Acórdão nº 07P4449 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução25 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do acórdão da Relação do Porto de 20 de Dezembro de 2006, proferido no Recurso n.º 7030/07, que decidiu ser legalmente admissível, no caso de condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir prevista no artigo 69º, n.º 1, do Código Penal, independentemente da existência de qualquer referência na acusação àquela pena acessória, designadamente indicação da disposição legal que prevê a sua cominação.

1 Em sentido oposto indicou o acórdão da Relação do Porto de 12 de Janeiro de 2005, proferido no Recurso n.º 5023/04, o qual decidiu que, no caso de condenação por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sendo omissa a acusação quanto à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não incluindo qualquer referência à disposição legal que a prevê, e não se dando cumprimento ao disposto no artigo 358º, do Código de Processo Penal, 2 não pode o arguido defender-se relativamente à cominação de tal sanção, ficando impossibilitado do exercício do contraditório, pelo que é inadmissível a sua condenação naquela pena acessória.

* Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.

* O recorrente nas alegações que apresentou, após motivada abordagem da questão a decidir, emitiu posição no sentido de ser fixada jurisprudência nos termos seguintes: «Ao condenado pelos crimes previstos nos artigos 291º ou 292º, do Código Penal, não estando prevista na acusação a possibilidade de condenação pela sanção acessória ou a referência da disposição legal (artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal) e não se dando cumprimento ao disposto nos artigos 358º e 359º, do Código de Processo Penal, não deve ser condenado pela sanção acessória, porquanto tal condenação violaria o princípio do contraditório».

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, nas suas estruturadas e fundamentadas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1. As penas acessória constituem verdadeiras penas.

  1. Para além de terem de estar expressamente previstas na lei, têm de ter limites mínimo e máximo, em ordem a possibilitar a sua graduação em, consonância com as exigências de prevenção e sem afrontar o limite que a culpa constitui, comungando dos requisitos das penas principais.

  2. A sua imposição não pode, pois, nunca assumir carácter automático.

  3. O carácter não automático da pena acessória reside na necessidade de comprovação judicial dos requisitos formal - prévia punição pela prática de um crime - e substancial - «particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a sua aplicação».

  4. O Código Penal de 1982 não criou um verdadeiro sistema de penas acessórias, verificando-se então uma «ruptura entre a culpa e a pena acessória».

  5. O Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à revisão do Código Penal de 1982, veio responder à necessidade de se encontrar prevista no sistema sancionatório penal uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, com uma moldura penal determinada, que tivesse como «pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável».

  6. Com as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 77/01, de 13.07, foi agravada a moldura abstracta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

  7. Nos termos do artigo 283º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a «indicação das disposições legais aplicáveis».

  8. Depois da narração dos factos imputados ao agente, que fundamentam a aplicação de uma pena, a acusação deve mencionar as normas penais que prevêem e punem jurídico-criminalmente os aludidos factos, incluindo assim todas as disposições legais que cominem penas - sejam principais ou acessórias.

  9. Estando em causa a possibilidade de imposição da pena acessória prevista no artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a acusação não podia deixar de conter essa referência.

  10. Com o despacho que, recebendo a acusação, designa dia para julgamento, fica estabilizado o objecto do processo e fixados os poderes de cognição do Tribunal, bem como a extensão do caso julgado.

  11. Uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação que se traduza na possibilidade de imposição de outra pena - principal ou acessória - só é possível nos termos do artigo 358º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sob pena de violação do princípio do contraditório e ofensa do direito de defesa, ambos com consagração constitucional no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.

  12. A consideração do princípio do contraditório e o respeito pelo direito de defesa implicam necessariamente se considere incluído no conceito "alteração da qualificação jurídica dos factos", constante do artigo 358º, n.º 3, do Código de Processo Penal, todo o quadro punitivo aplicável, incluindo naturalmente as penas acessórias.

  13. Assim, não constando da acusação a indicação da aplicabilidade da pena acessória prevista no artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, não pode o Tribunal - ainda que considere verificados os respectivos pressupostos formal e substancial - condenar na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, sem que previamente tenha dado cumprimento ao disposto na norma do n.º 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal.

É este o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência».

* Após julgamento em conferência, cumpre decidir.

* Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.

A questão ora submetida à apreciação e julgamento do pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal consiste em saber se é admissível a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no n.º 1 do artigo 69º do Código Penal, no caso de condenação pela prática de qualquer um dos crimes indicados na sua alínea a), 3 sem que a acusação contenha qualquer referência àquela pena acessória, designadamente qualquer menção à disposição legal que prevê a sua cominação e estabelece o seu quantum, e sem que o tribunal dê cumprimento ao disposto no artigo 358º, ou, ao invés, a condenação naquela pena acessória, inexistindo qualquer referência à mesma na acusação, designadamente ao preceito que a prevê e quantifica, só é legalmente admissível mediante prévia comunicação ao arguido nos termos do artigo 358º.

Em defesa da posição que admite a aplicação daquela pena acessória sem necessidade de cumprimento do disposto no artigo 358º vêm-se pronunciando, maioritariamente, as Relações, sob o entendimento de que a lei impõe, no caso de condenação por crime de condução em estado de embriaguez ou por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a cominação da pena acessória de proibição de conduzir, o que significa que esta pena acessória é um mero efeito penal dos correlativos factos criminosos descritos na acusação, pelo que a sua aplicação sem que da acusação conste qualquer referência ao dispositivo legal que a prevê e quantifica não viola o direito de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao contraditório.

4 Em defesa da posição contrária, minoritária, alega-se que a lei adjectiva penal impõe que a...

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