Acórdão nº 08P3379 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução29 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Círculo Judicial de Viseu, no processo comum nº 690/06.0GCVIS do 1º Juízo Criminal de Viseu, foi submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, o arguido: - AA, identificado nos autos.

Era-lhe imputada a prática de: - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 131, 132º nºs 1 e 2-g), h) e i), todos do Código Penal; e - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º-1-c), com referência aos artigos 2º-1-o) e 3º-3 e 4-a), todos da Lei nº 5/2006, de 23.02.

Deduziram pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido: - Hospital de São Teotónio EPE, no montante inicial e global de € 20.439,00 acrescido de juros vencidos desde a data da interpelação feita ao arguido para o respectivo pagamento e vincendos a contar da dedução do mesmo e até integral pagamento, referente a assistência médica e hospitalar prestada a BB, pedido de indemnização esse que posteriormente, e com base também na referida assistência médica e hospitalar, veio a ser ampliado para a quantia de € 20.488,01, acrescido dos respectivos juros de mora; e BB, identificada nos autos e que se constituiu também assistente nos autos, no montante inicial e global de € 775.363,13, acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação e até efectivo pagamento, pedido de indemnização esse que posteriormente veio a ser reduzido em € 4.616,50, e ainda depois disso ampliado no montante de € 8.250,00, montantes esses peticionados a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

A final, foi proferida sentença que, além do mais: A - PARTE CRIMINAL: Julgou parcialmente provada e procedente a acusação e condenou o arguido AA:

  1. Como autor material e em concurso real: - pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 131º e 132º nº1 e 2 i) do C. Penal na redacção em vigor à data dos factos aprovada pela Lei 65/98, de 02.09, na pena de 10 ( dez ) anos de prisão; - pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo Art. 86º nº1 c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art. 3º nº4 a) da mesma, na pena de 18 ( dezoito ) meses de prisão.

  2. Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 10 ( dez ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão.

    B - PARTE CÍVEL: 1 - Julgou procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Hospital de São Teotónio EPE, e, consequentemente:

  3. Condenou o arguido a pagar ao mencionado demandante o montante total de € 20.488,01, montante este acrescido de juros desde a notificação de tal pedido de indemnização civil ao arguido e até integral pagamento.

    2 - Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB, e, consequentemente:

  4. Condenou o arguido a pagar a tal demandante, a título de danos patrimoniais, o montante de € 20.168,03 e ainda o que se vier a liquidar posteriormente, relativo ao custo da aquisição de uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a notificação de tal pedido de indemnização ao arguido e até integral pagamento.

  5. Condenar o arguido a pagar à mesma demandante também a título de danos patrimoniais a quantia de € 410.000,00, acrescida de juros moratórios à referida taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento.

  6. Condenar, ainda, o arguido a pagar à mesma demandante, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 40.000,00, acrescido de juros moratórios à referida taxa legal desde a data da sentença e até integral pagamento.

  7. Absolver o arguido do demais contra si peticionado em tal pedido de indemnização civil.

    Inconformado com tal condenação, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando, em resumo: Foi violado o disposto no artigo 355 do CPP, pelo que o julgamento deve ser anulado; Há contradição insanável da fundamentação (artigo 410º-2 do CPP); Há erro notório na apreciação da prova (artigo 410º-2-c) do CPP), devendo, por isso, ser reenviado o processo para novo julgamento; Se assim se não entender: O crime por que o arguido deveria ter sido condenado era o crime de homicídio simples, na forma tentada (e não o de homicídio qualificado, na forma tentada), pois não se verifica a circunstância qualificativa de frieza de ânimo; Pelo que seria ajustada uma pena de prisão não superior a 4 anos.

    Caso assim se não entenda: A pena aplicada ao recorrente é manifestamente excessiva.

    Relativamente ao pedido cível: A indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva e contraria a generalidade da jurisprudência; Também a indemnização por dano patrimonial futuro é de um exagero chocante, não devendo ser fixada em montante superior a € 100,000.

    Por acórdão de 04 de Junho de 2008, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

    Inconformado com esse Acórdão da Relação, o arguido AA interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

    Termina a respectiva motivação com extensas conclusões que se podem sintetizar nas seguintes: 1- O acórdão recorrido deve ser anulado, por omissão de pronúncia; 2 - O acórdão recorrido deve ainda ser anulado quer por contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão; quer também devido a erro notório na apreciação da prova, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento; quer ainda por violação do disposto no artigo 355º do CPP.

    A não se entender assim: 4 - O crime cometido terá sido apenas o de homicídio simples na forma tentada; 5 - A pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio é manifestamente excessiva; 6 - Tratando-se de homicídio simples na forma tentada, a pena não deveria ser superior a 4 anos de prisão; 7 - Mas, mesmo tratando-se de homicídio qualificado, a pena não devia exceder metade do limite máximo da moldura aplicável pelo que a pena aplicada por este crime deverá ser substancialmente reduzida; 8 - Do mesmo modo, deverá ser reduzida - ao mínimo legal - a pena do crime de detenção de arma proibida; 9 - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser substancialmente reduzida; 10 - A indemnização fixada para os danos não patrimoniais é exagerada e está desfasada com a jurisprudência do STJ, devendo, por isso, ser substancialmente reduzida; 11 - Houve erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos provados sob os números 70 e 71 que, por isso, não poderão ser considerados na fixação da indemnização ou deverá anular-se o julgamento, com o consequente reenvio do processo (por violação do artigo 410º-2-a) do CPP quanto a esses pontos); 12 - E o mesmo se passa quanto ao nº 73 dos factos provados; 13 - De todo o modo, o dano patrimonial futuro é de um manifesto exagero, contrariando a Jurisprudência do STJ; 14 - O acórdão da Relação, na fixação dos danos patrimoniais futuros, distinguiu entre despesas futuras previsíveis e danos patrimoniais futuros da ofendida, correspondentes à sua capacidade de trabalho, havendo, por isso, neste aspecto, duplicação de prejuízos; 15 - Deverá ser reduzido o dano patrimonial futuro e fixado em montante não superior a 100.000,00 euros.

    Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto da Relação, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.

    Na respectiva motivação, sem formular conclusões, alega, em resumo: 1 - O acórdão recorrido não padece de omissão de pronúncia pois teve em consideração todas as questões sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; 2 - Tal acórdão também não padece de qualquer dos invocados vícios relativos à matéria de facto (contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova); 3 - O recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Ora as questões de direito mencionadas pelo arguido nas conclusões da sua motivação - designadamente a violação do artigo 355º do CPP, a violação do princípio in dubio pro reo, o enquadramento da conduta do arguido na previsão do artigo 132º-2-i) do CP e a medida concreta da pena - foram já suscitadas no recurso que o arguido apresentou na 1ª instância, tendo o acórdão recorrido decidido as mesmas.

    Ao reeditar tais questões neste recurso, o arguido mais não pretende do que uma reapreciação daquilo que já foi objecto de decisão, sendo, por isso, nesta parte, o recurso manifestamente improcedente pelo que deverá ser rejeitado.

    A não se entender assim: 4 - Dos factos provados resulta que o arguido agiu com frieza de ânimo, revelando uma culpa agravada, agiu com especial censurabilidade, pelo que bem andou o tribunal no acórdão recorrido, ao qualificar o crime como sendo de homicídio qualificado, na forma tentada (artigo 132º-j do CP na redacção ora vigente ou 132º-i) na redacção vigente à data dos factos).

    5 - No que respeita à dosimetria da pena aplicada, confirmada pelo acórdão recorrido, a mesma é justa e equilibrada, em função das exigências de prevenção geral e especial, tendo como limite inultrapassável a culpa do agente.

    6 - Tendo isso em conta e também a moldura penal abstracta para o crime em questão (homicídio qualificado, na forma tentada) - prisão de 2 anos 4 meses e 26 dias a 16 anos 8 meses e 1 dia; que o grau de ilicitude é muito elevado; o modo de execução (o arguido agiu de forma fria, fácil, despreocupada e contra uma pessoa indefesa e desarmada, que abandonou sem providenciar por assistência); que o dolo é directo e intenso; que em sede de culpa, o arguido merece grande censura ético-jurídica, situando-se a medida da culpa muito acima do limite médio da moldura penal; e atendendo ao elevado alarme social que este tipo de criminalidade violenta suscita na comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, a pena aplicada mostra-se justa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT