Acórdão nº 08P4132 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA foi condenado no 2º Juízo de Amarante, com intervenção do júri, como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131° e 132°, n°s l e 2, al. i) - actual al. j) - do Código Penal (CP), na pena de 20 anos de prisão.

Desse acórdão recorreu o arguido para a Relação do Porto, pugnando pela anulação do julgamento ou, pelo menos, pela redução da pena.

A Relação julgou o recurso improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Desse acórdão recorre de novo o arguido, nos seguintes termos: 1 - As leis devem ser interpretadas de modo a que as penas sejam atenuadas e não gravadas, atitude que, e admitindo por mero lapso, a Relação do Porto no caso em concreto não adoptou.

2 - Isto porque na opinião do ora recorrente o Tribunal A Quo fez uma interpretação algo estranha no que concerne ao estatuído no n.º 2 do art.º 132 do Código Penal. Isto porque; 3 - Segundo a Relação do Porto no "... art.º 132.° n. 1 o legislador optou por recorrer à técnica dos designados "exemplos-padrão", a qual se funda "na combinação de um critério generalizado, constituindo uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático." - cfr. Teresa Serra, in "Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida de Pena", pág. 125.

4 - Tendo contudo por certo olvidado a última parte do texto transcrito, isto porque "... Não pode, todavia, subscrever-se a afirmação de que as circunstâncias referidas no n.º 2 do artigo 132.° constituem, dado o seu funcionamento não automático e a sua não taxatividade, elementos de culpa." - cfr. Teresa Serra, in "Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida de Pena", pág. 65.

5 - Até porque a culpa terá de ser a censurabilidade do facto em atenção à atitude juridicamente desaprovada que nele se realiza.

6 - Teremos agora que de alguma forma graduar a culpa/ou não do agente perante os factos pelos quais foi acusado e condenado.

7 - Estranhamente todo o julgamento na lª instância se desenrolou em torno das relações extra conjugais que o mesmo terá tido durante o casamento com a vítima.

8 - Nunca, de uma forma credível o tribunal de lª Instancia conseguiu provar quando terá o ora recorrente decidido assassinar a sua companheira.

9 - Nunca de igual modo conseguiu o Tribunal de lª Instancia dar como provado qual a razão, que não a de um alegado pedido de divórcio pela vítima, terá despertado tal intenção da vítima.

10 - Até porque, segundo a Relação, "... na 3a feira seguinte, terá havido um início de reconciliação entre o casal, o tribunal recorrido formou a sua convicção no sentido de que não foi esse o anúncio (ou que, pelo menos, que seja duvidoso que tenha sido apenas esse anúncio) que levou o recorrente a decidir matar a vítima, embora ele tenha estado na base dessa decisão." (sublinhado) 11 - Se ambos os tribunais não sabem o teor da conversa tida entre ambos como podem da mesma retirar que daí terá resultado a vontade de o ora recorrente em assassinar a sua esposa.

12 - Não será esta a violação do Princípio do In Dubio Pro Reo? 13 - Princípio este constitucionalmente consagrado e basilar de um estado de direito democrático social de cariz humanista onde actualmente, supostamente, nos encontramos.

14 - Até porque e atendendo aos factos dados como provados e posteriormente confirmados pela Relação do Porto algumas perguntas se impunham, a saber:

  1. Porque nunca a vítima durante anos de vivência em comum com o ora recorrente e sabendo das suas relações extra conjugais pôs fim ao matrimónio.

  2. Que conversa terão tido os dois (recorrente e vítima) que faça concluir as instâncias anteriores da intenção de o ora recorrente pôr termo à vida da sua esposa.

  3. Qual o casal que nunca terá discutido? d) Será que não terá sido a vítima confrontada pelo seu marido/recorrente de uma alegada relação extramatrimonial mantida por esta com um colega seu? e) Porque não existia em esquadra alguma queixa apresentada pela vítima contra o ora recorrente? Além de lamentavelmente não se terem questionado; 15 - Desde logo foi dado como provado pelo tribunal de 1ª instância e posteriormente confirmado pelo tribunal "a quo" o seguinte: - No ponto M "Na sequência dessa conversa em que CC lhe anuncia a sua intenção em se divorciar aquela referiu factos cujo teor concreto não foi possível determinar, que tiveram um forte impacto no arguido ao ponto do mesmo decidir, logo naquele momento, que a tinha de a matar." (Sublinhado nosso) 16 - A questão que se poderia colocar seria a de saber como pode o tribunal estabelecer tal conclusão? 17 - Ao não fundamentar tal decisão com factos reais estaremos perante uma clara insuficiência da matéria de facto dada como provada o que originará um reenvio para novo julgamento. (cfr. Ac. do STJ; 04P1595) Não nos podemos nunca de igual modo esquecer que; "... é preciso não deslembrar que os seres humanos se deixam escravizar pelas paixões.", conforme refere o autor brasileiro Ivair Itagiba ("Homicídio, Exclusão de Crime e Isenção de Pena", Tomo I, 351). Assim 18 - Uma vez que uns mais, outros menos, segundo o temperamento, as resistências psíquicas, o grau de sensibilidade, a constituição emotiva, os hábitos, o conceito de honra, os distúrbios somáticos, se deixam dominar pelas paixões.

19 - Todos esses elementos, acrescidos de outras circunstâncias, devem ser pesados cautelosamente pelo julgador, o que não aconteceu no caso em concreto.

20 - Tendo o tribunal a quo simplesmente subsumido os factos constantes na acusação e erradamente dados como provados na al) i) do n.º 2 do art.º 132 do C. Penal.

21 - O preconceito de honra não isenta o uxoricida ou amanticida de responsabilidade penal, nem lhe justifica o acto desesperado. Mas esse preconceito, para o fim de diminuição da pena, deve ser meditado de longada, e não atarantadamente, de afogadilho. Há valores sociais que a consciência colectiva ou grupal admite e aplaude.

22 - São sentimentos estes que se enraízam na alma e podem levar a extremos, sem o necessário resfriamento.

23 - Nada é insignificante na vida do homem; as impressões somam-se, sobrecarregando o poder da auto-inibição; surge a representação, a ideia que, tornada fixa e ardida, acaba falseando o mecanismo normal da consciência.

24 - Entendemos nesta conformidade trazer para aqui as palavras de Enrico Altavilla em o Delinquente e a Lei Penal, voI. II, 203, 212 e 217. Começa, a propósito deste tema, por citar Jung (o "pai" da psicologia moderna) quando escreveu que "o primeiro suspiro de amor, é o último da prudência" para depois traçar um perfil do ciumento: "Da suspeita - do ciumento - nasce uma atenção concentrada, no sentido de conseguir a certeza e inicia-se uma investigação afanosa, feita do exame dos gestos mais insignificantes para neles encontrar uma prova... efectivamente dum estado de expectativa e de concentração da atenção, deriva uma fatal deformação que, sem chegar a verdadeiros fenómenos ilusórios, leva a um erro de juízo... O delito mais frequente (do ciumento) é o homicídio, frequentemente sob formas muito cruéis..." 25 - Decerto que o julgador atento deve procurar enquadrar todos estes valores dentro do leque - ele particularmente amplo, é evidente - correspondente aos parâmetros tidos como normais na sociedade dentro da qual o crime se verifica.

26 - Não podendo por isso, de uma forma automática subsumir o alegado comportamento do ora recorrente à al) i) do n.º 2 do art.º 132 do C.P. Uma vez que; 27 - Todos os factos instrumentais do crime de homicídio (ex. saída de casa do ora recorrente - ponto AB, compra do bidão de gasolina - ponto AG, entrada na habitação para consumação do homicídio - ponto AR e deslocação para Espanha - ponto AY)) ocorreram num hiato temporal de 4 horas.

28 - Não as 24 horas previstas na alínea i) do n.º 2 do art.º 132 do C.P.

29 - Logo, e através de um simples calculo aritmético se concluirá a falácia que é acusar/condenar o ora recorrente com base em tal disposição legal.

30 - Ou seja, nunca se verificou que o ora recorrente tenha demonstrado de forma alguma "firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução, indiciada pela sua persistência durante um apreciável lapso de tempo e, como tal, reveladora de uma forte intensidade da vontade criminosa (sobre esta questão, entre nós, Beleza dos Santos, RLJ 67º 306 ss. e Etudes Donnedieu de Vabres 1960 111; Maria de Lourdes Correia e Vale, BFD supl: XIII 1960 200 ss.; Eduardo Correia II 295 ss) - cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in - Comentário Conimbricense, pag. 39 Mas mesmo que assim não fosse, 31 - O "simples" verificar algumas das situações previstas no n.º 2 do art.º 132 e nem por isso se poderá concluir da especial censurabilidade ou perversidade por parte do agente. Cfr. Acord. o STJ: 02P2577. E; 32 - Tendo sido inclusive esta a intenção do autor do Projecto na aludida sessão da Comissão Revisora, onde afirmou que; "... a enumeração das várias alíneas do n.º 2 não é taxativa, antes meramente enunciativa e exemplificativa. Referem-se nelas apenas alguns indícios ou elementos que permitem revelar a censurabilidade ou a perversidade do agente." 33 - Teremos depois que aferir e destrinçar a censurabilidade ''Vorwerflichkeit'' da perversidade "Verwerflichkeit".

34 - Assim, "... só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto." cfr. Teresa Serra, in "Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida de Pena", pág. 63.

35 - Teria na opinião do ora recorrente, que se considerar como especial censurabilidade as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal forma graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, algo que não ficou dado como provado no acórdão que ora se recorre.

36 - De...

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