocamente decida no sentido de que o pacto de jurisdição é, só por si, elemento de estraneidade suficiente para dar origem à aplicação do Regulamento de Bruxelas”. Concluindo no seguinte sentido: “entendo necessária a consulta ao TJUE mediante reenvio prejudicial, nos termos do art.º 267.º do TFUE, ao qual assim determino que se proceda a fim de decidir fundamentalmente sobre a interpretação a dar àquele Regulamento no que respeita à atribuição de competência internacional, para fins de melhor precisão sobre o seu âmbito de aplicação (…)”.
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Esta identidade (e contrariedade) substancial notória das decisões subjacentes à Decisão-Fundamento e ao Acórdão Recorrido tem, necessariamente, de prevalecer sobre a qualificação formal que cada uma assume. Não pode impressionar, nas circunstâncias especiais deste caso, que a Decisão-Fundamento assuma a forma de um despacho e o Acórdão Recorrido assuma a forma de acórdão.
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De facto, a interpretação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 688.º do CPC deverá ser feita em conformidade com as normas constitucionalmente consagradas, as quais desempenham uma função parâmetro, ditando qual a interpretação dotada de maior valor positivo. Atende-se, neste caso, ao disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da CRP, que dispõe sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
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Ora, as normas contidas no artigo 20.º da CRP impõem o direito a um processo equitativo, onde a decisão material deve, efectivamente, prevalecer sobre meras decisões de forma. Mais, o direito ao acesso ao direito consagrado no artigo 20.º da CRP integra ainda o princípio da igualdade, sobre o qual o artigo 13.º da CRP também versa, na dimensão da igualdade de julgados.
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Ora, caso o presente recurso para uniformização de jurisprudência não seja acolhido, e o TJUE decidir pela interpretação do artigo 23.º do Regulamento em sentido dissonante com o do Acórdão Recorrido, frustra-se não só a interpretação uniforme do direito da União Europeia, como a Recorrente poderá ser injustificadamente discriminada face às partes processuais activas nos demais processos com o mesmo quadro factual e normativo, o que constituiria uma clara violação do referido princípio da igualdade.
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Por último, e tendo por base dados sólidos sobre o tempo médio de decisão pelo TJUE, aguardar, no âmbito do presente processo, por uma decisão daquele Tribunal, prejudicaria o direito de recurso que agora se quer exercer, e esvaziaria totalmente a tutela jurisdicional efectiva, porquanto a decisão do TJUE ultrapassará com elevadíssima certeza o prazo estabelecido pela lei para a interposição do presente recurso.
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Desta forma, deverá o presente recurso ser julgado procedente, nos termos de uma interpretação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 688.º do CPC em conformidade com o disposto nos n.ºs 1,4 e 5 do artigo 20.º da CRP, no sentido de se suspender a instância de todos os processos que suscitem questões de interpretação e aplicação da norma de direito da União Europeia contida no artigo 23.º do Regulamento enquanto o TJUE não se pronunciar sobre as questões que lhe foram remetidas no âmbito da Decisão-Fundamento.
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Sob pena de se obterem decisões a final contraditórias em casos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o que frusta não só a ratio do mecanismo do reenvio prejudicial (i.e., a uniformização interpretativa e aplicativa do Direito da União Europeia), mas também o objectivo do próprio recurso para uniformização de jurisprudência.
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Assim, a figura do recurso para uniformização de jurisprudência afigura-se como a única forma tempestiva e apropriada para assegurar a uniformidade de tratamento de situações substancialmente e processualmente idênticas, e da interpretação e aplicação de normas de direito da União Europeia.
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As situações sobre que incidiram as duas decisões contraditórias são perfeitamente idênticas – nomeadamente, no que toca aos factos relevantes para o objecto do presente recurso –, com base na matéria de facto dada como assente nos respectivos Tribunais, a qual enformou as duas decisões do STJ em análise no presente recurso.
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A questão essencial a decidir em ambos os processos supra mencionados, com relevância para o objecto do presente recurso, é – dada a identidade factual dos mesmos – precisamente a mesma: saber se a cláusula 13, constante dos contratos celebrados entre as partes supra descritos, que atribui competência internacional aos tribunais Ingleses, é válida e se, por conseguinte, os tribunais Portugueses são ou não internacionalmente competentes para julgar os litígios em causa.
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A resposta a esta questão implica, naturalmente, que se proceda à interpretação do artigo 23.º do Regulamento que, aliás, prevalece sobre as regras de direito nacional, e que é essencial para a decisão da causa em ambos os processos, no sentido de se decidir, ou não, pela sua aplicabilidade.
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A existência de duas decisões diferentes do STJ sobre a mesma questão é quanto basta para demonstrar que a questão não é clara, estando, consequentemente, o STJ vinculado ao reenvio prejudicial de acordo com os princípios estabelecidos nesta matéria no Acórdão CILLIT do TJUE.
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O Acórdão Recorrido foi proferido em 4 de Fevereiro de 2016, enquanto que a Decisão-Fundamento foi proferida em 2 de Fevereiro de 2016. Não houve, neste – tão curto – intervalo de tempo qualquer mudança legislativa, nem no quadro normativo Português nem no direito da União Europeia, com relevância para a questão de direito analisada em ambas as decisões.
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Verificam-se, in casu, os pressupostos de natureza formal para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência: (i) interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, (ii) a invocação de...
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