Acórdão nº 08P2844 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. A foi acusada pelo Ministério Público, no âmbito dos presentes autos (processo comum colectivo, n.º 323/2001.1GCLRA), da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas d), g), h) e i), do Código Penal. Nos autos apensos (processo comum colectivo n.º 749/01.0PBLRA), imputou o mesmo Magistrado à arguida a prática de um crime de falsificação de documento autêntico, um crime de burla e um crime de furto, com referência, respectivamente, aos artigos 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, 217.º e 203.º, todos do Código Penal.

    Após julgamento pelo Tribunal Colectivo de Leiria, foi proferida decisão a absolvê-la da prática do crime de homicídio qualificado, do crime de falsificação de documento autêntico e do crime de burla, mas a condená-la, como autora de um crime de ofensa à integridade física grave, com agravação pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 144.º, alínea a), e 145.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão, por um crime de omissão de auxílio, previsto e punível pelo artigo 200.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, na pena de nove (9) meses de prisão e por um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203.º também do Código Penal, na pena de sessenta (60) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros). Efectuando o cúmulo jurídico das penas anteriormente indicadas, foi condenada na pena única de sete (7) anos e nove (9) meses de prisão e sessenta (60) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros).

    Mais foi condenada ao pagamento ao Hospital de Santo A... -L... da quantia de € 90,15 de indemnização acrescendo juros de mora , de 7% , desde a notificação do pedido e até integral reembolso, bem como aos Hospitais da U... de C.... da indemnização de 50.763,20 €, acrescendo juros de mora desde a notificação do pedido até integral reembolso .

    À assistente B foi a arguida condenada ao pagamento da soma de 4.786,97 € a título de indemnização pelos danos materiais causados, acrescendo juros de mora desde a notificação do pedido e até integral reembolso , à taxa de 7% ao ano , bem como a quantia de 77.500 € , a título de indemnização pelos danos não patrimoniais , acrescendo juros de mora desde a prolação da decisão , até integral reembolso àquela taxa.

    Inconformados como o teor da decisão recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra a assistente e a arguida e esse Tribunal veio a condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.° e 132.° n.º 2 d), g), h) e i), do CP, em 13 anos de prisão e, operando cúmulo jurídico, na pena de 13 anos de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de 5 €, revogando-se o acórdão recorrido.

    Ainda inconformada, a arguida recorreu, numa primeira vez, para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, por acórdão de 11 de Fevereiro de 2004, entendeu-se que a 1ª instância não atendera ao juízo científico dos peritos médico-legais, que haviam considerado a arguida inimputável para a prática do acto, com base em argumentos sem igual valor científico e, consequentemente, foi decidido conceder provimento ao recurso e: «1. Revogar o acórdão da Relação de Coimbra.

  2. Julgar nulo o acórdão de 1ª instância, por infracção ao disposto nos art.ºs 163.° n.ºs 1 e 2, 379.° n.º 1 a) e 374.° n.º 2, do CPP.

  3. Ordenar, após baixa, ao Tribunal da Relação que proceda em conformidade com o exposto.

    » Transitado esse acórdão do STJ, os autos baixaram à Relação de Coimbra, onde, por sua vez, foram remetidos, por despacho, para a 1ª instância.

    Na 1ª instância, o Juiz do processo decidiu ordenar nova perícia médico-legal à arguida.

    Do respectivo despacho recorreu a arguida para o Tribunal da Relação, mas como o recurso foi admitido a subir com efeito não suspensivo, a nova perícia efectuou-se e, posteriormente, foi reaberta a audiência com produção de mais prova, nomeadamente, esclarecimentos dos peritos médicos.

    Por acórdão da 1ª instância de 28/06/2007, foi a arguida condenada nas mesmas penas parcelares e única, e também nas mesmas indemnizações, tal como o fora anteriormente nessa instância.

    Recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra dessa condenação e aí, por acórdão de 5 de Março de 2008, foram julgados improcedentes os recursos interlocutório (do despacho que ordenou nova perícia) e da decisão final.

  4. Deste último acórdão recorre a arguida (novamente) para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, formula as seguintes conclusões: B1: Nos termos do disposto no n.º 5 do art. 411.°, a recorrente requer tenha lugar a realização de audiência, pretendendo ver debatidos os pontos A3 e A4 da motivação.

    B2: Começará por referir que, ignorando se foi dado cumprimento ao anterior acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, nada pode ou pôde dizer sobre a eventual posição assumida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, aquando da "baixa" do processo por, a esse respeito, nunca nada lhe ter sido dado conhecimento. Como quer que seja: B3: o despacho do Mm.º Juiz titular do processo, determinando a realização de nova perícia, padece de inexistência, por usurpação de poderes, uma vez que, anulado apenas o acórdão da primeira instância, é no Colectivo que radica a competência funcional para determinar a posterior tramitação. Como tal, resultaram violadas, por desconsideração, as normas do artigo 14° do Código de Processo Penal e da alínea a) do artigo 106° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, as quais foram, repete-se, pura e simplesmente ignoradas. Por outro lado, B4: as instâncias e, em especial, o Tribunal da Relação de Coimbra, ao considerarem que esse Supremo Tribunal havia determinado a realização de nova prova pericial no atinente às faculdades mentais da arguida, erraram clamorosamente na interpretação do referido aresto B5: e, no que especialmente se refere ao acórdão recorrido, por manipulação da transcrição a que procedeu dos dizeres do anterior julgado desse Supremo Tribunal de Justiça B6: o que fez com que tenham violado caso julgado anterior e, por conseguinte, além do disposto no artigo 671° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4° do Código de Processo Penal, o princípio constitucional do respeito pelo caso julgado, consagrado no n.º 3 do artigo 282° da Constituição da República B7: pelo que deve ser anulado todo o processado posterior ao despacho do Mm.º Juiz do 2° Juízo Criminal da Comarca Leiria, ordenando V.as Ex.as, conforme as circunstâncias - "passagem" ou não dos autos, após a respectiva baixa do Supremo Tribunal, pela Relação de Coimbra - que os Senhores Juízes que compuseram o Colectivo, na primeira hipótese ou os Senhores Desembargadores de Coimbra, na segunda - determinem a prossecução processual da forma que se lhes afigurar legal, o mesmo é dizer - claro está! - com rigoroso cumprimento da anterior decisão proferida por V.as Ex.as e, de longa data, transitada. Porém, B8: caso V.as Ex.as não aderissem às soluções anteriormente preconizadas - o que apenas se figura por cautela de patrocínio - então deverá ser proferido acórdão por esse alto Tribunal, fulminando de nulo aquele recorrido, por o mesmo não ter apreciado questões que lhe cabia conhecer, designadamente aquelas referidas no ponto A2.1. da motivação apresentada na primeira instância o objecto das conclusões B5 a E39 dessa petição de recurso B9: o que fez com que o acórdão recorrido padeça da nulidade que deve acarretar a respectiva anulação cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, por remissão do n.º 4 do artigo 425° do mesmo diploma legal. E ainda: B10: deverão V.as Ex.as considerar que o acórdão recorrido, ao entender estar a recorrente incursa no artigo 200° do Código Penal, violou a proibição do ne bis in idem e, por conseguinte, não só o assinalado normativo do Código Penal, como o disposto no n.º 5 do artigo 29° da Constituição da República e, por isso, nessa medida, dando provimento ao presente recurso. Finalmente B11: não quer a recorrente, por cautela de patrocínio, descurar a questão da medida concreta da pena que considera dever fixar-se, a conhecerem V.as Ex.as do fundo, em quatro anos e meio de prisão, suspensa por igual período, como decorre das circunstâncias concretas do caso, que postulam se dê essa aplicação ao artigo 145º do Código Penal e o apelo ao 50° do mesmo diploma, B12: ambas normas que se consideram incorrectamente aplicadas, face às circunstâncias do caso, quer pela primeira, quer pela segunda instância.

  5. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso e pronunciou-se pela irrecorribilidade da decisão ou, se assim não fosse entendido, pela sua manifesta improcedência.

    O Excm.ª PGA neste Supremo Tribunal, ao contrário do seu colega da Relação, pronunciou-se pela recorribilidade da decisão e promoveu se realizasse a audiência.

    O relator, no despacho liminar, considerou recorrível a decisão, por aplicação da lei processual vigente ao tempo da primeira decisão condenatória.

  6. Colhidos os vistos, foi realizada a audiência (pois a recorrente requereu a sua realização) com o formalismo legal.

    Cumpre decidir.

    As principais questões a decidir são as seguintes: 1ª- As instâncias, ao...

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