Acórdão nº 08P577 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução21 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Acusado pelo Ministério Público, respondeu, perante o tribunal colectivo da 4ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do proc. 391/06.0TDPRT, o arguido AA, vindo a ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, cometido na pessoa de sua irmã, BB, p. e p., pelos arts. 131º e 132º nº 1 e 2 als. b) e c), na pena de 18 anos de prisão, por um crime de maus tratos, de que foi vítima aquela sua irmã, p. e p. pelo art. 152º nº 1 al. a), na pena de 2 anos de prisão e por um crime de profanação de cadáver da referia BB, p. e p. pelo art. 254º nº 1 al. b) todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. Feito o cúmulo jurídico destas três penas, foi o arguido condenado na pena única de 19 anos de prisão.

Inconformado, recorre directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, suscitando como única questão a da medida da pena. Da respectiva motivação, extraiu as conclusões seguintes: 1. Os critérios de escolha e determinação da medida da pena, impostos pelo artgo. 71°. do C.P., não foram devidamente ponderados pelo Tribunal recorrido.

  1. Foi dado como provado que o Recorrente, mostrou à observação sintomatologia compatível com Deficiência Moral (...) e Toxifilia Alcoólica.

  2. Aquando dos factos encontrava-se capaz de lhes avaliar a ilicitude e de se determinar de acordo com essa avaliação, 4. Mas a entorse caracterial que transporta e a injúria tóxica mantida do Sistema Nervoso Central, condicionaram-lhe discernimento e volição, roubando margem de manobra no governo de si.

  3. Face a tal circunstancialismo descrito nos relatórios dos exames médico-psiquiátrico e de avaliação psicológica, juntos aos autos e que apontam para a imputabilidade diminuída, impunha-se a atenuação da pena, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo.

  4. As qualidades pessoais do recorrente não podem, por si só, ser consideradas para não atenuar a pena do recorrente.

    Ora, 7. Se se mostra provado que a "entorse caracterial que transporta e a injúria tóxica mantida no Sistema Nervoso Central, lhe tenham condicionado discernimento e volição, roubando margem de manobra no governo de si...

    " - é nosso o sublinhado, não se percebe a não atenuação da pena, que se entende ser de aplicar no presente caso.

  5. O Tribunal a quo terá apreciado as qualidades pessoais do recorrente, com base na deficiência moral que o mesmo transporta e entendeu serem as mesmas desvaliosas e censuráveis e elas mesmas justificadoras da não atenuação da pena Todavia, 9. Somos de entendimento que, não obstante ter mostrado sintomatologia compatível com Deficiência Moral, (qualidades pessoais que levaram à não atenuação da pena) o CRC do recorrente mostra-nos que este tem tido apenas condenações de natureza patrimonial.

  6. Deveria o Tribunal recorrido ter levado em consideração a imputabilidade diminuída atribuída ao arguido e aquando da determinação da medida concreta da pena, aplicar-lhe a atenuação.

  7. Mais deveria o Tribunal recorrido, ter ponderado no acervo fáctico descrito no relatório social, e dado como provado no acórdão recorrido, no que respeita aos episódios de violência que o recorrente foi vitima, por parte do pai, durante a sua infância.

  8. Nesta conformidade, reputamos como ajustada e razoável aplicar-se ao recorrente uma pena de prisão que contemple a atenuação, face à Deficiência Moral e Toxifilia Alcoólica que apresenta o recorrente e que lhe diminui ou atenua a imputabilidade.

  9. Considerando-se o exposto, subsumido nas disposições conjugadas dos artgºs. 20°., 40°. e 71°., constata-se que a pena aplicada ao recorrente não respeitou os critérios da sua determinação, pelo que o Mmo. Tribunal a quo violou as aludidas normas.

  10. A correcta interpretação destas disposições legais e as exigências de prevenção, impunham ao Tribunal a quo a aplicação ao recorrente da pena concreta inferior à que lhe foi aplicada.

    O Ministério Público no tribunal a quo respondeu, argumentando no sentido de que "a pena encontrada é correcta, como correcta está a sua fundamentação, não havendo violação das normas referidas pelo recorrente." Também no Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público considera o recurso improcedente, tendo sintetizado a sua argumentação, na seguinte conclusão: "As penas parcelares e única fixadas mostram-se adequadas à culpa, ilícito global e personalidade do agente, face ao carácter violento do arguido, que revelou um especial desprezo pela integridade física, vida e mesmo pelo respeito devido ao cadáver da irmã, particularmente desprotegida pela doença de que padecia." Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo a defesa usado do seu direito de resposta relativamente ao parecer.

    Uma vez que não foi requerida pelo recorrente audiência oral, os autos vêm à conferência para conhecimento do recurso.

    Decidindo.

  11. Os factos que o tribunal colectivo deu como provados e que o recorrente não põe em causa são os seguintes: 1- O arguido é irmão da vítima BB nascida a 22 de Março de 1975, a qual padecia de Paralisia Cerebral.

    2- No ano de 2003 em virtude de doença do respectivo progenitor a BB passou a residir com o arguido e respectivo agregado familiar no Bairro do..., Bloco 0, Entrada 203, 2º Esquerdo, nesta cidade.

    3- Desde data não concretamente apurada, mas em momento posterior a ter ido viver com o arguido e até ao dia da sua morte que o AA se comportou de forma agressiva e violenta para com a sua irmã e ora vítima.

    4- Com efeito, com frequência quase diária o AA ordenava à BB que junto dos vizinhos pedisse "esmola" e, quando a mesma chegava a casa sem o "produto", desatava, de imediato, a agredi-la com as mãos.

    5- Como consequência directa e necessária destas agressões a BB ficava, frequentemente, com hematomas e equimoses na cara e no corpo.

    6- No mês de Março de 2006 e por haver indícios de que os menores filhos do arguido e da mulher CC se encontravam numa situação de perigo perante a exposição a um quadro fáctico de violência doméstica o Tribunal de Família e Menores do Porto decidiu a aplicação de uma medida provisória e urgente de entrega ao ISSS para acolhimento institucional ou familiar, tendo os menores sido retirados de casa.

    7- A partir deste momento e porque o arguido afirmava que a culpa da situação era da BB aumentou a agressividade para com a irmã, passando a agredi-la todos os dias.

    8- As agressões acima descritas ocorriam, geralmente, no interior da residência de ambos.

    9- No dia 9 de Maio de 2006 o arguido agrediu a BB com murros e pontapés na cara e no corpo.

    10- No dia 10 de Maio de 2006, de manhã, o arguido abeirou-se da BB e voltou a agredi-la violentamente com socos e pontapés na cara e no corpo, utilizando ainda nas agressões uma mola metálica com cerca de sessenta centímetros de comprimento, examinada a fls. 371.

    11- Na mesma...

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