Acórdão nº 07P792 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução25 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, nascido a 1/09/1941, na freguesia de Espinhosela, concelho de Bragança, casado, Sargento-Mor do Serviço da Polícia Militar, na reserva, residente na Rua da Infesta, n.º ..., Brasfemes, Coimbra, foi condenado a 17/3/2006, em processo comum e tribunal colectivo (Pº 395 / 01.9, do 2.º Juízo da Comarca de Bragança), pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 172º, n.º 2 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 65/98 de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Recorreu para o Tribunal da relação do Porto que, por acórdão de 29/11/2006, rejeitou o recurso, por manifestamente improcedente - art.º 420.º, n.º1 do CPP.

É deste último acórdão que agora recorre para o Supremo Tribunal de Justiça.

A- DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA Da decisão de primeira instância colhe-se a seguinte factualidade dada por provada (transcrição): "1) No dia 14 de Novembro de 1999, por volta das 8:00 horas, em Terroso, Bragança, a ofendida BB, nascida a 22/02/1987, saiu da casa de familiares, onde havia pernoitado, e caminhou a pé em direcção ao moinho da aldeia, percorrendo o respectivo caminho, a fim de escolher imagens para fotografar, uma vez que na ocasião frequentava um curso de fotografia na escola secundária onde estudava.

2) Quando se encontrava afastada da povoação cerca de 100 metros, em momento que se situou entre as 8:00 e as 9:45 horas, o arguido, que é tio do pai da BB e que também se encontrava de férias na aldeia, surgiu por trás da ofendida BB, surpreendendo-a.

3) De seguida, o arguido agarrou a ofendida BB por trás, dominou-a, empurrou-a, tirou-lhe a camisola, as calças caíram e ela tropeçou nelas e caiu ao chão.

4) Após a ofendida BB se encontrar caída no chão, o arguido arrancou-lhe as cuecas, afastou-lhe as pernas e introduziu-lhe o pénis na vagina.

5) A ofendida BB ainda reagiu gritando, mas ninguém a ouviu.

6) A ofendida, que até então era virgem, ficou assustada de tal modo que nem sabia como reagir, sendo que tudo ocorreu e terminou rapidamente, sem que o arguido lhe dirigisse qualquer palavra.

7) Ao agir do modo descrito, o arguido, que sabia a idade da ofendida, pretendia satisfazer os seus instintos sexuais, tudo fazendo com vontade livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

8) Com a sua descrita conduta, o arguido provocou o desfloramento da ofendida e causou-lhe danos psicológicos que motivam sentimentos depressivos, acompanhados de angústia e dificuldade em manter relações afectivas com o grupo de pares.

9) Em consequência da descrita conduta do arguido, a ofendida BB esteve sujeita a tratamento psicológico até há cerca de um ano, mantendo presentemente e desde há cerca de dois anos uma relação afectiva com o seu namorado.

10) O arguido não assumiu qualquer atitude demonstrativa de arrependimento.

11) O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade; vive com a mulher, auxiliar da acção educativa, com quem é casado há aproximadamente trinta anos; tem três filhos maiores, com quem mantém bom relacionamento; exerceu o cargo de Sargento-Mor do Serviço da Polícia Militar, encontrando-se presentemente na reserva, recebendo o montante mensal de cerca de € 2.000,00.

12) O arguido é tido por pessoa considerada social e profissionalmente, integra, recta, honesta, com uma personalidade bem formada e bom pai de família.

13) O arguido não tem antecedentes criminais." E não se considerou provado o seguinte (transcrição): "a) Na manhã do dia 14/11/1999, desde que acordou e se levantou e até cerca das 12:30 horas, o arguido nunca saiu das imediações da sua casa, não tendo seguramente saído da povoação propriamente dita; b) Na manhã do dia 14/11/1999, a ofendida BB esteve na companhia de dois rapazes nas imediações da aldeia." B - DECISÃO RECORRIDA Da decisão recorrida retiram-se as seguintes passagens com interesse para a apreciação que nos é solicitada (transcrição parcial): "Recorreu o arguido , suscitando as seguintes questões: - os factos dados como provados de 1. a 9. deveriam ter sido julgados não provados, e provados os descritos nas alíneas a) e b) dos não provados; - foi violado o princípio in dubio pro reo; - deveria a pena concreta ter sido fixada em 3 anos de prisão e suspensa na sua execução.

- foram violados os arts. 127.º do CPP e 71.º, 50.º do CP. (...)" "Não se detectou a existência de qualquer um dos vícios relativos a tal julgamento dos que se encontram previstos no art.º 410.º, n.º2 do CPP, que necessariamente têm que decorrer do texto da decisão recorrida, só por si ou juntamente com as regras da experiência comum, e que são de conhecimento oficioso. Aliás, o recorrente tão pouco os invoca.

Dois aspectos importa liminarmente tratar, no âmbito já deste tema, mas que se afiguram totalmente inócuos na forma como foram tratados na motivação.

O primeiro (fls. 794) é a referência a declarações prestadas nos autos, a incidências processuais já ultrapassadas, como anteriores audiências de julgamento e recurso. Nenhuma conclusão é legítimo retirar desses elementos acerca da credibilidade e idoneidade do depoimento da ofendida. Como determina o art.º 355.º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

Não sendo o caso da excepção prevista no n.º 2 deste preceito, a matéria em questão evidencia-se como impertinente para a discussão do mérito do recurso.

O segundo ( fls. 794 v. ) é o teor bizantino e totalmente inconclusivo que o recorrente dá ao aspecto da hora em que os factos ocorreram. Percebe-se que, num meio rural em que a experiência nos diz que as pessoas não terão o hábito de olhar para o relógio constantemente, contrariamente aos habitantes das grandes cidades, o tribunal se tenha prudentemente cingido à expressão por volta das 8.00 horas. Assim evitaria a total invalidade do raciocínio exposto pelo recorrente sobre o assunto no lugar mencionado, que só podia ter como conclusão a contrária àquela que o recorrente chegou, ou seja, que a ofendida saiu por volta das 8h00 da casa dos seus familiares. Se, como referenciando declarações da ofendida, esta se levantou pouco antes das 8h, e só gastou 15 minutos a arranjar-se e a sair da casa, facilmente se percebe que melhor teria sido o recorrente não se aventurar neste domínio de forma tão desastrosa.

Alega também o recorrente que a descrição de factos essenciais pela ofendida é feita de forma rápida e o mais sucinta possível, sem a riqueza de pormenores que acompanham tipicamente este género de situações.

Exemplifica o recorrente, que não explicitou se o recorrente ejaculou, se ele despiu ou não as «calças vincadas» que trazia, se abriu e fechou a braguilha, se ela própria ficou com algum ferimento, etc.

Tal reflexão pressupõe que a ofendida deveria, numa ordem normal do acontecer, estar atenta a tais circunstâncias. Isto, é a sua consciência deveria estar concentrada nelas, retratando por inteiro todos os actos praticados pelo arguido.

Todavia, essa pressuposição não é aceitável, pois que...

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