Acórdão nº 08P827 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução29 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

RELATÓRIO 1.

No 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 797/05.1GCSXL, foi julgada a arguida AA, identificada nos autos, e condenada, por acórdão de 13/11/2006:

  1. Pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), e i), do Código Penal, na pena de dezassete anos e seis meses de prisão.

  2. Pela prática, em autoria material, de um crime de ocultação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de um ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de dezoito anos de prisão (1).

  1. Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, concedendo parcial provimento ao recurso, decidiu, por acórdão de 22/11/2007: - absolvê-la da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e i), e condená-la pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131º do Código Penal, na pena de oito (8) anos de prisão.

    - em cúmulo jurídico desta pena e da que lhe foi imposta pela prática, em autoria material, de um crime de ocultação de cadáver p. e p. pelo art. 254º, nº 1, al. a) do Código Penal, (de um ano de prisão), condená-la na pena única de oito (8) anos e quatro (4) meses de prisão, 3.

    Desta feita, mostrou-se inconformado o Ministério Público e manteve-se irresignada a arguida, recorrendo ambos para este Supremo Tribunal de Justiça.

    1. O Ministério Público concluiu a respectiva motivação deste modo: 1ª) A conduta da ré, ao causar a morte da recém-nascida J. F., sua filha, revela especial censurabilidade ou perversidade; 2ª) Como tal, impõe-se a sua condenação como autora material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. através da aplicação conjugada dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal.

      1. ) O "quantum" da pena concreta deverá ser fixada algures entre 14 a 16 anos de prisão para o crime de homicídio qualificado, a que corresponderá uma pena global nunca inferior a 14 anos e 6 meses de prisão.

      2. ) Foram violadas as normas ínsitas nos art.ºs 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

    2. Por seu turno, a arguida, na parte que interessa, concluiu: (...) 3- O Tribunal " a quo " julgou erradamente a prova que decorreu tanto das declarações da arguida em julgamento, como das do seu namorado ( BB ) assim como as da perita médica legista ( Drª CC ) e ainda a prova que resulta do relatório da autópsia; 4 - Da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, resulta dúvida quanto à prática dos factos; 5 - Corrigido o sobredito erro da análise da prova e atendendo à matéria fáctica dada como provada, quer no tocante à ocultação da gravidez, quer ao inesperado momento do parto na data em que ocorreu, quer ainda por se encontrar sozinha no local quando começou a sentir dores no baixo ventre, deve a recorrente ser absolvida do crime de homicídio; 6 - O acórdão recorrido parte de factos conhecidos, atinentes à morte da bebé, e estabelecendo outros por dedução, quanto à intenção voluntária da recorrente em matar, e decide contra esta sem que fossem salvaguardados princípios de cautela e prudência jurídicos que se impunham, como é o caso do princípio in dubio pro reo; 7 - O Supremo Tribunal de Justiça pode, neste caso, conhecer da prova invocada, uma vez que extravasa o poder da livre apreciação da prova consignado no artº 127º do CPP; 8 - Se assim não se entender, e sem conceder, deve o crime de homicídio por que foi condenada ser convolado para o de infanticídio, p.e p. pelo artº 136º do CP, uma vez que não se pode deixar de considerar ter sido a recorrente acometida por perturbação puerperal no momento do parto e por efeito do mesmo; 9 - Quanto a esta matéria, julga-se, em primeiro plano, que o acórdão da Relação de Lisboa padece do vício de omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou especificada e fundamentadamente sobre todos os segmentos de prova que foram indicados ao abrigo do artº 412º nº 3 do CPP, atinentes à verificação da ocorrência de perturbação puerperal; 10 - Alguma dessa prova é testemunhal, revestindo importância nuclear para a decisão e o mérito da causa, uma vez que se refere a pessoas que contactaram com a recorrente em momento próximo posterior ao parto; 11 - O acórdão recorrido além de notoriamente errar na parca e insuficiente análise que faz dessa prova testemunhal, acaba, em suma, por aderir e reescrever os argumentos expendidos quer pelo Tribunal de 1ª instância quer pelo Mº Pº; 12 - Na verdade, o Tribunal " a quo " erra de forma notória na interpretação que faz do teor do depoimento das testemunhas, com especial incidência nas declarações de E. A. L., considerando que do seu discurso resulta um sentido, quando na realidade resulta outro bem diferente em sentido oposto ao declarado; 13 - De toda essa prova que se quis ver sindicada pela Relação de Lisboa não pode resultar que a recorrente, em momento posterior próximo ao parto, estivesse calma e apenas cansada em resultado do mesmo, como considera o acórdão recorrido, 14 - Antes pelo contrário, verificou-se na arguida uma anormalidade ao nível físico e psíquico que se deve atribuir à perturbação psíquica que nela ocorreu, no momento e por efeito do parto; 15 - Nem faz qualquer sentido lógico que se tratasse de mero cansaço, pois se assim fosse, como nos ensina a experiência comum, não teria havido a preocupação de a transportar ao Hospital, antes deixando-a continuar a dormir, descansando na clínica, ou eventualmente mandando-a para casa para melhor repousar; 16 - O acórdão recorrido ao não analisar em concreto e fundamentadamente a prova que foi fixada nos termos do artº 412 nº 3 do CPP, viola a garantia do duplo grau de jurisdição imposta aos tribunais superiores, que, em recurso, conhecem da matéria de facto, em conformidade com o artº 428º nº 1 do CPP, 17 - por consequência enfermando de nulidade, de harmonia com o disposto no artº 379º nº 1 al. c) do CPP; 18 - Tal omissão de pronúncia viola os direitos de defesa da arguida, pelo que se encontra violado o artº 32º nº 1 da C.R.P.

      19 - Padece, assim, o acórdão recorrido de nulidade e inconstitucionalidade; 20 - Ainda sem conceder, e sem necessidade de recorrer à integração da prova sobre a qual o Tribunal " a quo " omitiu pronúncia, julga a recorrente que da prova dada como provada nos autos, designadamente a enunciada no artºs 57º e 58º desta motivação, e de acordo com as regras da experiência comum, é possível proceder-se à convolação do crime de homicídio por que vem condenada para o crime de infanticídio; 21 - Atendendo a que dessa prova e da experiência comum é possível concluir que a recorrente foi acometida de perturbação puerperal no momento do parto e por efeito do mesmo; 22 - Salvo melhor e mais douta opinião, o tipo legal do art.º 136º do C.P. exige que se faça prova da ocorrência de perturbação puerperal (a determinar com prova testemunhal, documental ou outra), mesmo que de forma indelével, aliás como se julga ter ficado suficientemente provado nos autos, 23 - pois que, a não ser assim, dificilmente o estatuído nesse tipo de crime teria aplicação prática; 24 - Deve, assim, a recorrente ser condenada pelo crime de infanticídio, p. e p. pelo artº 136º do CP, na pena de 2 anos de prisão, 25 - atendendo a que, o caso concreto, apresenta um grau médio de censurabilidade, a arguida ser uma jovem de 24 anos de idade, estar a sofrer psicologicamente com a situação, ser uma pessoa carinhosa ( quer com crianças quer com animais ), e estar inserida socialmente, trabalhando quer antes da ocorrência dos factos, quer após ter sido restituída à liberdade provisória, e não serem particularmente exigentes as necessidades de prevenção de futuros crimes; 26 - e, em cúmulo jurídico desta pena com a de 1 ano por que foi condenada pelo crime de ocultação de cadáver, aplicar a pena unitária de 2 anos e 1 mês de prisão, 27 - devendo a mesma ser suspensa na sua execução, considerando-se que a simples censura do facto e o tempo de prisão preventiva já cumprida, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da pena; 28 - Se se julgar conveniente e adequado ao caso concreto, ser a suspensão acompanhada de regime de prova, devendo para o efeito a recorrente frequentar as consultas externas de psicologia e psiquiatria do Centro de Saúde da Cruz de Pau, devendo nesse caso ser-lhe aplicada pena bastante; 29 - O Tribunal " a quo " violou as normas dos artºs 50º, 71º nº 2 als. a) a d), 131º, 136º todos do CP, e as dos artºs 379º nº 1 al. a),410º nº 2 al. c), 412º nº 3 e 428º nº 1 todos do CPP e ainda a norma do art 32º nº 1 da C.R.P.

      30 - O acórdão recorrido sofre dos vícios de nulidade, quer por omissão de pronúncia nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do CPP, quer por erro notório na apreciação da prova nos termos do art 410º nº 2 al. c) do CPP; 31 - Padecendo ainda de inconstitucionalidade nos termos do artº 32º nº 1 da C.R.P.; 32 - O Tribunal " a quo " interpretou as normas indicadas na conclusão 29 no sentido de dever a aplicar a pena de 8 anos de prisão pelo crime de homicídio e a de 1 ano de prisão pelo crime de ocultação de cadáver, e em cúmulo jurídico aplicar a pena unitária de 8 anos e 4 meses de prisão, quando as deveria ter interpretado no sentido de absolver a recorrente do crime de homicídio, ou se assim não se entendesse deveria a mesma ter sido condenada por um crime de infanticídio, na pena de 2 anos de prisão, e em cúmulo jurídico com a pena de 1 ano de prisão pelo crime de ocultação de cadáver ser a final condenada na pena unitária de 2 anos e 1 mês de prisão, devendo ser suspensa na sua execução e eventualmente ser sujeita a regime de prova sendo para o efeito aplicada pena bastante.

      Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e...

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